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As contradições perigosas do “isentão” José Padilha
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Neste domingo, o GLOBO tinha, como de praxe, uma coluna patética de Luis Fernando Verissimo, que defendia a “tese” de que o PT foi “ferrado” pela “elite” e pela mídia por ser popular e contra a “ortodoxia neoliberal”. Sei que o leitor perguntará como ainda consigo ler essa porcaria, e já disse que deve ser um misto de masoquismo com o esforço homérico que o ofício me impõe.

Verissimo, depois de tanta besteira sobre o PT, ainda pulou para Trump, ridicularizando o candidato republicano como se suas fanfarronices só pudessem ser explicadas com base num desejo de perder as eleições, pois nem ele gostaria de viver num país governado por ele. Enfim, o de sempre: engraçadinho, simulando leveza na forma, para jogar seu conteúdo radical e socialista aos leitores desavisados.

Mas estes são cada vez menos. Quem ainda não percebeu que Verissimo não passa de um petista defensor do fracassado socialismo, enquanto desfruta das vantagens que só o capitalismo pode oferecer? Por isso talvez nem se justifique mais perder tempo com um tipo desses. Ninguém sério leva mais Verissimo a sério.

Mas o mesmo não ocorre com o cineasta José Padilha. O diretor de “Tropa de Elite” faz ataques diretos ao PT e aos socialistas do Brasil, o que logo lhe garante a simpatia de muita gente revoltada e indignada, com toda razão, com a desgraça causada por essa turma em nosso país. Mas, em sua coluna de domingo, Padilha caiu em sérias contradições ao tentar colocar no mesmo saco podre esses petistas e os republicanos que defendem Donald Trump.

Comecemos pelo lado interessante: Padilha tem um ponto quando compara o cinismo de ambos os defensores, do PT e de Trump, por terem de ignorar certos fatos para continuar apoiando algo ruim. Sim, é verdade que muitos conservadores tradicionais não engolem o estilo histriônico e narcisista do magnata do topete, preocupam-se com a imagem do conservadorismo caso ele vença, e passam a fingir que não escutaram certas baboseiras, pois o objetivo maior é derrotar Hillary Clinton e a esquerda cada vez mais radical.

Mas a analogia para por aí. Os petistas, como o Verissimo fez ao “matar” a Velhinha de Taubaté, recusam-se a enxergar todo o estrago causado pela gestão petista e os infindáveis escândalos de corrupção. Os conservadores tampam os ouvidos apenas para comentários infelizes e “brincadeiras” meio sem noção do “seu” candidato, o instrumento encontrado para tentar barrar o avanço esquerdista. Não dá para comparar as duas coisas. O próprio Padilha detona a herança maldita do PT:

Depois de um aumento desenfreado nos gastos públicos, somado a uma política de subsídio a grandes grupos empresariais via BNDES e a programas sociais meramente redistributivos, o Brasil viu milhões de pessoas saírem da miséria. Todavia, assim que a capacidade de endividamento do país acabou, assim que as “pedaladas” e fraudes contábeis se tornaram insustentáveis e muitos investimentos fracassaram por total inaptidão administrativa, a realidade bateu à porta. O PIB caiu 10% em dois anos. A arrecadação minguou. Hoje o Brasil tem 12 milhões de desempregados, a Petrobras deve até a alma, os estados estão falidos, e a União precisa cortar cerca de R$ 150 bilhões do Orçamento para recuperar o equilíbrio fiscal… Pessoas racionais concluiriam: para melhorar de vida não basta gastar a esmo e redistribuir renda. É preciso fazer investimentos que dão retorno. Sem capacitar a população e aumentar a produtividade, a pobreza volta quando o limite do cheque especial acaba. Os socialistas aprenderam a lição? Claro que não. A cada proposta de corte nos gastos públicos e a cada menção da palavra “privatização”, gritam slogans contra a volta da política neoliberal…

Palmas para essa passagem excelente. Mas Padilha, logo depois, vai além, e deixa seu lado democrata falar mais alto. Ele acaba fazendo o mesmo: atacando a “política neoliberal” dos republicanos, que julga responsável até pela “quebra” do Kansas (jogou assim, sem mais nem menos, essa acusação, sem explicação alguma, e não falou de como os democratas faliram Detroit, por exemplo). Diz o cineasta:

Por sua vez, depois do crescimento robusto da era Clinton e do crescimento risível da era Bush, além da trágica ocupação do Iraque, os conservadores americanos também viram suas doutrinas, militares e econômicas serem refutadas uma a uma. A desregulamentação do sistema financeiro vai ajudar a economia… O Obamacare vai quebrar o sistema de Saúde… O aumento dos gastos públicos vai desvalorizar o dólar e gerar inflação… Não há aquecimento global… Só bola fora. Mudaram de ideia? Claro que não. Continuam insistindo na tese de que austeridade fiscal e redução de impostos, sobretudo para os mais ricos, geram crescimento econômico. Para mostrar que estavam certos, aplicaram o receituário ao estado de Kansas, e Kansas quebrou…

Aqui, Padilha faz acusações injustas. Em primeiro lugar, a era Clinton contou não apenas com as reformas anteriores, que eram liberais, como com um Congresso republicano e um presidente bem mais moderado, que soube respeitar o básico das teses ortodoxas republicanas. A desregulamentação do sistema financeiro não foi a responsável pela crise, como tantos repetem por aí, e sim o intervencionismo maior do estado no setor, como já cansei de demonstrar. O Obamacare é, de fato, muito ruim para a economia, e tem custado caro, mas a principal crítica era sobre o abuso de poder pelo governo federal contra a liberdade dos estados, fundamental no modelo federalista. Aquecimento global? Ainda insistem mesmo nisso? Já não mudaram até para “mudanças climáticas”, termo mais vago que engloba qualquer coisa?

Mas o mais importante vem depois, com a guinada de 180 graus de Padilha: o grave erro dos republicanos “cínicos” seria ainda acreditarem na “tese de que a austeridade fiscal e redução de impostos, sobretudo para os mais ricos, geram crescimento econômico”. E não geram? Padilha dá como “prova” negativa o caso do Kansas, sem apresentar argumentos. Foi a austeridade que quebrou o estado, por acaso? Aliás, a austeridade do governo já foi responsável por alguma crise mundo afora? Ela não é uma necessidade imposta não só pela aritmética como pelas próprias crises geradas pela gastança de governos perdulários, como o próprio PT no Brasil?

Eis a mais gritante contradição de Padilha: ele ataca o PT por ser irresponsável com as contas públicas, e depois ataca os republicanos por defenderem a austeridade nas contas públicas. E pior: dá a entender que Trump é um péssimo candidato por representar esses valores tradicionais dos republicanos, logo depois de admitir que os conservadores tradicionais estão incomodados com Trump. Padilha diz, expondo ainda mais sua contradição:

A verdade é que tanto a doutrina dos conservadores americanos quanto a doutrina dos socialistas brasileiros só servem para gerar narrativas cativantes e slogans baratos, mas não servem para balizar políticas públicas sensatas.

De um lado temos os amigos do povo, os políticos altruístas e sábios que vão usar o Estado para promover justiça social e salvar os pobres da opressão dos ricos. Do outro, temos os grandes empresários e os empreendedores destemidos, que, livres das regulações e da tirania do Estado, vão desenvolver tecnologia, criar riquezas e beneficiar a todos. A primeira história vende bem na América Latina, sobretudo para artistas, sindicalistas e pseudointelectuais; a segunda vende bem no interior dos Estados Unidos, sobretudo para brancos de classe média e milionários.

Como se colocar no mesmo saco podre o PT e os republicanos já não fosse um acinte, Padilha fecha alegando que Trump seduz os brancos de classe média e milionários do interior dos Estados Unidos. Mas ora, não repetem que Trump só cresce em cima dos idiotas alienados? Então agora ele atende às demandas da ampla classe média branca, num país formado basicamente pela classe média branca? Então os Estados Unidos são um país de idiotas alienados?! Se isso é verdade e ruim, então só podemos concluir que é verdade também que os democratas demagogos, como Hillary e Obama, seduzem apenas as “minorias” e os bilionários, que ficaram faltando. E isso seria bom, pois são esses que carregam o país nas costas…

Hillary é a candidata dos banqueiros de Wall Street, de Soros, dos bilionários do Vale do Silício, e também das “minorias” organizadas, que insistem na “revolução das vítimas” e na “marcha dos oprimidos” da era do politicamente correto. A cartada sexual é amplamente usada por Hillary, como a racial foi por Obama. Se tirarmos as “minorias” e os podres de rico, que apoiam a esquerda, o que sobra além da classe média branca e dos milionários?

No fundo, Padilha representa aquele tipo muito comum no Brasil, como aquele outro cineasta, o Arnaldo Jabor: são antipetistas, mas continuam de esquerda, e olham com horror para os conservadores americanos. Adoram Obama, gostam de Hillary, e não entendem que a esquerda americana é cada vez mais populista e radical, como a mesma que detonam na América Latina. Seriam os “isentões” do Brasil, a nossa esquerda mais light, mas com nojinho de conservador americano. São os “liberais”, que não podem ser confundidos com os liberais clássicos.

Sim, esses também não gostam de Trump, e se o apoiam, é só porque gostam ainda menos de Hillary, que tinha como guru um radical como Saul Alinsky. Mas eis a perigosa contradição de Padilha: Trump foi criticado pelos motivos errados. O próprio Padilha reconhece que ele não agrada a base tradicional conservadora. E logo depois diz que ele atrai os típicos conservadores de classe média e milionários, que querem menos estado, menos impostos. Ora, quem dera! Trump gera tanta desconfiança justamente porque não representa esses valores.

Padilha mesmo diz isso no começo: “Depois de uma primária republicana ridícula, em que os candidatos conservadores se mostraram extremamente fracos e foram gradativamente eliminados da disputa pelo populismo histriônico de Trump, os conservadores ficaram em quintanilhas.  Ou se afastavam de Trump e entregavam a Presidência aos democratas, ou coroavam Trump na convenção do Partido Republicano. Fora algumas exceções, notadamente Ted Cruz, os conservadores fecharam com Trump”. Ted Cruz sim, representava os valores tradicionais do conservadorismo. Não Trump.

Como, então, Padilha pode sair dessa premissa verdadeira e pular para a conclusão incoerente de que Trump é defendido por representar o conservadorismo tradicional de menos impostos e austeridade fiscal? Era tudo que os conservadores e os liberais clássicos mais gostariam, mas não sabem se podem confiar em Trump nisso.

Fica parecendo, portanto, que Padilha quis simplesmente atacar os conservadores tradicionais, colocando-os no mesmo time dos petistas, enquanto banca o “isentão” para defender a esquerda americana, cada vez mais radical, cada vez mais parecida com o próprio PT, a ponto de Obama, que queria mudar “fundamentalmente” a América, ter dito que Lula era “o cara”.

Verissimo é caricato, petista de carteirinha, não engana mais ninguém. Padilha é “imparcial”, detona o PT, e com isso ganha créditos importantes com o público geral brasileiro. E depois vai lá e detona os conservadores americanos, para defender a esquerda. A conclusão de ambos é praticamente a mesma: os inimigos são Trump, os conservadores e a austeridade fiscal. Aqui no Brasil, não seria surpresa se Padilha defendesse até mesmo um PSOL da vida. Ops! Já ia esquecendo que Padilha já deu apoio ao socialista Marcelo Freixo. Que novidade!

Arranhe a superfície de um “antipetista” muito moderado e “isentão”, que odeia os conservadores americanos e a austeridade fiscal, e logo aparecerá a imagem de um esquerdista radical. A forma pode ser mais contida, mas a mensagem continua tendo um conteúdo extremista. Isso deveria ter ficado claro quando ele tentou jogar petistas e conservadores no mesmo time. Quem faz isso, senão alguém louco para destruir a imagem do conservadorismo?

Rodrigo Constantino

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