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Bin Laden, um bom marido e um pai amoroso? Ou: Os monstros também amam
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Vim em paz e por isso vou te matar…

Os arquivos secretos de Bin Laden foram abertos, e nele tivemos acesso às cartas que trocou com seus familiares e aos livros que tinha em seu esconderijo. Detalhe: o único autor repetido era Noam Chomsky, aquele que considera o governo democrático americano a maior tirania do planeta e a maior ameaça à paz mundial. Bin Laden e Chomsky: tudo a ver. A admiração era mútua, pelo visto.

Mas outra coisa chamou a atenção. Da mesma forma que a inteligência do próprio Chomsky em sua área específica do saber contrasta com sua demência quando o tema é geopolítica, conforme dito aqui, a monstruosidade do terrorista Bin Laden contrasta com seu aparente afeto familiar, sua preocupação com o futuro de seus filhos e netos, suas cartas de saudade para a mulher (uma delas).

Como pode? Como pode alguém planejar e vibrar com um ataque que ceifa a vida de milhares de civis inocentes e logo depois questionar sobre as “últimas notícias divertidas” de seu neto? Esse paradoxo é instigante, mas mais comum do que podemos acreditar. Talvez por conta dos filmes como 007, que retratam os vilões como psicopatas o tempo todo, temos essa ideia de que um sujeito mau será assim 24 horas por dia com todos. Não necessariamente.

Se for um “assassino por ideologia”, a psicopatia pode vir à tona apenas em determinadas ocasiões. O sujeito supostamente se preocupa com sua família, trata bem o cachorrinho, escuta uma boa ópera e com ela se emociona, e em seguida determina a morte de milhares de pessoas como se fossem ratos. É a “tirania do bem”. A morte em grande escala passa a ser apenas estatística, um meio para sua causa “nobre”.

A ideia nos remete a Stalin, e eis aí outro que tinha pinta de tiozão simpático. Foi Walter Duranty, se não me engano, que disse que Stalin era o tipo de homem que uma criança gostaria de se sentar no colo. O homem do NYT em Moscou pode ter sido um idiota útil apenas, mas não necessariamente mentia nesse caso específico. O tirano assassino poderia ser simultaneamente um tio afável, com aquele bigodão de portuga gente boa.

E é isso que mais nos choca! Queremos imaginar que os monstros são monstros o tempo todo e com todos, mas não necessariamente é assim. Se sua monstruosidade for fruto de uma profunda alienação, de uma lavagem cerebral ideológica, ele pode demonstrar total falta de empatia para com o próximo, mas ainda assim tratar relativamente bem os seus familiares ou camaradas. O problema é o Outro.

Ele enxerga o “ocidental” ou o “burguês” como uma mera abstração, um número a ser eliminado, um representante do Capeta na Terra, um rato asqueroso. Por isso pode eliminar tantas vidas inocentes enquanto degusta de um chá com sua sobrinha, querendo saber se ela está no rumo certo, ou seja, se também pretende matar as pulgas e baratas que pululam o mundo e mancham a pureza de sua fé fanática.

Eis, portanto, o grande perigo: quando a ideologia transforma o próximo, de carne e osso, numa simples abstração. Há relatos de soldados que não foram capazes de atirar em seus inimigos em guerra quando viram cenas cômicas, como uma calça que caiu durante a correria em fuga, expondo o bundão. Por quê? Porque isso nos remete ao lado humano do outro. Ele deixa de ser “o inimigo” e passa a ser um ser humano como nós, alguém que pode se encontrar em tal situação patética e engraçada.

O que os arquivos de Bin Laden mostram é que os monstros também “amam”. À sua maneira estranha, pois a psicopatia está lá, latente, e sua obsessão não permite uma abordagem racional sobre nada. Mas ainda assim pode haver carinho genuíno. O vovô Bin Laden queria o melhor para seus netinhos. De preferência, que morressem como mártires explodindo junto milhares de “vermes” americanos. Um doce de pessoa!

Rodrigo Constantino

 

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