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Bohemian Raphsody: o que há por trás da fama?
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Finalmente vi “Bohemian Raphsody”, o filme que retrata a vida de Freddie Mercury. Tanto ele, um dos grandes artistas dos anos 1980 que marcaram para sempre minha vida, como o Queen mereciam algo melhor. Mas o filme é muito bom, comovente, e as músicas da banda são fenomenais e garantem a nostalgia na dose certa, especialmente para quem viveu aquela época.

Há várias mensagens interessantes que podem ser extraídas do filme. A mais evidente delas é que, por trás da fama que observamos de fora, há uma pessoa, um ser humano desamparado, com suas angústias próprias, seus problemas existenciais, seus medos. As letras de muitas músicas cantadas por Freddie já deixam isso claro, como esta:

I’ve taken my bows,
And my curtain calls.
You brought me fame and fortune, and everything that goes with it.
I thank you all.

But it’s been no bed of roses,
No pleasure cruise.
I consider it a challenge before the whole human race,
And I ain’t gonna lose.

Eis aqui a essência do artista: capturar a dor e o sofrimento que são seus, mas também comuns a todos na condição humana, e transformar isso em arte, justamente para que possamos encarar essa travessia com um pouco mais de força e coragem. “Estamos todos no mesmo barco, e mareados”, como concluiu Chesterton.

A fama e o sucesso são a casca, a superfície que nós enxergamos de longe. Dentro há alguém que precisa conquistar sua liberdade, desafiar os demônios de sua infância, lidar com as questões psicológicas que envolvem mãe e pai, a consciência da morte, as doenças, os desencantos do amor, a solidão – acima de tudo a solidão, a certeza de que estamos, no limite, sozinhos. Mas, como diz outra música do Queen:

The show must go on
The show must go on, yeah
Inside my heart is breaking
My make up may be flaking
But my smile
Still stays on

Como alguém que lida com o público, em escala infinitamente menor, consigo ter uma noção disso. Nossos problemas pessoais são nossos, e por mais que aqueles que nos admiram e nos seguem possam sentir empatia, o que se espera é que façamos direito nosso trabalho, que entreguemos aquilo a que nos propusemos. Ainda que máscaras sejam necessárias no teatro da vida.

Não há muito espaço para o vitimismo. Estou lendo uma das biografias de Christopher Reeve, ele que foi o superman da minha geração e acabou tetraplégico num acidente de equitação. Se há alguém que merecia toda a comiseração do mundo era ele, mas ainda assim seu livro mostra a importância de fugir dessa posição de vítima e resgatar aquilo que realmente tem valor, como a família e as amizades verdadeiras, para conseguir superar o desejo de colocar um fim em tanto sofrimento e raiva e seguir adiante, aspirar a vida.

Cada um tem sua cota de dor e sofrimento, suas tragédias particulares, e como atravessar com dignidade esse “vale de lágrimas” é que faz toda a diferença. Alguns usam essa experiência pessoal para criar arte, e com isso nos ajudar a superar nossos próprios desafios e obstáculos. Fazem da vida algo mais palatável, contribuem para nossa busca por sentido e propósito. E Freddie Mercury tinha claro seu propósito: era um “performer”, um artista acima de tudo, que colocava suas angústias em sua arte, e com isso tocava milhões de corações.

Outro aspecto menor do filme, mas que um liberal não pode ignorar, é o fato de como essa individualidade, somada ao talento e ao senso de propósito do artista, mudou a vida de tanta gente, levando não só entretenimento e emoção como negócios e prosperidade. Os telefonemas disparam quando o Queen entra no palco em Wembley em 1986, no Live Aid, e a arrecadação filantrópica para ajudar  a África logo chega a um milhão de dólares, cifra respeitável na época. Vários tiveram empregos possibilitados pelo talento do quarteto, pelo brilhantismo de Freddie Mercury. O enriquecimento deles e dos empresários que apostaram na banda foi apenas o resultado legítimo disso que eles entregaram ao público antes.

Por fim, há a mensagem de que o hedonismo é só uma fuga desesperada, que buscar o prazer de forma animalesca não gera felicidade genuína. Freddie teve uma vida louca que um Foucault da vida, ele mesmo um pervertido, aprovaria em sua filosofia. Mas isso só mascarava sua solidão e sua dor. Foi apenas em Mary, sua esposa, e mais tarde no companheiro que se recusou a ter qualquer coisa com ele enquanto ele agisse daquela maneira destrutiva, que Freddie Mercury teve consolo real e algo que possa ser chamado de felicidade. Esta só costuma vir quando somos sinceros com nós mesmos, não quando estamos desesperados para evitar relacionamentos mais profundos por medo do sofrimento.

Não posso terminar sem constatar uma mudança cultural lamentável, que se torna evidente ao ver o filme. Freddie era “performático”, sem dúvida, queria chocar, ousar, desafiar as normas, mas acima de tudo era extremamente talentoso. Sua fama vem desse talento. Compara-lo a um Pabblo Vittar da vida, que faz sucesso hoje basicamente por chocar, e não por cantar e emocionar o público, é reconhecer que algo muito estranho e ruim aconteceu em poucas décadas. O talento individual cedeu espaço ao vitimismo das “minorias”, e a política de identidade serve para blindar aqueles que, sem alegar pertencimento a algum grupo “oprimido” qualquer, jamais teriam o mesmo destaque no mundo da “arte”.

Freddie Mercury era gay? Who cares?! Freddie Mercury era simplesmente fantástico no palco, tinha presença e, principalmente, uma voz incrível que emprestava a hits inesquecíveis. É por isso que até hoje falamos dele, escutamos suas músicas e temos filmes sobre sua vida. Ninguém vai lembrar de Pabblo Vittar em poucos anos. O vitimismo é passageiro; o mérito e o talento individuais ficam. O verdadeiro artista busca a imortalidade por meio de sua arte. Os charlatães chafurdam no efêmero, que o mundo pós-moderno chama injustamente de arte.

Rodrigo Constantino

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