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Fonte: Folha
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No meu artigo anterior neste espaço tentei explicar o fenômeno Bolsonaro, antes de saber o resultado do primeiro turno. Agora, que ele está praticamente eleito como próximo presidente do Brasil, pretendo falar sobre seu eventual governo.

Muitos formadores de opinião alertam para um risco autoritário, quiçá fascista, como se o Brasil fosse se tornar uma Alemanha nazista ou uma Itália dos tempos de Mussolini. Tudo isso é pura bobagem, de quem normalmente despreza o verdadeiro risco comunista do outro lado, com o PT transformando o Brasil numa Venezuela.

O real risco com Bolsonaro, que meu amigo e editor Carlos Andreazza tem apontado em seus textos, é o de uma gestão ruim, incompetente. Andreazza chega a comparar o capitão com Dilma, o que considero um enorme exagero. Mas seu alerta não pode ser ignorado: qual a experiência de Bolsonaro para presidir o país?

Sendo sincero, é pouca, é nula. Bolsonaro chegou até aqui como um símbolo, como alguém que foi coerente em seu combate ao petismo e ao priorizar a pauta da segurança, com um tom a favor da polícia e contra os marginais que não se vê à esquerda. Ou seja, ele está com excelentes chances de vencer por aquilo que ele condena – o petismo, o marxismo cultural, o politicamente correto –, assim como por aquilo que ele passou a representar – o endurecimento no combate ao crime, a firmeza na busca da ordem. Resta perguntar: como pretende executar esses planos, ainda um tanto vagos?

Até a eleição prevalece a retórica, o discurso, a narrativa. No dia seguinte começa a valer a capacidade de gestão. Lula, por exemplo, viveu sua vida toda em um palanque, sempre jogando para a plateia, agitando as massas. O resultado está aí e é simplesmente catastrófico. A esquerda gosta de estética, de palanque, mas normalmente é a direita que faz o trabalho pesado, o dever de casa, para colocar o país nos trilhos. Basta comparar os resultados de Obama com Trump, ou de Carter com Reagan décadas antes.

Mas Bolsonaro será o “Trump brasileiro”, como alguns têm dito? Não se sabe ainda. Há uma característica sua que joga a seu favor e permite algum otimismo: Bolsonaro tem se mostrado humilde diante daquilo que não sabe. Focando especificamente na economia, minha área, o maior risco que existe é a arrogância aliada à ignorância, a própria definição de estupidez. Dilma vem à mente: ela era economista e achava que entendia do assunto. Ciro Gomes seria outro perigo dessa natureza. Já Bolsonaro reconhece que não domina o tema, e delegou ao seu “posto Ipiranga” o grosso do plano.

Paulo Guedes é um brilhante economista, liberal formado pela Universidade de Chicago, escola de Milton Friedman e tantos outros prêmios Nobel. Ele, sim, sabe do que está falando quando o assunto é economia. E montou uma equipe de primeira, com nomes de grande respeito, para desenhar o plano de reformas. A direção não poderia ser melhor: desburocratizar, reduzir drasticamente tarifas, limitar gastos públicos, privatizar inúmeras estatais, vender seus ativos, e abater endividamento estatal. É uma guinada liberal de que o Brasil tanto necessita.

Se vai mesmo conseguir colocar em prática seu ousado projeto, isso são outros quinhentos. Falta a tal experiência política, e é aqui que entra Bolsonaro. Primeiro, temos de acreditar que ele vai endossar o básico das propostas de Guedes e sua equipe. Seu histórico não é liberal, mas sim estatizante e nacionalista. Temos de crer que sua inflexão foi sincera, e espero que sim. Não obstante, haverá o desafio de aprovar as mudanças no Congresso. A tão falada governabilidade: como será costurado o apoio dos deputados?

São essas questões mais práticas que passaram longe do debate eleitoral, e que preocupam alguns críticos sérios. Mas, por mais que compartilhe do receio, não vejo tanto motivo para desespero. Claro, não podemos esperar milagres, nem mesmo de um Messias, pois isso seria ingênuo e fadado à decepção. Não vejo motivo, porém, para não apostar em um bom governo, capaz de liderar o país na direção certa, endireitando muito daquilo que anda sinistro demais.

Farei uma comparação agora de que meus colegas conservadores não vão gostar, e peço vênia ao exagero. Winston Churchill não era um grande líder quando assumiu o comando do Reino Unido. Ao contrário: ele era tido como fanfarrão, pouco confiável, incapaz de liderar a nação naquele momento difícil. Ele surpreendeu a todos, e se tornou o maior estadista da história justamente pela coragem, pela humildade quando necessária, pela determinação ao buscar um foco definido: derrotar o inimigo nazista e permitir a sobrevivência da Inglaterra, do próprio Ocidente.

Não quero dizer que Bolsonaro seja Churchill, por favor. Não é nem mesmo Trump. Mas Trump, outro fanfarrão, que continua com certas tiradas infelizes, está entregando ótimos resultados, principalmente na área econômica. Quero apenas levantar a hipótese de que Bolsonaro pode se tornar um bom presidente, pode saber aproveitar a oportunidade que o destino lhe ofereceu. Um deputado de nicho, em seu sétimo mandato, acostumado a bater boca com figuras deploráveis no Congresso, defensores do abjeto comunismo, de repente se vê galgando os degraus até o Palácio do Planalto, para presidir a nação. O que fará disso? Como vai lidar com essa chance de deixar um legado positivo na história?

A resposta está em aberto. Ele pode continuar agindo como um deputado de nicho, atiçando a militância antipetista, atraindo a frota reacionária que precisa extravasar seu ressentimento. Ou ele pode se dar conta do que está em jogo, de como o cenário mudou, e agir feito um estadista, como alguém que vai liderar toda a população de bem, trabalhadora e ordeira, rumo a um novo Brasil, menos vermelho e mais verde e amarelo. Ele pode ter a coragem necessária e a convicção firme em certos princípios inegociáveis para avançar nesse sentido, assim como a humildade fundamental para delegar responsabilidade quando for preciso. É o que fazem os bons líderes.

Bolsonaro pode passar como mais um populista que fez promessas irreais e conquistou o eleitor pelo sentimento, sendo incapaz de entregar resultados concretos. É o medo de muita gente boa. Mas ele pode também aproveitar essa oportunidade e focar no que tem de ser feito, ignorar as cascas de banana que serão lançadas, especialmente pela mídia, e atrair uma equipe de primeira para fazer justamente aquilo que a esquerda, hegemônica desde a redemocratização, nunca conseguiu fazer: produzir bons resultados. Nesse caso, ele entraria para a história como um estadista.

Artigo originalmente publicado pela Gazeta impressa

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