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Bolsonaro vai decepcionar seguidores fanáticos: e isso é bom!
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Já vimos essa história antes. Um político se apresenta como alternativa contra “tudo isso que está aí”, contra os “300 picaretas” do Congresso, atacando a mídia, o establishment, e prometendo ser a voz do povo no embate com as elites corruptas, seduzindo uma multidão de gente revoltada com o sistema podre. Mas à medida que a eleição se aproxima, o pragmatismo começa a falar mais alto.

No caso de Lula, o drama foi o acordo com o PMDB, costurado por José Dirceu, depois de ter colocado um empresário como vice na chapa. Eram concessões ao “mercado” e à “governabilidade”, e até hoje não faltam esquerdistas culpando essa “guinada à direita” (risos) pelo fracasso petista e sua lambança ética.

Mas como ser eleito – e pior: como governar só com o discurso purista da esquerda radical? Quanto de intenções de voto tem um Guilherme Boulos, o Lula do passado, de antes da roupagem “paz e amor” tecida pelo marqueteiro Duda Mendonça, hoje delator? E mesmo que tivesse vencido sem essa adaptação, como faria para aprovar as medidas desejadas, segundo a ótica dos socialistas?

O dilema que se apresenta a todo “revolucionário” é como colocar em prática suas ideias ousadas, que batem de frente com o “sistema”. Como vencer a resistência do eleitor médio, mais moderado? Como abrir mão do PMDB e da máquina se chegar lá, trocando em miúdos? Ou os revolucionários pretendem partir para o uso da força, ou terão de sentar no colo do “mercado” e da classe política que “representa” a população, se não conseguirem comprar esse apoio, como fez o PT com o mensalão.

Bolsonaro, ainda que bem diferente de Lula em vários aspectos importantes, a começar por não defender um estado maior e paternalista de forma demagógica e ser visto como honesto, segue um dilema político parecido. Seu crescimento captura a indignação de milhões de brasileiros, totalmente legítima, com esses bandidos no poder. A mídia enviesada só faz ajuda-lo sempre que bate de forma seletiva nele, poupando companheiros à esquerda. Vários de seus seguidores encaram sua candidatura como um símbolo contra a esquerda toda, a mídia “progressista” e a classe política corrupta. Mas como chegar lá de fato, se isso não é suficiente para uma vitória majoritária? E mais: como fica o dia seguinte?

As redes sociais têm seu papel: não somos mais reféns da grande imprensa. Mas há um limite, e a televisão ainda exerce influência num país com tanta gente desconectada da internet. Fora isso, as mudanças nos “algoritmos” dessas redes sociais fez com que o alcance das páginas de direita despencasse, afetando negativamente a campanha de Bolsonaro. Bate o desespero: o que fazer?

É nesse contexto que surgem as conversas para uma coligação, ainda que seja com o partido de Valdemar Costa Neto, envolvido no mensalão. A crítica dos “puristas” seria inevitável, assim como a cobrança de coerência por parte dos adversários: então vale se associar aos corruptos afinal de contas? Uma sinuca de bico para o capitão, sem dúvida. Sua base militante mais fiel quer ver seu “mito” declarando guerra a todos, sem se importar com “detalhes” bobos: como vencer de fato, e como governar depois? Bolsonaro demonstra, por outro lado, mais realismo:

— Vocês querem que eu fique sem televisão, é isso? Eles têm R$ 1,7 bilhão para me ferrar. Está todo mundo contra mim, o centrão e a esquerda, estou sozinho. É R$ 1,7 bilhão que vai ser usado pela campanha deles pra dar porrada em mim. Eu vou ficar com 8 segundos de televisão e as mídias sociais? No Facebook, até poucos meses, qualquer postagem chegava a 1 milhão, agora para chegar a 100 mil é um sacrifício — afirmou Bolsonaro ao GLOBO.

As mudanças nas redes sociais realmente prejudicaram muita gente, especialmente à direita. Coincidência ou estratégia? Não importa: o fato está colocado sobre a mesa e não há muita escapatória. Para vencer, Bolsonaro terá que fechar acordos com partidos suspeitos, moderar um pouco seu discurso, principalmente de olho nas mulheres, grupo em que tem rejeição ainda maior do que o normal.

E, se vencer, terá de governar. Eis onde surge a necessidade de comprovar a futura governabilidade para acalmar o mercado, para além do selo de qualidade Paulo Guedes. O deputado Onyx Lorenzoni divulgou a informação de que já são mais de cem deputados apoiando Bolsonaro, mas não abriu os nomes da lista:

Mas quem são esses deputados e o que de fato querem com um eventual apoio a Bolsonaro? É só convicção ideológica mesmo? Mas a Câmara não está repleta de oportunistas safados, justamente os que Bolsonaro deve enfrentar? Victor Grinbaum fez uma análise cética e bastante dura, para não dizer demolidora, dessa notícia. Eis um trecho:

Os cento e tantos deputados que atenderam a um chamado do gaúcho Onix Lorenzoni (R$ 100 mil de caixa dois na última eleição) são todos do “baixo clero” da Câmara, e que precisam ser reeleitos este ano. Ora, que melhor e mais barata forma de granjearem votos do que colarem suas imagens ao nome do candidato à presidência que está na frente nas pesquisas?

A primeira coisa que esses caras precisam é da reeleição. A segunda? De uma boa carta na manga para cobrarem do futuro presidente (caso ocorra esta tragédia) Bolsonaro a tal governabilidade tão ansiada.

O preço da governabilidade? Não será um beijinho na testa. E teremos o que teríamos de qualquer forma: um presidente emparedado pelo baixo clero sedento de verbas, incapaz até de receber uma xícara de café do garçom do Planalto.

Segundo Victor, Bolsonaro poderá acabar, em vez de cercado por seus fiéis generais e militantes aguerridos, com “deputados de cabelos tingidos de acaju, pançudos e com bíblias nas mãos”. Ele provoca: “uma revolução e tanto, né?”

Em que pese o viés anti-Bolsonaro do autor, a lógica segue impecável: Bolsonaro terá que governar ou com o “centrão” que faz de tudo agora para aniquila-lo, ou com o “baixo clero” que se vende em troca de migalhas. Acreditar numa alternativa realmente diferente é ingenuidade de jacobino Nutella, que quer tocar sua “revolução” sem pegar em baionetas (e essa alternativa costuma ser ainda pior, diga-se de passagem). Ou Bolsonaro por acaso pretende fechar o Congresso?

Não vejo, porém, um eventual governo Bolsonaro como uma tragédia certa, ao contrário do Victor. Não descarto um governo Bolsonaro mais pragmático, fechando alianças até com o MDB e companhia, mas partindo de uma posição de força com a legitimidade das urnas (ainda mais essas da Smartmatic, bem suspeitas) e apoio popular, e tocando reformas liberais sob o comando de Paulo Guedes. Esse, claro, é o cenário otimista.

Mas se isso acontecer, não resta dúvida de que Bolsonaro terá “traído” seus seguidores mais fanáticos. Os “bolsominions” estão fadados à frustração, pois o que querem é impossível, inexequível. A decepção será diretamente proporcional à ignorância: não querem saber dos “detalhes bobos” de como efetivamente vencer e depois governar uma nação. Querem apenas o símbolo e a sensação proveniente do que tal símbolo representa: um soco no estômago de toda essa elite podre.

Esse soco, confesso, é gostoso de imaginar. Só de pensar na turma da mídia tendo que dar a notícia da vitória de Bolsonaro já nos faz quase aderir à campanha dele como um “bolsominion”. É tentador. Mas é preciso ter os pés nos chão e analisar como seria, de fato, um eventual governo do “mito”. E a política real é a arte do possível, nunca das fantasias dos românticos.

Para Bolsonaro ser eleito e fazer um bom governo, ele terá que engolir alguns sapos, fazer concessões ao pragmatismo e ceder em sua retórica “purificadora”, o que será uma decepção para parte de seus apoiadores atuais, que estão realmente acreditando numa limpeza geral com base no “messias” salvador da Pátria. Se ele não decepcionar essa turma, aí não vence, ou não consegue governar e terminar o mandato se vencer, e vai decepcionar todos aqueles à direita que o enxergam como a alternativa que restou contra a esquerda.

Dá para seguir com Paulo Guedes, com deputados imperfeitos e com reformas possíveis, ou dá para seguir com Alexandre Frota e companhia e seus gritos de guerra contra todos. Com ambos parece impossível. O problema, para Bolsonaro, é que essa militância tem seu papel na campanha, ainda mais com verba reduzida para cabos eleitorais. Mas, ao mesmo tempo em que gera engajamento, afasta os mais moderados de perto e coloca em xeque a crença num futuro governo responsável. Vai ser preciso escolher um lado.

Rodrigo Constantino

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