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Comovidos com a possibilidade de anos de estudos e pesquisas estarem sendo consumidos pelo fogo, um grupo de aproximadamente 40 pessoas, entre professores, funcionários técnicos e administrativos, estudantes e voluntários saíram do conforto de suas casas, assim que soube pelas redes sociais ou pelo noticiário do incêndio que atingia o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, e correu para local. E, como se fossem integrantes de uma verdadeira brigada de heróis, essas pessoas entraram nas instalações ainda em chamas e, em alguns casos, desrespeitando as recomendações dos bombeiros, para tentar salvar o que fosse possível do rico acervo da instituição, que completou 200 anos em junho.

— A gente decidiu selecionar o material de maior valor científico e insubstituível, são exemplares usados na descrição de novas espécies da fauna brasileira e sul americana. Esses exemplares são únicos, são restos de animais que baseiam as publicações científicas. A maioria deles não existe mais, havia espécies ainda não descritas inclusive — contou un dos integrantes do grupo, o biólogo Paulo Buckup, do departamento de paleontologia, que trabalha no museu desde 1996.

Segundo o biólogo foram salvos milhares de exemplares, a maioria moluscos, “mas isso é nada perto dos milhões de objetos que existiam aí dentro”, disse o pesquisador, nesta segunda-feira, na porta do museu.

— O que salvamos vai permitir que a pesquisa de alguns colegas continue. Perdemos grandes exemplares de peixes que não existem mais na costa brasileira. Felizmente o material da minha pesquisa e de outros colegas ficava em outro prédio fora daqui.

Ao ler essa notícia, pensei no meu texto sobre o filme “Caçadores de Obras-Primas”, com George Clooney. Enquanto alguns fazem de tudo para destruir nossa memória coletiva, nosso legado civilizacional, nossa cultura, outros se arriscam para preservar aqueles objetos que nos unem, que representam o mais belo conceito conservador, traduzido por Burke como uma espécie de “pacto geracional”, que liga aqueles que já viveram àqueles que vivem e aos que ainda nem nasceram, e vão herdar todo esse estoque de conhecimento. Na ocasião, escrevi:

O filme é muito bom. E a mensagem é muito bonita. Mais do que bonita: importante, fundamental. Em meio à guerra com nazistas, os bárbaros, Roosevelt aprova uma expedição de especialistas em arte para tentar preservar o legado da civilização ocidental. Os improváveis soldados partem para o campo de batalha para proteger aquilo que possui valor universal e atemporal em meio aos escombros e bombas. O filme é baseado em fatos reais.

Há um claro dilema em jogo: os sargentos não querem perder uma única vida de um jovem soldado para preservar uma igreja velha qualquer, uma escultura feita séculos atrás. Mas aqueles homens da arte sabem que é esse legado que muitas vezes justifica uma luta até a morte. Como disse Martin Luther King Jr., “Se você não descobre uma causa pela qual valha a pena morrer, é porque você não está pronto para viver”.

Aqueles bravos soldados da civilização estavam dispostos a morrer pela história ocidental, pelo que transcende o mero aqui e agora, pelas obras de arte eternizadas pelas mãos de gênios clássicos como Michelangelo, Vermeer e tantos outros. Vale a pena arriscar a vida para salvar A Madona de Bruges? A resposta vem do próprio líder da expedição, personagem de George Clooney: sim!

O Museu Nacional foi possível porque nossa família real se preocupava com esse estoque de cultura, queria preservar e transmitir aquele legado, que foi recebendo adições ao longo do tempo. Infelizmente, para cada “soldado da civilização” temos vários inimigos, diretos ou indiretos, que simplesmente cospem ou ignoram essa memória coletiva. Os bárbaros não podem vencer. Eis como concluí meu texto, lembrando que muitos desses bárbaros não são tão evidentes quanto radicais islâmicos quebrando estátuas ou nazistas queimando livros:

O problema é que a ameaça nem sempre vem de fora dos portões; muitas vezes os bárbaros estão dentro deles, na própria civilização mais avançada que pretendem destruir. São os niilistas, e suas armas nem sempre precisam ser violentas, ao menos não do ponto de vista de agressão física.

Basta pensar em boa parte da arte contemporânea e pós-moderna que mais parece uma artilharia pesada contra tudo aquilo que tem verdadeiro valor artístico para a civilização. Alguém consegue imaginar soldados arriscando suas vidas para salvar latas de fezes, tijolos empilhados, rabiscos sem sentido ou bichos em formol? Parece pouco provável. Bem mais realista, como de fato aconteceu, seria alguém jogar fora tais “obras de arte” como se lixo fossem.

Se tudo é arte, então nada é arte. E ao chamar qualquer porcaria de arte, os próprios ocidentais conseguiram aquilo que os nazistas não tiveram sucesso: destruir o legado artístico clássico da civilização. Ao tentar equiparar Michelangelo e Damien Hirst, ao igualar Sandro Botticelli e Roy Lichtenstein, essa gente acabou cuspindo naquilo que era atemporal, pois tentava justamente exprimir o eterno, a beleza, o transcendental, contra tudo que é efêmero, passageiro, temporário.

Precisamos de mais soldados da civilização, como aqueles retratados no filme de George Clooney. Não precisam, desta vez, pegar em armas e matar bárbaros. Basta terem a coragem de lutar no campo das ideias contra todos aqueles relativistas que tentam destruir o legado de nossa civilização.

De um lado, temos os que querem defender e valorizar objetos raros e caros à ciência, como o crânio de Luzia, e as verdadeiras obras de arte. Do outro, temos os que vivem só para o “aqui e agora”, e traem tudo que é eterno e transcendental pelo efêmero e profano. Deixo aqui meu registro da gratidão aos que pertencem ao primeiro grupo e lutaram para salvar parte do acervo, mantendo assim uma chama acesa em homenagem à ciência e à arte.

Rodrigo Constantino

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