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Carta de João Roberto Marinho a jornalistas do GLOBO ataca sintomas, não causas da imagem do viés ideológico do grupo
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O jornal O GLOBO divulgou hoje uma carta do seu presidente João Roberto Marinho aos jornalistas da empresa, assim como as diretrizes do grupo que já tinham sido publicadas antes. Abrindo com um “companheiras e companheiros”, a carta tenta lembrar dos princípios de isenção do jornalismo, e que o próprio jornal adota como meta importante. Ele cita exemplos internacionais, como o NYT e a BBC, e reforça a ideia de que o jornalismo traz bônus mas também ônus:

Nós, jornalistas, como todos os cidadãos, podemos fazer parte delas seja do ponto de vista pessoal ou profissional. Podemos compartilhar impressões, sentimentos, fatos do nosso dia a dia, assim como utilizá-las para fazer fontes, garimpar notícias, descobrir tendências. Não é novidade para nenhum de nós, no entanto, que o jornalismo traz bônus e ônus.

O bônus é o prazer de exercer uma atividade fascinante cujo objetivo último é informar o público, para que possa escolher melhor como quer viver, como fazer livremente escolhas, uma atividade que nós, sem modéstia, consideramos absolutamente nobre. O ônus é justamente aquele que nos impomos para poder fazer um bom jornalismo: em resumo, tentar ao máximo nos despir de tudo aquilo que possa pôr em dúvida a nossa isenção.

[…]

As redes sociais nos impõem também algumas restrições. Diferentemente das outras pessoas, sabemos que não podemos atuar nelas desconsiderando o fato de que somos jornalistas e de que precisamos agir de tal modo que nossa isenção não seja questionada. Já no lançamento dos Princípios Editoriais, previmos isso quando estabelecemos o seguinte: “A participação de jornalistas do Grupo Globo em plataformas da internet como blogs pessoais, redes sociais e sites colaborativos deve levar em conta três pressupostos: (…) 3- os jornalistas são em grande medida responsáveis pela imagem dos veículos para os quais trabalham e devem levar isso em conta em suas atividades públicas, evitando tudo aquilo que possa comprometer a percepção de que exercem a profissão com isenção e correção.”

[…]

Essas recomendações sobre como devemos nos comportar nas redes não têm nada de idiossincrático ou exclusivo. Na verdade, estão rigorosamente em linha com o que praticam os mais prestigiados veículos jornalísticos do mundo, como “The New York Times” e BBC, para citar apenas dois de dezenas de exemplos.

Antes de comentar, gostaria de dizer ao meu leitor que já estive com João algumas vezes, uma delas por algumas horas num almoço na sede do jornal, somente nós dois. Tenho as melhores impressões dele como pessoa, e acredito em sua honesta busca pelo que acredita ser o bom jornalismo. Também sou grato pelo espaço que seu jornal me concedeu por seis anos, o que certamente me ajudou a ter o destaque que tenho hoje.

Dito isso, vamos ao problema que vejo em sua mensagem: ela expõe mais os sintomas do que as causas da percepção desse viés ideológico que ele condena. Não é por acaso que, a despeito das diretrizes já publicadas, o presidente do Conselho Editorial do grupo se viu na necessidade de publicar nova carta, reforçando o apelo aos seus jornalistas. É que muitos deles têm usado as redes sociais para dar opiniões pessoais, e isso desnudou o manto de isenção, expondo o escancarado viés “progressista”.

Não há mal, a princípio, em ter um viés de esquerda. O problema começa quando se tenta ocultar isso. Eu uso minhas redes sociais, e mesmo meu espaço na imprensa, para divulgar minhas opiniões, e todos sabem que sou um liberal com viés conservador. Não sou isento, portanto. Tenho uma visão de mundo, como todos. O jornalista, porém, deve tentar deixar a sua de lado na hora de fazer uma reportagem, cobrir alguma notícia. Mais fácil falar do que fazer, porém.

Repito: acredito na sinceridade de João ao desejar essa imparcialidade, e acho que ele realmente não se dá conta de que existe um claro viés esquerdista na linha editorial e nas reportagens. O Brasil viveu por muitas décadas sob a hegemonia da esquerda na cultura e na mídia, uma esquerda radical, que chamava o PSDB de “direita”. Os responsáveis pelo jornal, portanto, adotam uma postura bastante tucana, com viés social-democrata “progressista”, e pensam que isso significa “neutralidade” de fato. Foram justamente as redes sociais que mostraram que não é bem assim.

O melhor exemplo está nos dois casos citados por João na carta: NYT e BBC, ou seja, dois veículos de comunicação claramente à esquerda no espectro ideológico. O NYT não é imparcial nem aqui, nem na China. Mas reconheço que, para muitos da “velha guarda”, ele assim seja percebido. Foram décadas batendo na tecla de que se trata de um jornalzão sério e sem qualquer inclinação ideológica ou partidária, crença ingênua que foi definitivamente enterrada na campanha eleitoral que levou Trump ao poder.

A cultura brasileira tem muito de esteta, ou seja, dá um baita valor ao que aparenta, não necessariamente ao que é. Na carta de João, fica clara a preocupação em não parecer enviesado, daí a importância de o jornalista não expor suas opiniões nas redes sociais. Mas isso é o sintoma, como disse, não a causa. As redes sociais serviram apenas para tornar mais transparente um viés que existe de fato, e ficou visível nos comentários desses jornalistas. Já era, para bom observador, perceptível nas chamadas, na forma de dar a notícia, nos olhares ou expressões. Mas a certeza absoluta veio só com a exposição deles nas redes sociais.

Quando uma Leilane Neubarth comemora a legislação pró-aborto na Argentina, por exemplo, não dá mais para fingir que ela busca isenção ao falar sobre o tema. Quando Guga Chacra detona Trump com rótulos depreciativos, fica evidente que faz torcida, não análise. E os exemplos se multiplicam por dezenas, quiçá centenas. Quase todos demonstram inclinação à esquerda e são incapazes de esconder esse viés.

O pai de João, o saudoso Roberto Marinho, costumava dizer aos militares que “dos meus comunistas cuido eu”. Ou seja, ele estava ciente da quantidade de comunistas em sua organização, mas mantinha uma mão firme para que a coisa não saísse de controle. Desde então, lamento dizer, a guinada do jornal à esquerda foi espantosa, a ponto de muitos o confundirem atualmente com um jornal do PSOL. Penso que os tais comunistas saíram do controle e assumiram o poder de fato, criando inclusive feudos de nepotismo lá dentro.

Chegamos então a essa perda de credibilidade, graças às redes sociais, e por isso a reação de João Roberto Marinho com essa carta pública. Ele está preocupado, com toda razão, com a imagem do grupo, com o princípio básico do jornalismo, que é buscar a imparcialidade. Mas, se posso dar um palpite com a melhor das intenções, o empresário e jornalista erra o alvo, pois está culpando o termômetro pela febre.

Enquanto os editoriais e reportagens pregarem, sem muito esforço de ocultar sua preferência, causas como o aborto, a legalização das drogas, o desarmamento, a ideologia de gênero etc, o veículo será considerado de esquerda e “progressista” por aqueles que, agora, possuem as redes sociais para compreender melhor as divergências ideológicas entre esquerda e direita.

Enquanto documentários enaltecerem Cuba ou Che Guevara, será impossível bancar o imparcial. Enquanto William Waack, um dos melhores jornalistas do país, for demitido por uma piada boba que vazou de forma suspeita, mas Chico Pinheiro permanecer mesmo com áudio elogiando Lula, não será viável posar de isento. Enquanto um brilhante Guilherme Fiuza for demitido enquanto um ultra-esquerdista como Bernardo Mello Franco for contratado, como se dizer imparcial? Nem é preciso os jornalistas tornarem público seu próprio viés nas redes sociais. O leitor não é cego.

Portanto, creio que faria mais sentido, se o objetivo é resgatar a percepção de jornal isento, o grupo realmente contratar mais jornalistas liberais e conservadores, e reduzir a enorme superioridade numérica atual dos esquerdistas. Foi o que fez, por exemplo, esta Gazeta do Povo, que ainda tem jornalistas e colunistas de esquerda, mas deu um espaço enorme aos liberais e conservadores, valorizando nas ações – não só nas palavras – a desejada pluralidade de um jornal.

Se isso estiver fora do alcance ou do desejo do comando do GLOBO, que assuma de vez ter um viés “progressista”, o que não é pecado algum, mas sim um direito de qualquer jornal de propriedade privada. Garanto que terá mais respeito daquele leitor inteligente que sabe desse viés, mesmo sem os jornalistas emitirem suas opiniões pessoais nas redes sociais. Ou alguém acha mesmo que a “canonização” da vereadora socialista Marielle Franco, do PSOL, combina com uma postura de busca pela isenção?

Rodrigo Constantino

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