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Chegaremos ao ponto em que a vida dos gorilas valerá mais do que as humanas?
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Alvo de críticas de ativistas, o zoológico de Cincinnati, nos Estados Unidos, defendeu nesta segunda-feira a decisão de matar a tiros um gorila para garantir a segurança de um menino de 4 anos que havia caído em sua jaula.

“A vida daquela criança estava em perigo, e as pessoas que questionam isso não entendem que você não pode assumir os riscos com um gorila adulto”, disse o diretor do Cincinnati Zoo & Botanical Gardens, Thane Maynard, em uma entrevista coletiva nesta segunda.

O caso aconteceu no último sábado. O menino passou por uma barreira e caiu de uma altura de cerca de quatro metros dentro do poço que cerca o habitat, onde Harambe, um gorila macho de 181 quilos, o agarrou. A criança ficou por cerca de 10 minutos na jaula, sendo arrastada e puxada pelo animal, até os tratadores tomarem a decisão de atirar.

Maynard lamentou a morte de Harambe, que era de uma espécie ameaçada – a dos gorilas das planícies ocidentais -, mas reiterou o apoio à ação. “Olhando para trás, tomaríamos a mesma decisão. O gorila estava claramente agitado.”

O diretor do zoológico acrescentou que o gorila era cerca de seis vezes mais forte que um homem e que usar dardos tranquilizantes não era uma opção. Segundo Maynard, os dardos deixariam Harambe ainda mais agitado e colocariam em risco a criança.

O mundo moderno das redes sociais parece ser o mundo da histeria, do modismo, da escolha de temas sensíveis que se tornam a obsessão daquele momento, apenas para ser esquecido depois, dando lugar a alguma outra histeria. O caso desse gorila nos EUA foi desse tipo. Mais de 200 mil assinaturas em petições contra o zoológico, como se ele realmente tivesse uma alternativa, como se a vida do gorila valesse mais do que a da criança que caiu em sua jaula e obviamente corria sérios riscos de vida.

Ou alguém acha que gorilas são bonzinhos, confundindo com filmes da Disney? Antes de mais nada, vale notar que eu adoro animais, e não fiquei feliz com a morte do primata. Trata-se, afinal, de um dos animais mais parecidos com o homem. E esse parece ser um critério de empatia claro: à medida que o bicho é mais antropomorfizado – uma mania que nós temos, vide os tais filmes da Disney – mais nos identificamos com ele. Mas eu poderia jurar que ainda nos identificamos mais com a criança que corria perigo. Será que errei?

Acabei de ler um livro cuja resenha pretendo escrever em breve. Chama-se Less than Human, de David Livingstone Smith. Um tratado sobre o genocídio, mergulhando nessa prática milenar dos seres humanos de escravizar e exterminar outros da própria espécie, desde tempos imemoriais. O que adianto aqui é justamente a ligação disso com a mania de encarar o “outro” como sub-humano, como abaixo da hierarquia da nossa espécie.

E claro que há comparações com os outros animais. Os gorilas, por exemplo. Não fazem crueldade, pois para estar presente o conceito de crueldade é preciso a consciência moral do ato, algo que só nós, humanos, possuímos. Mas são bichos violentos, que invadem grupos rivais, espancam até a morte os jovens, escravizam as fêmeas. Gorilas não são bichos de estimação ou pelúcia, fofinhos. São agressores natos, guerreiros acostumados a dominar, matar.

Ninguém pode comemorar a morte deste gorila, e todos têm o direito de reclamar da negligência dos pais da criança que caiu em sua jaula. Mas acidentes acontecem, e uma vez que o garoto estava lá, não havia muito mais o que fazer. E se fosse o seu filho? Quando deixamos de ter empatia para nos colocar no lugar não de outra espécie, mas da nossa mesma? Quando a vida humana deixou de ser sagrada, para que os movimentos de defesa dos animais passassem a priorizar suas vidas em vez das nossas?

O mundo anda estranho. Abortar fetos humanos é cada vez tido como a coisa mais banal do planeta, como cortar uma unha ou o cabelo, já que o corpo é da mulher e dane-se a vida humana que nele se desenvolve. Mostrar animais que comemos mortos é um absurdo, pois a geração “mertholate que não arde” jura que o frango já nasce fatiado numa embalagem no supermercado. Matar um gorila que colocava a vida de uma criança em risco é um ultraje inaceitável. Mas a vida humana mesmo, essa parece valer cada vez menos.

Estou convencido de que precisamos resgatar certos valores. O tiro da hiper-sensibilidade saiu pela culatra. Estamos com focos esquisitos, com prioridades estranhas. Chegaremos mesmo ao ponto em que a vida dos demais animais valerá mais do que a nossa? Ou pior: já estamos nesse patamar bizarro?

Rodrigo Constantino

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