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Conversação plural sobre a tradição da liberdade. Ou: Cavalheiros e seus deveres
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Como muitos já sabem, estou em Estoril para um grande evento de debates, cujo tema este ano será a Carta Magna, que completou 800 anos de vida. Em artigo publicado hoje no Público, o professor João Carlos Espada, organizador do fórum, explica em maiores detalhes do que se trata e quais serão os principais palestrantes em 2015. É uma lista extensa, com gente muito boa. Fico honrado de ter uma brecha num evento deste porte para lançar o meu Esquerda Caviar, e os leitores poderão acompanhar, ao longo do dia, minhas impressões acerca das palestras. Segue um trecho do artigo do professor Espada:

Começa esta tarde, no Hotel Palácio do Estoril, a 23.ª edição do Estoril Political Forum, um encontro anual de estudos políticos cuja primeira versão teve lugar no Convento da Arrábida, em 1993. Nessa época, terão estado presentes talvez vinte participantes. No ano passado, estiveram ao longo dos três dias do encontro mais de 600 pessoas.

Tem sido um vasto percurso de crescimento gradual, não centralmente comandado, mas resultando da interacção livre e descentralizada de instituições e pessoas livres — nacionais e internacionais. Essa interacção livre na verdade reúne pessoas com diferentes inclinações políticas: conservadores, democratas-cristãos, liberais, social-democratas e socialistas democráticos.

[…]

Neste domínio europeu, três entre os mais de cem oradores ilustram particularmente o pluralismo do evento: José Manuel Durão Barroso, ex-presidente da Comissão Europeia e actual director do Centro de Estudos Europeus do IEP-UCP; Francisco Assis, líder dos euro-deputados socialistas; e Charles Moore, biógrafo autorizado de Margaret Thatcher e ex-director doTelegraph e da Spectator, de Londres.

Este ano, o tema central do encontro são os 800 anos da Magna Carta de 1215. Mas três outras datas serão assinaladas: os 200 anos da batalha de Waterloo (18 de Junho de 1815); os 70 anos da vitória sobre o totalitarismo nazi (8 de Maio de 1945); e os 50 anos da morte de Winston Churchill (24 de Janeiro de 1965).

[…]

Referindo-se em latim ao princípio cristão subjacente à Magna Carta, Winston Churchill escreveu: “Rex non debet esse sub homine, sed sub Deo et lege — o rei não deve estar abaixo dos homens, mas abaixo de Deus e da lei.”

É precisamente este princípio cristão da liberdade sob a lei que inspira o prémio Fé e Liberdade — que este ano será atribuído ao Pe. Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social. Em anos anteriores, o prémio foi atribuído a Alexandre Soares dos Santos, Mário Pinto, Monsenhor João Evangelista e Maria Barroso, bem como ao Arcebispo da Beira, Moçambique, D. Jaime Pereira Gonçalves.

Desde 1993, no Convento da Arrábida, que as vozes plurais reunidas nestes encontros são convidadas a exprimir sem receio as suas divergências, sob a única regra geral da gentlemanship. Karl Popper deu em tempos uma boa definição: “um gentleman não se toma demasiado a sério, mas está disposto a levar muito a sério os seus deveres, especialmente quando muitos à sua volta falam apenas dos seus direitos.”

Não conheço muitos “socialistas democráticos”, mas essa talvez já seja uma concessão educada e nobre do cavalheiro Espada. Fato é que se trata de evento realmente plural, ao contrário do que costumamos ver nos fórums de esquerda, onde há apenas 50 tons de vermelho, variações do mesmo fundo ideológico, sem espaço algum para o contraditório. Liberais e conservadores não são assim, pois está enraizada na doutrina liberal o respeito à pluralidade, com base na própria premissa de humildade epistemológica, de conhecimento limitado dos homens. O filósofo Popper, supracitado, é prova disso.

Julgo oportuna a menção do código dos gentlemen, pois o mundo poderia usar mais cavalheirismo nos tempos modernos. Na “era dos direitos”, é fundamental a existência daqueles que preferem voltar sua atenção aos seus deveres, e o fazem de forma discreta, sem alarde, sem holofotes, apenas com um profundo senso de dever, algo um tanto fora de moda. Mas, afinal, cavalheiros conservadores nunca foram muito afeitos aos modismos, não é mesmo?

No meu livro agora disponível em edição portuguesa, falo um pouco dessa postura cavalheiresca, citando como exemplo dois naufrágios ocorridos com alguma distância no tempo, mas que retratam épocas distintas:

Murray resgata um resumo do código de conduta adotado por todo gentleman do passado. Ser homem significava, basicamente, ser corajoso, leal e verdadeiro, aceitar as punições por seus erros, não tirar proveito das mulheres, ser um marido protetor, gracioso na vitória e de espírito esportivo na derrota, ter a palavra como garantia contratual, dedicar-se  mais ao modo como o jogo é jogado do que à derrota ou à vitória, e, se diante de um navio que afunda, colocar mulheres e crianças em segurança antes de se despedir com um sorriso no rosto.

O leitor mais jovem deve estar rindo, incrédulo. Mas isso já foi uma espécie de guia para muita gente. Quando o Titanic afundou, em 1912, a maioria dos sobreviventes era, de fato, composta por mulheres e crianças. Já por ocasião do naufrágio do MS Estônia, em 1994, com quase mil mortos, o grosso dos sobreviventes era de homens jovens. Há relatos de que se tratou de um verdadeiro “salve-se quem puder”. Uma mulher com a perna quebrada implorava por ajuda, e nada.

Será que não se fazem mais homens como antigamente? Estamos vendo a extinção do gentleman? Vale a pena ser um cavalheiro diante de mulheres que se orgulham da “marcha das vadias”? Tem certeza de que o mundo hoje, nesse aspecto, evoluiu? As feministas devem estar felizes com tais mudanças, ao menos aquelas que não foram deixadas para morrer…

Bem, é isso. Estou com grandes expectativas para o evento, e com a devida humildade de quem tem muito a aprender, espero absorver o máximo de informação nova possível. Liberais e conservadores, ao contrário dos jovens socialistas, não sabem “tudo”…

Rodrigo Constantino

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