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Dava para dialogar com Hitler? Dava para fazer acordo com Lênin?
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A violência é sempre a última ratio. Ninguém pode achar que se trata de um caminho desejável quando algum outro ainda se mostra possível ou viável. É, portanto, um recurso quando todos os demais se esgotaram. Onde a diplomacia não tem mais vez, aí entra a reação violenta. Mas precisamos ser honestos: há casos em que essa é justamente a realidade que se impõe.

A Carta ao Leitor da VEJA desta semana fala exatamente disso. Começa com o alerta do papa João Paulo II, “A violência destrói o que pretende construir”. Mas reconhece que, no campo da ética e da política, “a violência é aceita e até incentivada em situações-limite”. Exemplo? “A mais clássica dessas situações é aquele em que os povos lutam por sua liberdade”.

Claro, há sempre o risco de se flexibilizar tal conceito. Afinal, todos os anarquistas e revolucionários acreditam que lutam pela “liberdade”. Vale destacar o brado de lamento da Madame Roland, durante a Revolução Francesa: “Ó, liberdade! Quantos crimes cometidos em seu nome”.

Feita a ressalva, parece-me evidente que certas ocasiões que se apresentam não deixam alternativas. Segundo ainda o editorial da VEJA, e eu concordo, os casos da Ucrânia e da Venezuela, por exemplo. Regimes falidos, ditatoriais, que ignoram os direitos humanos e as vias democráticas. Nesses casos os opositores podem ser vistos como rebeldes com causa, libertadores.

“Que contraste gigantesco com os rebeldes sem causa que infernizam as ruas brasileiras, os black blocs”, diz a revista. “Esses vândalos se insurgem contra uma democracia, em um período de relativa abundância, em que acha emprego quase todo aquele que quer trabalhar”, acrescenta.

Ninguém pode negar que há, sim, vários motivos para insatisfação, crítica e até revolta. Eu mesmo seria o primeiro a endossar isso, uma vez que sou ferrenho crítico do governo do PT desde o começo. Mas o importante é que ainda temos as vias democráticas e pacíficas para protestar, ao contrário dos vizinhos venezuelanos.

Curiosamente, boa parte de nossa esquerda aplaude os vândalos dos black blocs, mas nada fala sobre os civis desarmados e sem máscaras que enfrentam um regime nefasto na Venezuela, com milicianos em motocicletas que atiram a esmo na população ordeira. Escolhem os heróis errados, como sempre.

Os mais “moderados” preferem adotar um tom neutro, o que muitas vezes será injusto com um dos lados. Foi o caso de José Miguel Insulza, diretor da OEA, em artigo publicado hoje no GLOBO. Defende que o diálogo é o único caminho, e que defender qualquer lado é jogar lenha na fogueira.

Ao culpar ambos os lados pelo “radicalismo”, Insulza insulta o lado que está com a razão, que luta por liberdade e por democracia, itens escassos ou já inexistentes na Venezuela bolivariana. O autor desqualifica a acusação legítima da oposição, de que Maduro luta para instaurar uma ditadura comunista no país. Mas como negar?

Ao colocar em pé de igualdade chavistas e oposição, ao se manter neutro entre o governo que acusa civis de “fascistas” e os manifestantes que acusam o governo de comunista, Insulza comete uma injustiça com os manifestantes. Nem sempre o lado do meio será o mais justo. Ele conclui:

Que ninguém espere que a OEA emita sentenças, aprofunde a divisão ou se oponha a protestos legítimos. Pode-se esperar de nós a defesa incondicional dos direitos humanos, da liberdade de expressão, da institucionalidade e do Estado de direito. Mas não que qualifiquemos o governo de “ditadura”, tampouco a oposição de “fascista”, pois essa é uma linguagem de ódio inútil.

Sobretudo, podem esperar de nós um apelo persistente, obstinado, à reconciliação, ao diálogo e ao acordo, o único caminho possível hoje para a Venezuela. A palavra “vitória” soa mais heroica que “acordo”. Mas o acordo é hoje o único caminho possível.

A retórica é bonita, não posso negar. Mas esconde uma mensagem condenável. Ora, se a OEA pretende defender, de forma incondicional, os direitos humanos, a liberdade de expressão e o Estado de direito, então precisa tomar partido sim, opor-se ao governo de Maduro, que ignora tudo isso.

Reconciliação por meio de diálogo nem sempre é possível. Acordo com ditadores pode ser o caminho mais certo para a desgraça, como Chamberlain pode atestar, quando julgou ser possível dialogar com Hitler. É verdade que às vezes dá para evitar o pior com acordos. Mas tantas outras isso serve apenas para manter o povo subjugado.

Como disse Churchill, mais aguçado e realista que Chamberlain: “Entre a desonra e a guerra, eles escolheram a desonra, e terão a guerra”. Quando a opção não existe, a escolha está tomada. Os ucranianos, que lutam desesperadamente por liberdade, após décadas de opressão comunista (direta ou indireta), não aceitam o acordo fechado entre líderes da oposição e o presidente Yanukovich, marionete de Putin.

A população não parece disposta a engolir um acordo “meia boca” para dar apenas mais tempo aos autoritários ligados ao Kremlin. O que me remete às questões levantadas no título do artigo: dava para dialogar com Hitler? Dava para fazer acordo com Lênin? Era possível negociar com Fidel Castro?

Quem realmente acredita que dá para salvar a Venezuela do trágico destino cubano mantendo Maduro no poder? O “presidente” já deu claros sinais de que está disposto a tudo para se manter no poder, inclusive importar agentes cubanos para ajudá-lo no processo. Tortura a estudantes, massacre de civis, milicianos cubanos: Maduro não vê limites para suas ambições de poder. Os pacifistas pretendem dissuadi-lo de suas pretensões totalitárias em uma conversa no chá das cinco?

Parece um tanto ingênuo, não é mesmo? Foi George Orwell quem resumiu de forma mais brilhante a incoerência dos “pacifistas”. Disse: “A maneira mais rápida de acabar uma guerra é perdê-la”. Reconhecer quando há uma guerra inevitável e legítima talvez seja o primeiro passo para não ser derrotado pelo inimigo.

Com isso em mente, desejo o melhor para todos os venezuelanos que anseiam por liberdade, algo incompatível com a manutenção de comunistas no poder. Não vou adotar a covarde postura de neutralidade. Há um lado errado na Venezuela que deve ser condenado veementemente. Este lado é o governo.

Rodrigo Constantino

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