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Debate em busca da verdade ou retórica em busca da vitória?
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Terminei de ler 12 Rules for Life, do psicólogo clínico canadense Jordan Peterson. Que livro! O título pode parecer meio autoajuda, mas é leitura profunda, embasada, filosófica, de um profundo conhecedor da mente humana – e de suas fraquezas. Ainda pretendo escrever resenhas (no plural) com base no livro, mas aqui vou focar apenas em um aspecto específico: no debate construtivo.

Na era das redes sociais, da polarização e dos xingamentos, vale parar um pouco para refletir sobre o que deveria ser um debate decente, civilizado, construtivo. Uma conversa, um diálogo, enfim, em vez de um monólogo narcísico. Adianto no título a principal diferença que separa isso de um embate retórico: um quer a busca sincera da verdade, enquanto o outro quer apenas “vencer” o oponente. Um é filósofo, o outro é promotor.

Peterson coloca como uma de suas regras, portanto, assumir que o outro sempre tem alguma coisa a lhe oferecer que você desconhece. Essa humildade é a base da epistemologia, ao menos para aqueles que se provaram mais sábios. Epíteto já dizia: aquele que acha que sabe tudo, nada aprende. Se nos disciplinarmos a participar de mais debates e menos confrontos ideológicos, poderemos aprender um bocado, nos aproximar da verdade.

O ponto de partida já se dá dentro de nossa mente. Um pensamento verdadeiro é algo raro, pois exige um diálogo sincero entre nós mesmos. É tão raro quanto escutar de verdade. Pensar, afinal, é escutar a você mesmo. E é algo mais difícil do que parece. É preciso que uma das vozes possa discordar da outra, manter um diálogo interno entre duas visões distintas de mundo. Mas somos muito apegados a uma dessas visões, que Peterson chama de nosso “avatar” em um mundo simulado.

Atenção: o que se recomenda aqui não é a postura do “isentão”, de alguém sem convicções, muito menos de um relativista pós-moderno. O livro de Peterson vai todo contra essa mentalidade. Mas para se formar convicções reais, embasadas, é preciso antes ter esse diálogo consigo mesmo, e com outros, é preciso mergulhar na arte do pensar, um exercício cansativo e constante, e sempre preservar a possibilidade de que se possa estar errado.

A influência aqui é de Carl Rogers: colocar-se no lugar do outro é uma tarefa mais complicada do que pode parecer. Se você tenta realmente compreender a outra pessoa, você pode entrar em seu mundo particular, ver como a vida se parece sob seu ponto de vista, e correr o risco de mudar o seu próprio ser. Esse contato pode influenciar suas atitudes e sua personalidade, e esse risco é um dos mais assustadores para nós, pois nos apegamos às nossas crenças para dar alguma ordem em meio ao caos da existência.

Quando alguém se opõe a você, portanto, é muito tentador simplificar seu ponto de vista, fazer alguma paródia, distorcer sua posição, bater num espantalho criado para não ter que efetivamente escutar o que está sendo dito. Trata-se de um jogo improdutivo, porém, designado a tanto machucar o dissidente como a elevar de forma injusta o seu próprio status pessoal.

Ao contrário, se você precisa, antes de rebater ou “refutar” o que o outro disse, resumir seu ponto de vista, mostrar que você realmente escutou, entendeu e absorveu o que o outro apresentou, até o ponto em que ele mesmo se mostre satisfeito com o seu resumo, então você terá que expor seu argumento de forma clara e precisa, talvez até mais do que seu interlocutor.

E isso poderá ser um feito e tanto. Para agir dessa forma, você terá que processar o que foi dito, escutar sem julgamento prematuro, desarmar-se. Quando você se coloca desse jeito, normalmente o outro se sente mais à vontade para falar de forma livre, sincera, aquilo que ele de fato pensa, sem tanto engano ou dissimulação. Aí sim, será possível travar um debate, ter um diálogo em que ambos se esforçam para aprender e se aproximar da verdade, em vez de humilhar um ao outro.

Isso em nada se compara ao típico “debate” político, especialmente nas redes sociais, em que um participante tenta a todo custo obter vitória para seu ponto de vista. Sejamos sinceros: quantas vezes não agimos assim?! Faço mea culpa e admito: várias vezes me peguei forçando a barra, ignorando detalhes essenciais do que o outro disse, quase distorcendo sua fala só para “vencer” o debate e ficar bem na foto. É bem mais fácil “debater” com um espantalho, com uma caricatura que criamos, do que com o indivíduo de carne e osso à sua frente.

Nessas conversas, predomina o esquema de domínio hierárquico, em que um tenta subir diminuindo o outro. A coisa quase sempre escorrega para o ideológico, e o falante tenta denigrir ou ridicularizar o ponto de vista de qualquer um que tenha uma posição contrária à sua, usando evidência seletiva e tentando impressionar terceiros, muitas vezes aqueles que já concordam com suas opiniões. É o famoso “jogar para a plateia”, ou “pregar para convertidos”. A meta é ganhar apoio numérico para uma visão de mundo simplista.

A pessoa que age assim acredita que “vencer” o debate torna seu ponto de vista certo, e ao fazer isso ele valida sua premissa de uma hierarquia de domínio com a qual se identifica. Quase todas as discussões envolvendo política e economia se desenrolam dessa maneira, com cada participante tentando justificar um ponto de vista fixo, a priori, em vez de tentar aprender algo novo ou a realmente refletir e, se for o caso, adotar uma nova posição.

É por esse motivo, diz Peterson, que conservadores e “progressistas” costumam acreditar que suas posições são autoevidentes, particularmente à medida que se tornam mais extremistas. Isso não é, repito, um apelo ao eterno “em cima do muro”, aquele tipo que não é “nem de esquerda, nem de direita”, ou que acha que todas as posições são equivalentes. Não são! Quem defende o comunismo, por exemplo, defende algo errado, ponto.

Mas até para chegar a essa conclusão de forma embasada, sincera, é preciso debater disposto a conhecer o ponto de vista do outro. Quem formou convicções sólidas, após muita reflexão e debate, não deve temer esse diálogo aberto. São normalmente os mais inseguros em suas crenças que precisam substituir o debate construtivo pela troca de ofensas, pelos rótulos depreciativos, pelos ataques a um espantalho.

Procure debater mais, em vez de entrar na conversa como se fosse um ringue de boxe ou um octógono do UFC, em que o único objetivo é derrotar o oponente de qualquer jeito. Essa regra tornará sua vida melhor, mais rica em conhecimento, e também fará você ser uma pessoa mais civilizada.

PS: Não deixa de ser irônico, e comprovar o ponto do autor, o fato de que alguém que defende essa postura seja justamente ridicularizado pelos “progressistas” radicais, tachado de “fascista” só por ter uma inclinação maior ao conservadorismo. A turba que detona Jordan Peterson nunca leu nada dele, tampouco parou para realmente escuta-lo. É mais fácil rebater um espantalho que criaram em suas mentes…

Rodrigo Constantino

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