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Democracia é como reunião de condomínio: chata, mas necessária
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Ao comentar a possível ausência de Bolsonaro nos próximos debates, um leitor rebateu: “Esses debates na TV são piores que reunião de condomínio. Não tem como assistir. Réplica, tréplica, 40 segundos pra responder, baixaria, xingamentos, ninguém mais suporta isso. Isso deu certo nos anos 90. Faz uma live no mesmo horário da TV, apresenta o plano de governo e debate com as pessoas”.

Entendo o desabafo: os debates são chatos mesmo! Mais parecem concursos de populismo, retórica e demagogia. Mas eis o ponto: reunião de condomínio, por mais chata que seja, é parte necessária da governança local. Sei disso pois fui do Conselho Deliberativo do meu condomínio em sua fase inicial de instalação.

Era um tormento aturar aquelas reuniões! Tem de tudo naquele microcosmos. Gente sem noção, barraqueiros, mesquinhos, oportunistas. Tem também uma maioria séria e silenciosa. Poucos têm saco de participar, então acaba virando circo e sendo dominado pelos barulhentos, pela minoria organizada. E eis o perigo!

Se o indivíduo não participar da reunião do seu condomínio, onde seu voto individual tem mais peso e onde ele exerce mais influência, lembrando que o impacto das decisões ali tomadas é direto sobre sua vida, então ele realmente está deixando as escolhas nas mãos dos outros e terá pouco para reclamar depois. Democracia é “boring” mesmo. Mas qual a alternativa? Um déspota esclarecido?

A chatice da democracia, com a imposição de muita conversa, negociação (ou negociata, no caso brasileiro), contemporização, e resultados bastante imperfeitos, sempre foi algo que afastou muita gente de sua defesa, em especial intelectuais. Esses preferem sonhar com um atalho onde algum “ungido”, de preferência ele mesmo ou seu representante, vai impor de cima para baixo as escolhas “certas”.

Em The Treason of the Intellectuals, Julien Benda comentou sobre esse desprezo dos “intelectuais” pela democracia liberal, justamente numa época de entre-guerras que pariu o fascismo e o nazismo. O pensador francês explicou: “Essa denúncia do liberalismo, notavelmente pela vasta maioria dos homens de letra contemporâneos, será uma das coisas dessa época mais surpreendentes para a História, especialmente por parte dos franceses. Com seus olhos fixos no poderoso Estado, eles têm louvado a forma disciplinada do Estado prussiano, onde cada um tem seu posto e, sob as ordens de cima, trabalha pela grandeza da nação, sem deixar lugar a vontades particulares”.

O ritmo da democracia é lento demais, é desesperador para qualquer um, especialmente para os mais esclarecidos, que sabem o que está em jogo. As barreiras do “deep state” são muito grandes. Os obstáculos são imensos. É preciso saber negociar, ceder, engolir sapos, fazer concessões, aturar o oportunista, enfim, fazer política. Na “arte do possível”, é crucial aprender a conviver com as frustrações. Não é como fechar qualquer outro “deal” no mundo dos negócios. E isso costuma levar à tentação do autoritarismo.

Keynes, por exemplo, chegou a escrever no prefácio da edição alemã de sua Teoria Geral que suas ideias seriam mais facilmente implementadas num regime autoritário. Claro! Não é preciso convencer a maioria, bastando uma minoria no poder, talvez um só grande líder. Mas será que a longo prazo esse é o melhor caminho para uma sociedade?

As grandes vantagens da democracia não estão em sua capacidade de ótimas escolhas públicas, e sim em seu mecanismo relativamente pacífico de correção de grandes erros. Mises, Popper e outros liberais entenderam bem isso. A reunião de condomínio é maçante mesmo, e quem não tem coisa melhor para fazer? Mas delegar o poder a uma pessoa ou um grupo seleto, sem um instrumento apropriado de pesos e contrapesos, é ainda pior.  Você pode confiar muito nele hoje, mas amanhã pode se arrepender, até porque o poder corrompe. E aí será tarde demais.

Talvez seja melhor o processo imperfeito e entediante da democracia mesmo, inclusive com esses debates chatos e, muitas vezes, sem sentido.

Rodrigo Constantino

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