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Democracia e populismo: tudo a ver!
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Alexis de Tocqueville, autor do clássico Democracia na América, era cético com a democracia de massas, pois temia que ela levasse a uma “tirania da maioria”. Como ele, vários outros pensadores, desde Aristoteles, mostraram-se relutantes ao endossar a velha máxima “vox populi, vox dei”, que toma a vontade da “maioria” como sinal da verdade. Por isso os “pais fundadores” da América insistiram na República, com claros mecanismos de pesos e contrapesos contra a simples ideia de um governo da maioria.

A coluna de Luiz Felipe Pondé na Folha hoje foi justamente sobre esse assunto, com seu realismo típico e ácido, constatando que a vocação da democracia é o populismo. Claro que os “inteligentinhos”, como diz Pondé, vão tirar disso que “a direita não é democrática”, sendo que esses mesmos hipócritas defendem Cuba e Venezuela, e só colocam o chapéu de democratas na hora que lhes interessa.

Mas Pondé escreve para pessoas sérias, não para crianças. Essas podem se satisfazer com a coluna do Greg, na página ao lado. E pessoas que não são infantis sabem que conhecer a verdade é o primeiro passo para melhorar as coisas, já que tapar o sol com a peneira leva apenas ao agravamento do quadro. Como diz Pondé:

O populismo é a vocação mais antiga da democracia. Sim, a democracia tem uma vocação irresistível ao populismo. As mídias sociais são a ferramenta mais poderosa que o populismo jamais teve. E uma das causas mais poderosas a favor do populismo é a busca da democracia perfeita.

Dizer isso nada tem a ver com preferir regimes antidemocráticos, como pensam os inteligentinhos quando falam de política. Pelo contrário, prestar atenção ao “lado B” da democracia é uma forma essencial de evitar regimes antidemocráticos.

Conhecer o “lado B” da democracia é essencial se quisermos proteger seu “lado A”. Ao contrário do que pensa nossa vã filosofia do bem (produção inteligentinha), é o reconhecimento das sombras que garante alguma luz mínima sobre as coisas e nas coisas.

Como diria o filósofo Darth Vader: só o olhar direto nos olhos do lado escuro da força nos faz compreende-lo e saber como ele pode se tornar irresistível.

Os ingênuos, que partem da premissa de que todos são “conscientes” politicamente falando e buscam informações imparciais para tomar decisões racionais nas urnas, estão apenas se iludindo, e essa crença boboca ameaça a própria democracia. As pessoas, no fundo, “raramente buscam informação e, quando o fazem, o fazem pra reforçar seus próprios pressupostos e não para relativiza-los”.

E as redes sociais deixam isso muito claro: sobra ódio, patota organizada que reforça o sentimento de grupo monolítico, e faltam debates sérios, civilizados, calcados em argumentos. Claro que toda generalização será sempre injusta, e foi graças a essas mídias alternativas que muitos liberais e conservadores conseguiram levar um ponto de vista diferente para milhões de pessoas. Mas isso não muda a essência da coisa: o problema está no próprio ser humano, e a ferramenta não anula isso.

O comunista Brecht falava do pior tipo de analfabeto, o analfabeto político. E desde então todo militante disfarçado de professor tem como meta “conscientizar” o aluno, como dizia outro comunista, Paulo Freire. Mas esses “politizados” são os piores! São os mais alienados, pois só sabem repetir as baboseiras dos “professores” sem filtro crítico, e ainda se julgam informados. O ignorante é menos perigoso do que o estúpido, que é o ignorante que acha que sabe tudo. E esses são normalmente os defensores da “democracia direta”.

Pondé explica o fenômeno do populismo nas democracias:

A busca de conhecimento não é algo evidente em nós. A vida é muito dura para nos darmos a esse luxo.

O que buscamos, na maior parte das vezes, como diz o filósofo Woody Allen em seu maravilhoso “Crimes e Pecados” são racionalizações que justifiquem nossos desejos.

O populismo se alimenta de nossa infantilidade. Queremos soluções claras e distintas para a confusa realidade em que vivemos. “Alguém que coloque Brasília em ordem”, “alguém que faça justiça”.

O trono por excelência do amante do populismo é a cadeira da sua sala em casa, na frente da televisão, xingando todo mundo.

É mais fácil agir assim do que procurar informação de verdade, do que refletir, do que buscar conhecimento mais profundo, o que dá muito trabalho. E é muito complicado resolver esse problema, como sabe Pondé: “Só com muito esforço resistimos a ele porque a política é confusa, ambivalente, sombria, retórica, suja, enfim, humana, demasiadamente humana. Quem pede plebiscito o tempo todo é um populista disfarçado de ovelha”.

Os povos que avançaram mais, preservando a liberdade, não foram aqueles mais “democráticos”, no sentido de eleições constantes decidindo sobre tudo, e sim aqueles que conseguiram proteger o governo desse impulso constante ao populismo. Montesquieu entendeu melhor o espírito da coisa ao defender a divisão de poderes. O conceito de República é diferente da “democracia pura” justamente porque adiciona um fator de desconfiança quanto à “vontade geral”.

A combinação mais explosiva que existe é a do filósofo vaidoso com os líderes sedentos por poder. De Rousseau a Robespierre temos a racionalização do desejo de poder com base na “voz do povo”. E o resultado costuma ser o Terror…

Rodrigo Constantino

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