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Execução: o maior desafio dos liberais no poder
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Os liberais chegaram ao poder. E pela primeira vez desde a redemocratização, que fique claro. Chamar – ou “acusar”, como fazia a esquerda – Collor ou FHC de “neoliberais” é algo que expõe ignorância ou má-fé. Já Paulo Guedes sim, é um liberal clássico legítimo. Assim como vários de sua equipe, muitos deles com passagem pela Universidade de Chicago, casa do liberal Milton Friedman.

Portanto, pode-se dizer que agora os liberais estão de fato no poder, ainda que num governo não necessariamente liberal, já que há uma mistura e uma disputa por espaço entre esses liberais, os políticos e os militares, nem sempre com a mesma visão econômica.

Ainda assim, assumindo que o governo todo, sob o comando do presidente eleito Jair Bolsonaro, vai endossar a agenda reformista liberal, resta o maior desafio de todos: a execução. É nesse sentido que a ida de um empresário como Salim Mattar para tocar a pauta de privatização gera maiores esperanças. Mas Salim, um CEO cuja excelência é reconhecida mundialmente, terá de lidar com um mundo diferente: o setor público não fala a mesma língua do setor privado.

Em sua coluna de hoje, Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, comemorou a guinada rumo ao liberalismo, mas apontou três grandes desafios concretos:

O primeiro desafio será a aprovação no Congresso da reforma da Previdência para reduzir o déficit que atingiu R$ 268,8 bilhões no ano passado. A encrenca começa aí. A Previdência urbana e rural tem um rombo de R$ 182,4 bilhões, mas atende a quase 30 milhões de pessoas. O Regime de Previdência dos Servidores Públicos tem déficit de R$ 86,4 bilhões e só atende a 1,1 milhão de pessoas. Isoladamente, as maiores defasagens percentuais entre as arrecadações e os benefícios pagos estão nas previdências rural e dos militares, cujas receitas cobrem apenas cerca de 8% dos pagamentos. Diante desses números, como irão reagir os principais grupos de apoio a Bolsonaro, a bancada ruralista e a caserna, se os seus interesses forem contrariados? Não é simples refazer o pandemônio previdenciário, repleto de “privilégios e direitos adquiridos”, por mais injustos que sejam.

O segundo desafio passa por concessões, privatizações e venda de imóveis do patrimônio da União. O Brasil tem atualmente 138 empresas estatais que possuem 508 mil servidores e movimentam anualmente R$ 1,3 trilhão, mais de cinco vezes o PIB do Uruguai. Em tese, um prato cheio para gerar recursos para abater a trilionária dívida do país. Mas bastou ser anunciado o nome do futuro presidente do Banco do Brasil — e o BB nem está na relação das empresas privatizáveis — para a Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil comprar espaço na capa do jornal “Correio Braziliense” para criticar o escolhido por ser “vinculado ao mundo das finanças privadas e defensor inconteste das privatizações”.

[…]

O terceiro desafio é a reforma do Estado, com a eliminação de órgãos e atividades superpostas, redução dos privilégios, das reservas de mercado, dos monopólios, dos subsídios e dos generosos financiamentos concedidos pelos bancos públicos aos amigos do rei. A diminuição da quantidade de ministérios deverá implicar a revisão da estrutura de cargos e salários. Existiam 23.140 cargos de Direção e Assessoramento Superior e Funções Comissionadas do Poder Executivo, segundo dados de outubro de 2018. Se reunidos todos os cargos, funções e gratificações atingia-se a 99.403! Os salários dos servidores federais são, em média, 96% superiores aos da iniciativa privada, conforme estudo do Banco Mundial. Nesse sentido, o governo Bolsonaro não participou da festa, mas já chegará pagando a conta, como a do descabido aumento dos subsídios dos ministros do STF, com reflexos de R$ 6 bilhões, e os reajustes salariais autorizados por Temer em 2016, com parcela a vencer em 2019. O corporativismo irresponsável solapa a austeridade fiscal nos Três Poderes e no Ministério Público.

As cifras são impressionantes, e mostram como há muito a ser feito para reduzir o monstro estatal e cortar gastos. Mas a reação será automática e diretamente proporcional ao nível de perdas daqueles acostumados aos privilégios. Enfrentar essa oposição não será tarefa trivial. E, para acrescentar obstáculos, Bolsonaro decidiu mudar a forma de fazer política, acabando com a coalização partidária na divisão ministerial e focando em bancadas temáticas e na meritocracia individual. É um avanço e tanto, mas resta saber qual será o real impacto na governabilidade. Sergio Abranches se mostrou cético em entrevista para a Gazeta do Povo:

Eu acho que ele vai fazer e está fazendo uma tentativa que provavelmente não vai dar certo, mas que é um teste interessante. Tem uma literatura importante sobre presidencialismo de coalizão que diz o seguinte: a governabilidade depende da distribuição proporcional dos ministérios aos partidos. Você precisa pesar o número e a importâncias dos ministérios de acordo com o tamanho de cada partido que compõe sua coalização. O que nós vínhamos observando era uma regularidade nesse sentido. As formações ministeriais mais proporcionais ao peso da coalização no Congresso foram as que deram melhores resultados para os respectivos presidentes. Agora o Bolsonaro diz que não vai fazer essa conta, sequer de forma desproporcional. Ele diz simplesmente que não vai fazer. O que ele vai fazer? Ao invés de partidos ele vai privilegiar as bancadas. Então ele vai indicar alguém da bancada evangélica, botou alguém da bancada ruralista, e por aí vai. Então ele está fazendo coalizão sim. Com as bancadas temáticas. Mas qual o problema com as bancadas temáticas? O problema das bancadas temáticas é que não há justaposição das agendas. A bancada evangélica não concorda com algumas questões da bancada da bala, que não fecha em tudo com a bancada ruralista e por aí vai. Quando você sai do tema da bancada você não tem garantia nenhuma de que vai manter apoio dos membros da bancada. Por isso é mais fácil fazer negociação com os partidos. Acho que ele vai tentar com as bancadas e vai ver que não vai funcionar. Tem outras coisas. Pela primeira vez também, desde o Fernando Henrique Cardoso, o presidente da República terá uma oposição estruturada e combativa. O PSDB e o Democratas são a oposição que qualquer presidente da República gostaria de ter. Soft, não cria muito caso.

Todos os cidadãos de bem deveriam torcer – e muito – para que essas mudanças deem certo, para que Bolsonaro consiga governar com base em princípios e agendas, e não no velho toma-lá-dá-cá da política tradicional. E devemos torcer também para que Paulo Guedes e sua equipe consigam convencer os deputados a aprovar suas reformas liberais, tão necessárias para a melhoria do Brasil.

Mas sejamos realistas: os desafios à frente são enormes. A luta está apenas começando. A vantagem é que o quadro é tão ruim, mas tão ruim, que mesmo o governo entregando uma parcela daquilo prometido já vai produzir um efeito positivo grande. Desde que a reforma previdenciária seja parte dessa entrega. Sem ela, nada feito, e o resto das economias se perderá no buraco negro que é o rombo das aposentadorias.

Boa sorte aos liberais no poder! Além de muita competência – que eles têm de sobra – e de muita capacidade e vontade de trabalho – que eles também demonstram ter – será preciso uma boa dose de sorte para lidar com a política nacional. Que a fortuna conspire um pouco a nosso favor, pois estamos precisando dessas mudanças. Ou liberalismo, ou a fuga pelos aeroportos, como dizia o liberal Roberto Campos. Tomara que aqueles com a caneta na mão compreendam essa realidade.

Rodrigo Constantino

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