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Fórum Liberdade e Democracia: discutindo o país que queremos
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Minha chegada a Belo Horizonte começou com fortes emoções: o avião teve de arremeter por conta de uma rajada de vento no momento exato do pouso. Em tempos de desastre como o de Eduardo Campos, confesso que precisei afrouxar a gravata e respirar fundo. Mas era só o começo e ainda haveria outras emoções consideráveis, mas bem melhores, como a de receber o Prêmio Liberdade pelos colegas do Instituto de Formação de Líderes (IFL).

O V Fórum Liberdade e Democracia, que o IFL organizou nesta segunda em Belo Horizonte, foi um bálsamo para aqueles que, como eu, estimam o bom debate, civilizado e calcado em argumentos. O Brasil carece de iniciativas como esta, que valorizem a troca de opiniões em ambiente livre, com espaço para uma mensagem liberal que raramente ganha as páginas dos jornais ou os eventos universitários. No fórum, os liberais não se sentem alienígenas falando outra língua dentro do próprio país, e não há espaço para rótulos vazios, slogans e palavras de ordem que impedem qualquer diálogo mais sério.

O discurso de abertura da presidente do IFL, Tatiana Mattar, enfatizou a importância da liberdade individual e da democracia para a prosperidade do país, alegando que o eterno “país do futuro” nunca muda de patamar por desrespeitar tais pilares. Convocou cada um a participar de forma mais ativa na construção desse futuro, pois não podemos simplesmente esperar que as coisas melhorem do nada. Assumiu, assim, o papel de elite que lidera, o que tanto falta no Brasil.

William Ling foi o empresário premiado, e fez uma excelente palestra de agradecimento. Mostrou como é possível cuidar dos interesses da empresa e ao mesmo tempo agir para mudar e fortalecer as instituições democráticas. Movido por uma espécie de imperativo categórico kantiano, por uma indignação em relação ao abuso e exploração das massas ignorantes pelos governantes, o empresário esclarecido tem a obrigação moral de lutar por um entorno melhor, deixar de lado a visão míope, os interesses de curtíssimo prazo, para criar os pilares de uma nação livre. Como seus pais fugiram da China quando Mao fez sua revolução sangrenta, Ling sabe bem o que é viver sob um regime opressor. Cabe ao empresário se esforçar para impedir tal destino em nosso país.

O primeiro painel falou sobre política econômica e contou com dois ex-presidentes do Banco Central: Gustavo Loyola e Gustavo Franco. Defenderam a autonomia da entidade, tão abandonada hoje, lembrando que não basta apenas isso, mas sim ter uma visão abrangente da função dos bancos na economia. O atual governo os usou para criar moeda e crédito sem lastro, fomentando a volta da inflação.

Franco destacou que temos uma grande incerteza em relação a qual política econômica seria a adotada por um eventual segundo mandato de Dilma, agora que Mantega está “demitido” pela presidente em campanha. Disse não ser fácil compreender Dilma. Acha que existe um claro risco de o país seguir na rota venezuelana ou argentina, o que seria catastrófico. A Argentina tem uma inflação anual acima de 40%, enquanto o governo divulga um índice oficial perto de 10%, e na Venezuela já passou de 60%. Acha que o Brasil não está tão longe assim disso, pois estamos flertando com 10% ao ano e abandonamos a meta de inflação, adotando em seu lugar uma banda que acaba sempre no teto.

Loyola destacou a questão do ambiente aos negócios, bastante desfavorável atualmente. E concluiu que não existe oposição entre crescimento e desigualdade, pois a redução da distribuição da renda depende do crescimento, e citou como exemplo o Plano Real como o grande programa social do país.

O painel seguinte contou com Guilherme Fiuza e Marcelo Madureira. Fiuza começou afirmando que, para saber qual país queremos, é preciso saber o que está dando errado no presente. O evento que lhe chamou mais a atenção recentemente foram as manifestações que tomaram as ruas do país em 2013. Crítico do governo atual, Fiuza não poupa a opinião pública, cuja reação demonstra falta de senso crítico e foco. O povo brasileiro cai com muita facilidade na armadilha retórica do populismo, daqueles que Fiuza chama de “mercantilistas da bondade”.

As imposturas dos governantes passam impunes diante de um discurso falso, de um “humanismo” que mascara o oportunismo desses exploradores. Não foi apenas o povo que entrou nessa, mas sim gente da tal elite supostamente esclarecida, disposta a embarcar no teatro armado pelo PT. Os escândalos de desvio dos gastos públicos ocorriam nas barbas do brasileiro, que preferia protestar contra “tudo”, ou seja, nada. Ou seja, tivemos apenas uma “Primavera Burra”, incapaz de identificar um só alvo concreto em seus protestos. O caso de Rosemary, completamente ignorada pelos “rebeldes”, é talvez o mais contundente de todos. Fiuza concluiu afirmando que há razoável liberdade de expressão no país; o que falta é discernimento por parte do público, i.e., um bom uso dessa liberdade. Acusou o déficit de atenção crônica da população, pois nada mais falta para se dar conta de que existe um projeto parasitário de poder para sugar toda a máquina pública.

Marcelo Madureira começou afirmando que fora da democracia não existe salvação, e rejeitou os conceitos de esquerda ou direita, que julga obsoletos. Diz que falta uma utopia, que sem uma visão de qual mundo queremos à frente, acabamos com um ambiente em que vicejam os oportunistas de plantão. Confesso morrer de medo de utopias. Madureira aderiu à tese, que julgo equivocada, de que o capitalismo é bom para criar riqueza, não para distribuí-la. Não acho que devemos ter um foco obsessivo na distribuição em si da riqueza, pois ela não é estática, não é um jogo de soma zero. Mas o humorista também reconheceu que o aparelho de estado não tem condições de atender às demandas da sociedade, e que vive de forma parasitária do esforço da população. Falta aos seus gestores um projeto de país, pois só possuem mesmo um projeto de poder, sob o velho patrimonialismo que transforma a coisa pública em “coisa nossa”.

O resultado é a descrença, especialmente dos jovens, na política. É uma crise de caráter moral, de valores. Temos uma sociedade intolerante, algo que se agudizou nos últimos anos. O contraditório não é mais tratado de forma civilizada. O simplismo substitui uma visão de mundo mais complexa, que demanda estudo para um maior conhecimento dos problemas em pauta. Há uma exacerbação do individualismo. E a demagogia campeia, com um governo que celebra o aumento na quantidade de gente que precisa viver das esmolas do estado.

Madureira concluiu discordando de Fiuza em relação ao ambiente de liberdade de expressão, afirmando que muitas vezes existe até uma dificuldade de trabalho para quem ousa divergir do governo. Citou os ícones dos atuais governantes, Venezuela e Cuba, como exemplos dos riscos que corremos, não apenas na economia. A saída é fazer política. Até “não fazer política” é um ato político. Votar nulo é um ato político. As pessoas precisam participar mais, discutindo, conversando, trocando ideias, procurando compreender o outro lado, buscando alguma convergência. E após tanta seriedade, fechou dizendo que será o primeiro artista a pedir Bolsa Ditadura do governo Lula.

Infelizmente era chegada a hora de ir para o aeroporto, e perdi a palestra do Dr. Ives Gandra Martins. Já vi algumas vezes o renomado advogado em palestras, e leio sempre seus artigos. Portanto, tenho alguma ideia do que ele pensa, mas lamento não ter ficado até o final, pois suas ilustres contribuições sempre agregam algo de novo. Fica para a próxima.

O IFL está de parabéns pela organização do evento, e as centenas de pessoas presentes com certeza saíram com bastante material para reflexão. Afinal, qual Brasil queremos? Eis a provocação feita pelo IFL, e cuja resposta deve começar justamente pelo amplo debate de quais são nossos principais problemas e quais as alternativas postas na mesa para solucioná-los. O fórum cumpriu bem sua função.

Rodrigo Constantino

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