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Gente, é só um biscoito de polvilho!
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Passei minha infância frequentando a praia carioca e comendo biscoito “grobo” com mate-leão (aquele do tonel sujo, não do copinho limpo moderno). Logo, há um lado emocional aqui para mim nessa inacreditável “controvérsia” que surgiu após um colunista do NYT criticar nosso famoso biscoito de polvilho. Demorei a tomar conhecimento da pendenga, pois não acompanho a GloboNews. Mas comecei a ver pipocando nas redes sociais mensagens sobre o assunto, e fui me inteirar do que estava acontecendo.

Meu editor Carlos Andreazza resumiu em sua página do Facebook o óbvio ululante, aquele que “só os gênios enxergam”, como diria Nelson Rodrigues: “Atenção: é possível não gostar de Biscoito Globo”. Alguns leitores já chegaram com pedras na mão. Pelo visto, não é possível. O biscoito é “patrimônio do Rio”, motivo de “orgulho carioca”, e esses malditos ianques, que só gostam de bacon e porcarias com corantes, não têm nada que se meter com nossa “culinária”.

Leio agora mesmo um artigo no Brazil Journal sobre o assunto, com tom bastante crítico ao “deprimido” jornalista do NYT, que, além do nosso querido biscoito, andou criticando as notas mais curtas do hino americano na Olimpíada, o que daria um tom mais lúgubre à coisa. Talvez o cara seja um mala mesmo. Ou talvez ele esteja passando por algo ruim na vida. Vai saber.

Mas minha nossa senhora! Por que tanto barulho por nada?! Se o jornalista gringo transformar nosso biscoito em pauta já é sinal de falta de assunto melhor para o NYT, o que dizer da nossa reação? Não seria ela também prova de nosso eterno brasileirismo vira-lata? Acho que ligamos demais para a opinião subjetiva dos americanos…

Gosto, nesse caso, não se discute muito. E não deveria ser motivo de tanta controvérsia, muito menos deixar nosso orgulho ferido. E daí que o jornalista odiou o biscoito de polvilho? Não tem gosto de muita coisa mesmo, mas ainda assim é bom pacas! Cansei de comê-lo no trânsito também, deixando o carro imundo de migalhas. Mas daí a transformar o biscoito em símbolo de luta cultural vai uma longa distância…

Digo mais: o único “multiculturalismo” que presta é esse: misturar as diferentes culturas ao gosto do freguês, nas coisas menos importantes como comida e roupas (deixando as mais relevantes, como valores, de fora, pois aqui não há espaço para tanto relativismo). Uma pancake com syrup pela manhã, um biscoito “grobo” na praia depois, um burger com bacon no almoço, e um daqueles minúsculos pratos franceses delicados com um bom vinho de noite. Delícia!

Nem tudo precisa ser guerra cultural. O jornalista podia estar sem assunto e acabou sendo infeliz na escolha da pauta. Mas ele tem direito de achar insosso o biscoito de polvilho e pobre nossa culinária local, com o bom e velho bife com fritas. É um direito seu. E o mais assustador é que isso não deveria dar tanto pano pra manga, ser motivo para uma reação tão ensandecida. O fato de ter sido demonstra como ainda somos vira-latas, que abanam o rabo para qualquer elogio de fora (ainda que falso) e morre de ódio, com o orgulho ferido, por qualquer crítica (ainda que verdadeira).

O Brasil tem assuntos bem mais importantes para tratar no momento. Estamos quebrados, falidos, graças ao PT. Temos de aprovar reformas “impopulares” se não quisermos mais uma década totalmente perdida. A criminalidade campeia, e ontem mesmo um assaltante foi morto no Barra Garden, shopping pertinho dos jogos olímpicos. Nossa saúde pública não funciona, nossa “educação” é um lixo, nosso transporte, caótico. Temos muito o que aprender com os americanos em todos esses aspectos. Mas vamos ficar revoltados é com a crítica que um jornalista fez ao nosso biscoito mais popular? É dureza…

Rodrigo Constantino

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