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Há lado humanista no terrorismo? Ou: Do tribalismo aos valores universais
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Enquanto muitos optaram por ver um pai negligente e um filho irresponsável serem tratados como vítimas de um tigre malvado no “Fantástico”, achei melhor ver um filme. E o escolhido foi “The Attack”, de 2012 mas extremamente atual, do diretor libanês Ziad Doueiri.

Conta a história de um médico cirurgião de origem árabe que vive em Tel Aviv, Israel, e recebe o maior prêmio possível em sua carreira na véspera de um atentado terrorista que envia dezenas de vítimas para a sua sala de cirurgia. Ocorre que a terrorista era sua própria esposa.

O filme é bom e tem diálogos interessantes. É sobre o amor, o desconhecido mesmo em quem nos acompanha na intimidade por 15 anos, sobre a ausência de pátria do cirurgião árabe, sobre o terror e suas origens.

Chocado com a descoberta, o médico Amin Jaafari parte em busca de sentido, e acaba entrando em contato com seu passado, seus familiares que permaneceram em Nablus, uma cidade palestina na Cisjordania. Passa a ver o outro prisma da coisa, o ódio de quem não se sente parte de uma nação. Ali descobre que sua mulher é vista como uma mártir, uma heroína.

Mas é possível assimilar algum sentido para o que ela fez? Explodir-se em um restaurante mandando para os ares dezenas de pessoas inocentes, entre elas 11 crianças? Dr. Jaafari parece ficar dividido, e sua incompreensão e raiva iniciais vão dando lugar a uma espécie de resignação.

Os líderes palestinos com quem tenta dialogar alegam que não são fundamentalistas, mas sim pessoas desesperadas lutando com quaisquer instrumentos em busca de dignidade, de um lar. Que tipo de dignidade, porém, pode haver em explodir crianças de forma deliberada?

Dr. Jaafari havia sido totalmente aceito em Israel, como um deles. Seu discurso de agradecimento durante a premiação tocava nesse ponto. Mesmo suspeito de cúmplice do ato terrorista cometido por sua mulher, o policial revoltado lhe concedeu todos os direitos de defesa, preservou sua integridade física, e lembrou que o estado de Israel lhe pagaria um advogado para sua defesa se não tivesse condições, pois garante os direitos legais mesmo de seus piores inimigos.

O que fica claro para um observador mais imparcial é a gritante diferença entre a civilização e a barbárie. Por mais que o filme tente nos levar para ambos os lados, não há como aderir a um relativismo exacerbado. Dr. Jaafari tem uma amiga médica israelense que lhe joga na cara o que está em jogo caso ele não entregue à polícia os terroristas, ainda que seus familiares. Como poderia realizar uma cirurgia para salvar a vida de uma criança inocente que chegasse ao hospital justamente pela intenção dos terroristas que protege ou defende?

De um lado, valores universais, princípios isonômicos, o que chamamos de civilização. Do outro, tribalismo, ódio e alienação, desejo de vingança e morte, aceitação dos meios mais nefastos para os alegados fins nobres, o que chamamos de barbárie.

Não. Por mais que o filme tente uma abordagem neutra, quase nos incitando a sentir pena dos terroristas, fazendo de tudo para que possamos enxergar o seu lado na história, quem ainda possui valores sólidos e um código de ética decente não se dobra diante de tal apelo. Que tipo de justificativa ou perdão pode ter aquele que escolhe como instrumento o assassinato intencional de pobres crianças?

PS: Consta que o filme foi vetado em vários países islâmicos, só porque foi filmado em Israel. Barbárie?

Rodrigo Constantino

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