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Isaiah Berlin: o ouriço e a raposa
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Por Vladimir Tismăneanu *

Não creio que exagero de maneira nenhuma, afirmando que Isaiah Berlin foi, ao lado de Raymond Aron, o mais importante representante do pensamento liberal do século XX.

O elogio da realidade e a recusa dos espetáculos nebuloso-românticos, das abstrações utópicas são os temas essenciais, que definem o pensamento de Berlin.

[Berlin] propõe uma distinção essencial para a história das idéias: partindo de uma fábula antiga, discernia entre os pensadores da família do ouriço e os da família da raposa. Os primeiros são obcecados por uma idéia grandiosa, ao passo que os da segunda categoria aceitam reconhecer a legitimidade de processos menos ambiciosos, por muitas direções e planos.

O ouriço é o que sabe uma coisa, mas dessa posição epistêmica decorre um monismo e mesmo um absolutismo radical. A raposa sabe mais coisas e teima em vê-las na sua complexidade e relatividade.

Berlin esteve sempre convencido de que o homem é um ser falível, que o erro está inscrito como possibilidade já na natureza do ato de pensar e que a ilusão da sociedade perfeita é uma armadilha de que se tem de desviar com cuidado.

Não devemos esquecer que a trajetória da vida dele foi atingida de modo fundamental pela aparição do espectro totalitário na Europa. Na infância foi testemunha do delírio revolucionário bolchevique de 1917, quando estava em São Petesburgo juntamente com seus pais, e do antissemitismo político moderno (nos anos em que morou em Riga) que alimentou a extrema direita européia do século XX.

Berlin, juntamente com Kołakowski e Shklar, associaram as idéias de liberdade a um elemento fundamental: a dúvida com relação a qualquer promessa ou tentação utópica. O século da guerra civil européia (e não apenas) demonstrou o perigo mortal do universalismo intrínseco da idéia de modernidade pressuposta pelo projeto iluminista. O antídoto proposto por Berlin é a defesa e o encorajamento do pluralismo.

“Na casa da história da humanidade existem muitas moradas”. Manteve a convicção de que a experiência humana implica muitíssimos espaços comuns para nos permitir entendermos e apreciarmos a diversidade cultural tão necessária ao liberalismo. Berlin e Shklar argumentaram em favor da necessidade de um horizonte moral numa sociedade decente. Somente assim a diversidade está protegida do perigo da uniformização violenta do espaço público.

Em conclusão, podemos afirmar que, graças a Berlin, entendemos o fato de que as ideias têm igualmente força e consequências, que existe, o que quer que digam alguns solipsistas amorais, uma responsabilidade do ato intelectual.

* Trechos do ensaio de Vladimir Tismăneanu sobre esse importante pensador do liberalismo, presente em seu livro Do Comunismo: O destino de uma religião política.

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