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Mas a Lei Seca não faria milagres?
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Uma das coisas que mais cansam no Brasil é a falta de lógica e de memória nos debates, assim como a busca por “soluções mágicas” simplistas para os complexos problemas. Temos uma “guerra civil” no trânsito, que mata cerca de 50 mil pessoas por ano, quantia similar a de perdas em homicídios. A Lei Seca foi a grande promessa que encantou – e ainda encanta – um monte de gente.

Quando foi aprovada, houve grande comemoração. Nos primeiros meses, os jornais estampavam as quedas dos acidentes, e a falta de lógica levava à conclusão precipitada de que era a tolerância zero com o álcool a responsável pela conquista. Escrevi na época alguns textos argumentando que não tinha nada a ver com o teor alcoólico permitido, e sim com a ostensiva fiscalização naquele começo de operação. O óbvio ululante, mas que sempre precisa ser dito em nosso país.

Não adiantou. A euforia era total. O culpado pelas mortes no trânsito era o sujeito, pai de família responsável, que bebia uma taça ou duas de vinho no jantar com sua mulher e depois dirigia calmamente para casa. Um criminoso! Um assassino! Enquanto isso, carros caindo aos pedaços continuavam a circular nas ruas, motoristas imprudentes sem álcool no sangue também, tudo em vias precárias, com má sinalização, em um país cuja cultura não costuma respeitar as regras.

Resultado? As mortes em acidentes de trânsito continuam subindo. Só no Rio são duas por dia:

Indicadores do Rio Como Vamos (RCV), com base nos dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), mostram que houve aproximadamente 600 óbitos por ano, de 2009 a 2013. No mesmo período, o número de registros de feridos também cresceu: saltou de 18.924 para 23.284. São números de uma guerra. O RCV alerta para um padrão de comportamento que se alastra perigosamente: os motoristas estão dirigindo de maneira cada vez mais imprudente, não respeitando os limites de velocidade e o sinal vermelho, colocando em risco suas vidas e as de terceiros.

Na comparação dos dados do primeiro semestre de 2013 com o de 2014, as mortes no trânsito aumentaram de 258 para 321 (24,4%). Uma situação alarmante. As regiões mais afetadas no primeiro semestre deste ano foram Botafogo (de sete para 15 óbitos), Campo Grande (de 21 para 27) e Jacarepaguá (de nove para 20). Já a região do Méier registrou queda de 15 para sete óbitos no mesmo período.

Os acidentes com feridos também preocupam. Confrontando o período estudado, percebe-se que os casos aumentaram de 10.386 para 11.338 (9,2%). No primeiro semestre de 2014, o RCV chama atenção para as regiões da Barra da Tijuca (de 648 para 920 registros), Jacarepaguá (de 710 para 892) e Santa Cruz (de 370 para 516). Reduções importantes ocorreram em Campo Grande (de 982 para 868 feridos) e Méier (de 682 para 625).

Na mesma reportagem, consta que 90% aprovam a Lei Seca. E pasmem! Não há nenhum elo feito entre a promessa de resultados fantásticos com a lei e o resultado lamentável de hoje. Ou seja, ninguém liga “lé” com “cré”, ou cobra coerência das propostas anteriores.

Vamos sempre atacando sintomas em vez de causas. Sei que fico repetitivo, mas é porque nosso povo é repetitivo nos erros: somos o país do sofá, do marido que joga fora o sofá para acabar com o adultério da esposa. Quebramos o termômetro para “curar” a febre do doente.

É como no caso do desarmamento, que prometia resolver ou melhorar muito a questão da criminalidade. Tirando a proteção do cidadão de bem? Avisando ao bandido que ninguém mais terá condições de garantir sua legítima-defesa? Qual a lógica? Não importa. Era grande a expectativa dos “progressistas”. O crime continua aumentando, mas quem liga?

E assim chegamos a esse cenário atual, em que não posso sair para jantar e tomar um vinho, como se tivéssemos excelente infraestrutura de transporte público como alternativa, enquanto mais e mais gente morre vítima de imprudência no caótico trânsito do país.

Mas vamos resolver tudo agora. Vamos intensificar ainda mais o rigor da Lei Seca. Ai daquele criminoso maldito que ousar pegar na direção depois de comer um bombom de licor ou usar aqueles enxaguantes bucais com um pouco de álcool! O Brasil, definitivamente, não é um país sério…

Rodrigo Constantino

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