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Mercado funciona no trânsito também
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Um dos dilemas mais conhecidos em economia é a tragédia dos comuns. Quando o uso da propriedade é coletivo, e o que alguém usa a mais não pode ser cobrado a mais também, temos um mecanismo de incentivo perverso, pois estimula o uso irracional dos recursos escassos.

Podemos pensar no caso clássico de pesca num rio sem dono, ou “de todos”, o mesmo que de ninguém. Por que o pescador vai poupar os peixes menores se não será ele o beneficiado com tal cautela? O uso da água em condomínios segue a mesma lógica, e quando hidrômetros individuais são instalados, o consumo tende a cair mais de 30%. Salva-se mais água assim do que com mil discursos ecológicos.

O trânsito é um outro exemplo comum. Se você usar seu carro na hora do rush, mesmo que seja para ir ao cinema, você causa o mesmo transtorno que alguém que necessita trafegar naquele momento para voltar do trabalho. A rua é de “todos” igualmente, e assim não há como diferenciar as preferências subjetivas e verificar a utilidade marginal daquele bem.

Papo de economista, mas traduzo: quem valoriza mais o uso do bem na margem está disposto a pagar mais por ele. Muitos esquerdistas, ignorantes em economia (ou não seriam esquerdistas), pensam que esse mecanismo de “paga mais quem quer mais” favorece os ricos e pune os pobres. Mas não é verdade.

Os “slots” dos aeroportos são alocados para jumbos coletivos mais do que para jatos privados. Por mais rico que o sujeito seja, poucos aceitam rasgar dinheiro, e a demanda das centenas de passageiros dos jumbos compensa a diferença de renda entre os indivíduos em questão.

Tudo isso foi para chegar no modelo de precificação do tráfego automotivo. Ruas públicas são, naturalmente, o pior modelo: qualquer um pode usar e o valor já está pago, por impostos, mesmo por quem não usa. A tendência é o governo, o dono da via, tratar o aumento de demanda como algo ruim, coisa rara no mundo dos negócios, e reagir com racionamento: rodízio de placas ou algo do tipo.

Os pedágios se mostram uma alternativa menos pior, pois é mais justo (paga quem usa) e, sob administração privada, há incentivo em manter as vias em melhores condições e atrair mais fluxo. Mas ainda assim é pouco eficiente em diferenciar as preferências de cada um.

E por isso surgiu a tarifa proporcional ao trecho rodado por cada veículo. Começa a valer no segundo semestre nas estradas federais privatizadas:

Serão instalados chips nos veículos que permitirão ao governo verificar, por meio de sistemas de rádio, quando eles entram e saem das estradas. Nas rodovias ainda a serem concedidas, essa modalidade de cobrança de pedágio poderá ser prevista antes do leilão. Nas já privatizadas, seria necessário um aditivo. Os chips já são usados em algumas estradas privatizadas do interior de São Paulo, em fase experimental. O governo paulista estima que, no futuro, as tarifas de pedágio poderão cair até 30%, em média, com essa tecnologia.

Usou mais, pagou mais. Não é assim para quase tudo no livre mercado? Se você quer mais pizza, então paga mais por isso. Se você quer mais conforto no cinema, paga mais pela sala VIP. Discriminar pelo tipo de usuário é a natureza dos negócios, e o que faz o mercado ser tão eficiente. Injusto e ineficiente é cobrar muito de quem não usa, e pouco de quem usa muito.

Em Privatize Já, tratei do assunto no capítulo sobre estradas, citando justamente o exemplo de Cingapura, que já adota há anos um mecanismo de preços diferentes por quem usa mais a via ou deseja trafegar em faixas mais caras e com menos trânsito, algo existente nos Estados Unidos também. Escrevi:

Essa solução de mercado é infinitamente mais eficiente e justa que as “soluções” arbitrárias do governo diante do problema de muita demanda, como o conhecido racionamento. Afinal, o racionamento trata todos os consumidores como se eles fossem iguais em suas preferências, o que é claramente falso. O motorista que precisa levar sua mãe no hospital certamente não tem o mesmo grau de demanda por pista livre que outro cujo objetivo é ir comprar sorvete.

Esse sistema, como o rodízio de placas, não permite que o uso mais valorizado na margem predomine. Em Cingapura, foi adotada parcialmente a solução de mercado, com relativo sucesso, através do Electronic Road Pricing (ERP), um mecanismo eletrônico de cobrança de acordo com o uso da via. Se o mercado fosse totalmente livre para funcionar nesse setor, sem dúvida os resultados seriam interessantes.    

Na verdade, nós nem temos como imaginar as soluções que seriam criadas pela iniciativa privada. Eis a grande beleza do mercado: milhões de agentes estão pensando diariamente em inovações para melhorar nossas vidas, pois desta forma eles ficam ricos. O empreendedor, em vez de reclamar dos problemas, é aquele que busca soluções práticas e rentáveis.

Como podemos ver, o mercado funciona. E funciona bem quase sempre, e quase sempre melhor do que o governo e seu apreço pela tragédia dos comuns. Ao tratar indivíduos com preferências diferentes de forma diferente, o mercado consegue promover uma alocação mais eficiente dos recursos. Já o governo prefere decretar, com seu poder, que as placas terminadas em 1 e 2 não podem sair às ruas naquele dia. E os ricos ainda podem driblar a restrição, pois podem ter mais de um carro. Justo?

Rodrigo Constantino

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