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O anel de Cabral e a promiscuidade entre o poder e os empresários no capitalismo de compadres
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Não sei quanto ao leitor, mas se alguém, um empresário, qualquer outro homem oferecesse de presente para a minha mulher uma joia super valiosa, eu deixaria meu lado mais medieval vir à tona e desafiaria o sujeito para um duelo em nome da honra, não sem antes colocar a própria esposa contra a parede para que confesse seu crime. Que as feministas surtem: sou old fashion mesmo (e mulher de verdade – como a minha – gosta).

Mas não foi essa a reação do ex-governador Sergio Cabral, quando sua esposa recebeu de “presente” um anel de quase um milhão de reais do “empresário” Fernando Cavendish. O homem gostou! Pode ser um caso de uma pessoa “progressista”, moderninha, com “mente aberta”, que não acha nada demais em outros homens saírem por aí distribuindo presentes milionários para as mulheres dos outros. Mas algo me diz que não é esse o caso…

Recomendo o comentário feito pelo meu editor Carlos Andreazza na Jovem Pan hoje cedo:

Merval Pereira também falou do assunto em sua coluna de hoje. O caso do anel de Cabral – ou de sua esposa – expõe no fundo a podridão do capitalismo de compadres, da simbiose nefasta entre governo e grandes empresas, da promiscuidade entre corruptos e corruptores, que só existem porque a carne é fraca e o sistema induz a isso: a recompensa de quem consegue “capturar” o estado é grande demais, irresistível. Diz Merval:

O caso do anel de ouro branco e diamantes no valor de 220 mil euros (cerca de R$ 800 mil) que a mulher do ex-governador do Rio Sérgio Cabral ganhou de presente em Mônaco, na comemoração de seu aniversário em 2009, é exemplar da promiscuidade de autoridades públicas e empresários, e, mais ainda, da maneira como escândalos desse tipo são tratados no Brasil.

Pela delação premiada do empreiteiro Fernando Cavendish, da construtora Delta, o anel foi produto de um achaque que sofreu do governador em plena Place de Casino, em Mônaco. Cabral o levou até a joalheria Van Cleef & Arpels, e o anel já estava pronto para ser comprado, sendo a conta apresentada ao empreiteiro.

Na versão oficial do governador, o anel foi dado de presente por Cavendish e sua mulher a Adriana Anselmo num jantar no restaurante três estrelas Le Louis XV, do chef Alan Ducasse, no Hotel de France, em Mônaco, em que se comemorava o aniversário da então primeira-dama do Estado onde a Delta tinha quase que o monopólio das obras públicas.

[…]

Só por ter admitido que sua mulher recebeu tal anel, o ex- governador Sérgio Cabral já entrou na esfera jurídica do crime de corrupção passiva. O detalhe de que foi o empreiteiro que ofereceu o presente, e não o ex-governador que o obrigou a comprá-lo, também tenta amenizar a situação de Cabral, que além do mais diz não saber o valor do anel, o que parece uma piada, com o intuito de minimizar sua culpa.

Mas o jantar no restaurante estrelado de Ducasse em Mônaco, por si só, já representa uma relação promíscua entre a autoridade pública e o empreiteiro, quanto mais um anel de brilhantes.

É por essas e outras que o Juiz Sérgio Moro, em uma palestra ontem, disse que para combater a corrupção no Brasil os processos “não podem ser um faz de conta”, e defendeu uma “aplicação vigorosa da lei” e as prisões preventivas.

Moro está certo, claro. É preciso uma “aplicação vigorosa da lei”. Mas também é necessário reduzir urgentemente o prêmio de quem consegue capturar o poder estatal. Não podemos sonhar com anjos na política. Por isso temos que ter punição severa aos corruptos e tentação menor para a corrupção. Tudo é uma questão de mecanismo de incentivos, não de esperança ingênua com santos na política, como “pensa” muito esquerdista.

Enquanto o estado tiver esse poder arbitrário todo concentrado em suas mãos, puder decidir numa canetada o destino de setores inteiros, comandar gastos bilionários, bancar o empresário, desviar a atenção de suas funções básicas e estender seus tentáculos por todas as direções, com um escopo de atuação hiper-dimensionado, esse tipo de trocas irá sempre ocorrer entre corruptos e corruptores.

Quem conhece o mínimo das regras de ética de empresas e, principalmente, do setor público, sabe que o funcionário não deve aceitar presentes nem mesmo de R$ 100, o que poderia gerar um claro conflito de interesses. No caso das empresas privadas, há o escrutínio dos sócios, preocupados com o destino de seu capital. No caso do setor público, o dinheiro é da “viúva”, é de “todos”, ou seja, de “ninguém”, e falta um mecanismo de fiscalização adequado.

É por isso que um governador acha normal sua mulher ganhar um baita anel de presente de um empresário com negócios com seu governo. Sergio Cabral é um ícone desse modelo perverso, adorava usar o helicóptero do governo para fugir do trânsito e ir para sua paradisíaca casa em Mangaratiba, Angra dos Reis. Aliás, como um servidor público teve condições de comprar tal mansão?

Cabral anda sumido demais, torcendo para ser esquecido, principalmente pelas autoridades, depois que deixou o Rio falido. É bom saber que não será tão fácil assim desaparecer nesse novo Brasil que se forma, com menos impunidade e mais transparência. Um país menos indecente, que não acha natural a esposa de um governador ganhar presentes tão caros de um empresário ligado às obras do mesmo governo.

Na mitologia grega, um pastor chamado Gyges encontra por acaso uma caverna onde jaz um cadáver que usava um anel. Quando Gyges enfia o anel no próprio dedo, descobre que esse o torna invisível. Sem ninguém para monitorar seu comportamento, Gyges passa a praticar más ações – seduz a rainha, mata o rei e assim por diante. Essa história levanta uma indagação moral: algum homem seria capaz de resistir à tentação se soubesse que seus atos não seriam testemunhados?

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É a mesma temática de O Senhor dos Anéis, de Tolkien. Quando o poder bate à porta, nem sempre é fácil dizer não. O poder, afinal, corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente, como sabia Lord Acton. É preciso punir com severidade os que abusam desse poder, e também reduzi-lo, para que a tentação seja menor. Eis a receita liberal-conservadora: menos impunidade, menor escopo do governo, e uma cultura intransigente com os desvios morais.

Enquanto isso, a esquerda segue condenando apenas alguns corruptos, sem atacar a raiz do problema, sonhando com a chegada dos “santos” no poder. Quando eles se mostram demônios, a esquerda insiste na mesma solução, culpa apenas aqueles corruptos (quando o faz!), e continua pedindo mais do veneno que causa a doença: o agigantamento do estado, o poder incrível do anel estatal. Condena o anel de Cabral, mas nada diz sobre os anéis todos acumulados por Lula, pelo mesmo processo.

Como Hayek disse, não é a fonte, mas o limite do poder que o previne de ser arbitrário. Benjamin Constant também tinha chegado a esta conclusão, alertando que é contra a arma e não contra o braço que convém ser severo, ou seja, devemos acusar o grau da força, não os depositários dessa força. Alimentar a esperança de que algum dia um santo chegará ao poder para fazer milagres é uma tolice.

É o que faz a esquerda, ajudando a produzir Cabrais e Lulas por aí, que depois critica como se fossem responsabilidade do capitalismo liberal, não daquele de compadres que a própria esquerda aplaude.

Rodrigo Constantino

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