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O conforto do rebanho bovino: quando indivíduos fogem da responsabilidade de pensar e agir
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Como só existem pensamentos individuais, na prática tais grupos possuem sempre um líder, um mestre que assume a responsabilidade de pensar pelos demais. Ayn Rand tratou bem do fenômeno em suas obras, e no filme alemão “A Onda” isso também fica muito claro. Os membros de tais rebanhos buscam o conforto da irresponsabilidade, já que ser responsável dá muito trabalho e representa um fardo.

Francisco Razzo, autor do excelente A Imaginação Totalitária, comentou em sua página do Facebook sobre esse assunto:

Hoje, uma das coisas mais difíceis — e, ousaria dizer, perigosa — é ser capaz de defender com serenidade, prudência e seriedade uma opinião, principalmente a partir de uma perspectiva dissonante da perspectiva progressista, secular e coletivista.

Por outro lado, é muito mais fácil levantar um cartaz, dar gritinhos histéricos e procurar a companhia de um rebanho conivente com os nossos mais nobres ideais.

A vantagem de agir em massa não é só não precisar pensar, o que, de fato, demanda o virtuoso equilíbrio entre excessiva energia e muita paciência. A vantagem da vida bovina é não precisar ser pessoalmente responsável pelo que se pensa, diz e faz.

Acompanhando muitos rebanhos coletivistas há anos, posso atestar: o que mais desespera seus membros é o fardo da responsabilidade, a necessidade de assumir as rédeas da própria vida e os riscos que isso representa. Trocam o pensamento individual e independente pelos slogans do rebanho, pelos símbolos, e colocam um “mestre” acima de tudo, pois assim não precisam mais argumentar. São como crianças desamparadas em busca de um papai.

Um verdadeiro mestre ensina seus pupilos a pensar por conta própria, estimula a dissidência, o confronto de ideias. Os judeus sabem bem disso, pois o Bar Mitzvá representa exatamente isso: aos 13, o jovem precisa assumir responsabilidades, criticar com embasamento e respeito as lideranças, as tradições. Por isso o povo judeu tende a ser crítico e independente. Mestres que fomentam seguidores fanáticos, preparados apenas para concordar com tudo e reproduzir seus pensamentos, não são mestres verdadeiros, mas criadores de rebanhos.

Normalmente, são as mentes monistas que acabam atraídas a esse tipo de rebanho. Não toleram a pluralidade, a dissidência, o contraditório, os “valores incomensuráveis” de que Isaiah Berlin falava. Ou tudo, ou nada. Ou aceita 100% do que prega a seita, ou está fora, é um inimigo mortal. Rebanhos não suportam um debate civilizado de ideias com foco nos argumentos. Por isso tantos ataques pessoais, xingamentos, rótulos.

E, como lembra Razzo, esse tipo de mentalidade é propícia para quem quer se eximir de responsabilidade por seus atos. Nas massas, como sabia Gustave Le Bon, o indivíduo pode se diluir no “todo” e agir como uma besta, por instinto, sem ter de assumir o peso de suas escolhas:

Uma massa é como um selvagem; não está preparada para admitir que algo possa ficar entre seu desejo e a realização deste desejo. Ela forma um único ser e fica sujeita à lei de unidade mental das massas. No caso de tudo pertencer ao campo dos sentimentos, o mais eminente dos homens dificilmente supera o padrão dos indivíduos mais ordinários. Eles não podem nunca realizar atos que demandem elevado grau de inteligência. Em massas, é a estupidez, não a inteligência, que é acumulada. O sentimento de responsabilidade que sempre controla os indivíduos desaparece completamente. Todo sentimento e ato são contagiosos. O homem desce diversos degraus na escada da civilização. Isoladamente, ele pode ser um indivíduo; na massa, ele é um bárbaro, isto é, uma criatura agindo por instinto.

E como é sedutor se deixar levar por tais sentimentos! Como temos a besta selvagem dentro de nós, à espreita, faz parte de nossa natureza querer liberá-la. Civilização é justamente domesticar tal besta. O individualismo é exatamente o esforço de colocar não só cada um como uma finalidade em si, mas também lhe cobrar responsabilidade – habilidade de resposta.

Os “coletivos” não querem saber de nada disso. Querem deixar o lado bestial suplantar o indivíduo civilizado. Precisam apenas da aprovação do rebanho. Do “mestre”. E aos demais, que ousam desafiar tal conforto, resta apenas o ódio, gerado pela insegurança de que seu mundinho pode ser, no fundo, uma ilusão, uma grande farsa. Esse outro precisa ser destruído, ou o castelo de cartas do rebanho vem abaixo, com seus pilares de areia.

Rodrigo Constantino

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