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O homem bom e o grande estadista
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A morte de George H.W. Bush, o quadragésimo-primeiro presidente americano, suscita uma boa discussão sobre as diferenças entre ser um homem bom e um grande presidente ou estadista.

George Bush pai, todos reconhecem, era uma pessoa de caráter, um herói de guerra que se dava ao trabalho de responder à mão quase todas as correspondências que recebia, sempre buscando inspirar os demais.

Tinha uma personalidade conciliadora, era moderado, buscava agregar. Daqueles que conviveram mais perto sabemos: era uma pessoa boa, um bom pai, um bom marido, um bom homem. Mas não foi um grande presidente.

E é isso que gera um bom debate. Donald Trump, desnecessário dizer, nem chega perto de George Bush quando o assunto é comportamento ético. Digamos que Bush seria uma boa referência moral como o avô dos nossos filhos, enquanto Trump poderia até ser aquele tiozão divertido e meio maluco, mas ninguém gostaria de te-lo como genro, por exemplo.

Em outras palavras, Trump não tem entre suas qualidades a postura nobre, de cavalheiro, com espírito moderado, que buscamos em nossos símbolos morais. Mas eis a questão: um bom presidente precisa mesmo ser um bom homem? Pior: será que para ser um grande estadista é possível ser um bom homem?

O que caracteriza um homem bom? É aquele que faz o que deve ser feito, sem demandar créditos, sem desejar holofotes. Ele se sacrifica pela família, é fiel como marido, é um bom pai, faz seus deveres do cotidiano com a convicção de que é a coisa certa a fazer, carrega sem vitimismo o fardo da responsabilidade de cuidar dos seus entes queridos.

São nas ações do dia a dia, sigilosas e discretas, que o homem bom vai contribuindo para formar uma boa família e, por tabela, uma boa sociedade. Se seu avô era um homem bom, isso provavelmente contribuiu para a sólida formação de valores do seu pai, que por sua vez ajudou a te formar um cidadão decente.

Só que essas características não necessariamente formam um grande estadista. Esse necessita das circunstâncias históricas e de determinadas qualidades que não precisam estar relacionadas ao seu bom caráter sequer. Churchill vem à mente: não era um ícone moral, tampouco um político muito reconhecido, até que a ocasião fez o maior estadista do século XX. Era alguém como ele de que o mundo ocidental precisava para enfrentar Hitler e o nazismo. Coragem, determinação, visão global, essas qualidades ele tinha. Mas não era exatamente um bom homem.

O filme “Um homem bom”, com Vigo Mortensen, mostra bem como atitudes de um homem comum, com bom coração, tolerante, podem acabar produzindo efeitos não-intencionais terríveis para terceiros. Ele era alguém que via, mas não necessariamente enxergava as coisas à sua volta, a ponto de ter uma compreensão abrangente do que se passava. Um estadista seria alguém com menos bondade no coração, mas preparado para agir de forma mais pragmática ou mesmo “imoral”, de olho em resultados maiores à frente.

O governo, para os liberais, deveria ser tarefa para homens bons, discretos, tolerantes e moderados, pois a função seria bem mais burocrática e menos grandiosa. Esse era o sonho liberal: um governo quase tão chato a ponto de só um homem bom apagado ter vontade de assumi-lo. Coolidge vem à mente. Talvez o próprio George Bush pai.

Mas essa visão liberal do estado é um tanto utópica, ou no mínimo ultrapassada. Hoje o presidente concentra tanto poder e se espera tanta coisa dele que o cargo deve ir para um super-herói, para alguém que vai salvar o planeta, acabar com a pobreza, derrotar os inimigos, erguer muros enormes e combater os privilegiados. Não é tarefa para um homem comum, e sim para alguém com tom messiânico – e por isso meio fanfarrão.

Trump não tem as qualidades de homem bom que tinha Bush, mas pode ser um estadista muito melhor, deixar como legado uma América maior. Dennis Prager, conservador que valoriza muito a questão dos valores morais, defende Trump com base em seu pragmatismo, lembrando que não buscamos – ou não deveríamos buscar – um presidente como referência moral. Para isso temos nossos pais, pastores, padres, rabinos.

Ele tem um ponto. Admiramos mais Bush como pessoa, como ser humano, mas isso não faz dele um presidente melhor do que alguém como Trump. Talvez seja uma pena que não dê para conciliar um homem bom com um grande estadista na mesma pessoa, mas essa parece ser a realidade. Homens bons raramente estão dispostos a fazer o que precisa ser feito em termos de resultados concretos, o que muitas vezes exigirá virar as costas para certos princípios morais.

É triste? Um pouco. Mas, como dizem os próprios conservadores, numa resignada aceitação da realidade, “it is what it is”. Como pai, quero um homem bom (e felizmente tenho). Como presidente? Prefiro um grande estadista.

Rodrigo Constantino

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