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O.J. Simpson na Netflix: uma aula de sociologia e política para liberais que acham que os fatos superam a narrativa
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Sou um liberal que sempre reconheceu as falhas do “departamento de marketing” do liberalismo. E por quê? Simples: porque muitas vezes, por estar com a razão, ter sólidos argumentos e contar com a História a seu favor, o liberal se esquece de que a batalha política é bem mais emocional do que racional.

Muitos liberais pecam, então, por focar demais só na economia, de forma técnica e árida, ou pela falta de disposição de se adaptar de forma mais realista e pragmática para seduzir pelo coração também, em vez de só tentar persuadir pela razão.

Já escrevi vários textos sobre isso, como este, em que alerto para a importância da cultura contra o “economicismo” de muitos liberais, este, em que resenho o ótimo livro de Arthur Brooks sobre a importância do coração na política, e este, em que mostro a relevância das emoções como contraponto aos bons argumentos colocados por João Dionísio Amoedo, presidente do Partido Novo.

Agora gostaria de recomendar a todos a série da Netflix “The People v O. J. Simpson: American Crime Story”, que dramatiza o “julgamento do século”, do ex-jogador de football e astro de cinema, acusado de ter matado a ex-mulher e seu namorado. É simplesmente imperdível e agradeço pela recomendação de Alexandre Borges, outro que vem tentando, como eu, mostrar aos liberais a importância do lado emocional e cultural na disputa política.

Borges é publicitário de carreira, portanto, sabe muito bem que para convencer alguém de alguma coisa não basta ter os melhores argumentos racionais. A premissa do “homo economicus” de muitos liberais, como se cada pessoa fosse uma máquina fria de calcular custos e benefícios o tempo todo, serve para modelos teóricos interessantes, mas não para apreender a realidade. O homem é muito mais do que isso.

E é o que fica claro na série, com John Travolta, Cuba Gooding Jr., Sarah Paulson e outros bons atores. Eu era muito novo na época, e lembro apenas de flashes, do clima em torno do caso, mas não conhecia detalhes. Lembro bem de ter certeza da culpa de Simpson, mas não dos motivos. E ao remontar a coisa toda, a série expõe o absurdo da absolvição do astro. Como assim, ele foi inocentado, com tantas evidências contra ele?

E eis o xis da questão, a mensagem da série e desse texto, em letras garrafais para não deixar dúvida: A NARRATIVA IMPORTA MAIS DO QUE OS FATOS. Os fatos todos eram inapeláveis: tudo apontava para Simpson como culpado. O DNA, o sangue na cena do crime, suas luvas, o carro, a falta de álibi, a ausência de qualquer outro suspeito, o histórico de violência doméstica, a tentativa de fuga, ele não ter perguntado como sua ex-mulher morreu ao receber a notícia de sua morte, enfim, o cara era claramente o assassino. Mas saiu livre. Como?

A série explora bem os motivos. Eram promotores capazes. Um deles era negro. Mas pecaram, na largada, pela soberba, aquilo que remete ao primeiro parágrafo sobre os liberais donos da razão: eles confiaram demais na solidez do caso, na robustez das evidências. E acharam que o júri seria igualmente racional. E negligenciaram o adversário, que jamais jogaria limpo.

Já os advogados de defesa, um time e tanto de estrelas do mundo jurídico, montaram todo o caso com base numa narrativa convincente, não levando em conta os fatos. Com pequenas verdades, contaram enormes mentiras. Desacreditaram o mensageiro para anular a mensagem, como quando conseguiram provas de que uma testemunha-chave era racista. E transformaram tudo numa grande batalha racial, entre “os negros” e a polícia de Los Angeles, ela toda uma organização racista.

Liderados pelo brilhante John Cochrane, negro ativista, os advogados coletivizaram o caso, que não passou a ser mais sobre a morte de Nicole e seu namorado, e sim sobre o racismo em geral. Com um júri repleto de negros, com forte pressão das ruas, pela mobilização dos ativistas, eles partiram para a guerra, sem escrúpulos, sem respeito aos fatos, sem medir esforços ao atacar os promotores em seus pontos fracos, ainda que de forma maquiavélica. Houve muita manipulação, inversão, exatamente como a esquerda costuma fazer durante as eleições.

Os dez episódios são aulas de sociologia, mostrando como é a natureza humana, suscetível sempre a cair numa boa narrativa, disposta a escutar histórias mais do que argumentos. E é também uma aula de política, especialmente para os liberais, que acham que basta ter os melhores argumentos e a razão a seu lado para vencer. Nada mais falso! Essa soberba leva apenas a subestimar o adversário, o inimigo, que não se importará de usar todas as armas disponíveis contra o outro, contra os fatos, contra a verdade, com o único objetivo de vencer.

E a esquerda assim tem vencido, por compreender melhor essa lição, e por não ter muitos escrúpulos na hora de mexer com as emoções do público. Obama, que por acaso também soube usar muito bem a “cartada racial”, é um ótimo exemplo disso. E os conservadores americanos, focando em pautas racionais, com candidatos bem preparados como Mitt Romney, não cansavam de perder. Até chegar Trump, que soube jogar o jogo como ele é, e que venceu, apesar de detonado pelos próprios republicanos.

Isso é um convite aos liberais para abandonarem os escrúpulos, para se tornarem populistas? Não! Claro que não! Mas é um alerta claro sim: se não souberem adaptar minimamente o discurso ao que realmente interessa para os eleitores, se não entenderem que o público precisa de uma boa narrativa, não apenas de sólidos argumentos, e se não sacarem que a economia é uma parte do jogo, mas nem de perto sua totalidade, já que a cultura importa muito, então podem dar adeus à vitória, porque os esquerdistas manterão o monopólio da política, entre a ala radical petista e a ala mais moderada tucana.

Se alguém que tinha “culpado” tatuado na testa como O.J. Simpson conseguiu obter do júri o veredicto de “inocente”, então até mesmo um Lula da vida pode ser eleito novamente. Não é possível subestimar a estupidez dos eleitores, até porque já tivemos provas suficientes dela quando o próprio Lula foi reeleito, e principalmente quando uma figura patética como Dilma venceu. A narrativa importa. A maioria vota com as emoções, não com a razão. Enquanto os liberais não perceberem isso, não terão chances concretas.

Rodrigo Constantino

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