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O país das utopias. Ou: Precisamos de menos Sartre e mais Aron
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Em artigo publicado hoje no GLOBO, Fabio Giambiagi confessa que escuta o programa “Hora do Brasil” (masoquista?), e que serve para retratar um espelho do país. Ali, sobram utopias e ninguém quer saber de custos, escolhas prioritárias ou de fonte dos recursos escassos. Diz ele:

Quando escuto tais bondades, lembro das palavras de FHC, expressas com “chapéu” de sociólogo, ao preparar Armínio Fraga para a sabatina no Senado e reproduzidas no seu livro “A arte da política” (Civilização Brasileira, página 428): “Não se esqueça do seguinte: o Brasil não gosta do sistema capitalista. Os congressistas não gostam do capitalismo, os jornalistas não gostam do capitalismo, os universitários não gostam do capitalismo… O ideal, o pressuposto, que está por trás das cabeças, é um regime não capitalista e isolado, com Estado forte e bem-estar social amplo.”

[…]

A “Hora do Brasil” é um relato de utopias. Ela espelha a alma nacional, onde os planos mirabolantes e a retórica das promessas ultrapassam o esforço em dimensionar o que se pode fazer, com o melhor retorno possível, dada certa restrição de recursos. Diz-se que Jean Daniel, diretor de “Le Nouvel Observateur”, teria dito: “Prefiro me enganar com Jean-Paul-Sartre a ter razão com Raymond Aron” (ambos protagonistas de intensas controvérsias ideológicas nos anos da Guerra Fria). Na cultura nacional onde, no terreno da retórica, tudo é possível, a grande maioria de nossos políticos prefere “se enganar com Sartre ao invés de ter razão com Aron”, ou seja, prometer coisas que não fazem o menor sentido, para não correr o risco de incorrer em um raciocínio que possa ser qualificado de “neoliberal”, “tecnocrático” ou “ortodoxo”. Um antigo diplomata dizia que “políticos preferem lidar com sonhos e não com a realidade, porque esta necessariamente impõe limites, enquanto nos sonhos tudo é possível”. O Brasil terá feito um avanço cultural no dia em que a “Hora do Brasil” deixar de ser o que sempre foi e levar o ouvinte a entender a dificuldade de fazer escolhas entre políticas, em vez de se limitar a ser um enunciado de ideais.

Na verdade, acredito que o Brasil terá feito um avanço cultural no dia em que a “Hora do Brasil” deixar de existir, posto que é uma absurda herança dos tempos ditatoriais. O governo não tem o direito de enfiar goela abaixo dos brasileiros, na hora do “rush”, tanta porcaria.

Mas concordo com Giambiagi: haverá avanço quando os próprios políticos ficaram constrangidos de fazer tantas promessas sem explicar de onde vêm os recursos, quais as escolhas que foram preteridas para o destino daqueles recursos, etc.

Para isso é importante ter uma oposição atuante e responsável, que cobre esse tipo de “detalhe”, e também um povo que compreenda que os recursos do estado não caem do céu. Infelizmente, muitos brasileiros ainda acreditam em Papai Noel e em estado benevolente que produz riqueza do nada.

E não falo apenas do povão. Por aqui, muitos “intelectuais” idolatram Sartre, e nem sabem quem foi Aron. É muita vocação para o atraso, não é mesmo? Vivemos no país das utopias. Até quando?

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