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O que há de populista no bolsonarismo?
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Populista é o líder popular de quem não gosto. Essa definição, irônica, serve para uma reflexão sobre o excesso de uso do conceito, sempre para definir o nosso adversário político. Mas, na verdade, o termo não é tão vago assim. Há critérios minimamente objetivos para definir um típico populista.

E quase todo líder muito popular, que produz um tipo de reação histérica de popstar, flerta com o populismo, pois as massas não são exatamente notórias pelo devido estudo, conhecimento e sobriedade no julgamento.

Normalmente, o populista adota visão de curto prazo, como naquela divisão feita por Churchill: o populista se preocupa com as próximas eleições, enquanto o estadista se preocupa com as próximas gerações. Ou seja, nesse sentido, o populista só pensa em seu projeto de poder, enquanto o estadista vai para o sacrifício político em prol do futuro da nação.

Além disso, o populista costuma oferecer “tudo grátis”, faz promessas irreais para distribuir benesses estatais de forma demagógica. Esse aspecto é bem comum na esquerda populista, que vive pregando mais vantagens e privilégios por meio do estado, como se ninguém mais precisasse trabalhar para produzir riquezas de fato.

Até aqui, fica claro que um Lula da vida era mil vezes mais populista do que Bolsonaro. Afinal, o atual presidente quer reduzir o tamanho do estado, tirar o governo do “cangote de quem produz”, aprovar reformas “impopulares” para conter o crescimento descontrolado dos gastos públicos. Não seriam bandeiras exatamente populistas.

Mas o que, então, faz com que Bolsonaro seja percebido por muitos, inclusive à direita, como um líder populista? Os seus fins propagados não parecem exatamente populistas. O grande problema seriam os meios pregados, os métodos utilizados pelo núcleo duro do bolsonarismo.

Seu populismo seria aquele que encara um político como messias salvador, com um discurso religioso de missão divina e líder ungido, que dá sentido metafísico à sobrevivência da facada para além de qualquer explicação mais racional. O populismo que acha que um presidente incorpora a “vontade geral”, que confunde o “desejo do povo” com o que pensa o próprio presidente, “amado pelo povo”.

Seria ainda um populismo que quer combater ou quiçá destruir as instituições intermediárias republicanas corrompidas, ou seja, que se alimenta retoricamente da antipolítica. Um populismo “purista” que busca monopolizar a ética contra corruptos por todos os lados, mesmo com suspeitas pairando sobre o clã Bolsonaro.

Por fim, um populismo que adota soluções simplistas para problemas extremamente complexos, um populismo coletivista que encara a nação como algo acima dos indivíduos, como diz o próprio slogan do governo. “Para cada problema complexo há uma resposta clara, simples e errada”, resumiu Mencken. O populista se abraça a essa resposta, e parte para um tribalismo binário de “nós contra eles”, de aliados fieis contra inimigos mortais.

Há populismo quando um presidente resolve mudar um projeto de reforma só porque sua esposa pediu, o que é típico do patrimonialismo que encara o governo como uma extensão da casa do governante. O populista ignora a liturgia do cargo e as convenções republicanas, tidas como besteira “burguesa” ou “liberal”.

Há populismo quando se cria abstrações para explicar todos os males do país ou do mundo, como “elites”, “establishment”, “sistema”, “globalismo”, “extrema-imprensa”. Podem ser problemas reais, mas na boca do populista viram bodes expiatórios para justificar qualquer postura maniqueísta. Todo populista se vende como representante do “povo” contra as “elites” malignas.

Quando um presidente enaltece um sujeito que espancou a mulher grávida e se suicidou, só porque era “boa praça”, ou seja, era um alinhado do ponto de vista ideológico, isso é uma forma de populismo, para jogar para a sua plateia, alimentar a militância engajada e tribal. O populista, especialmente da era moderna, foca bastante nos “likes” das redes sociais, falando para sua bolha numa câmara de eco, enquanto demoniza toda e qualquer crítica. O populista não tolera a imprensa livre.

O populista se vende como um “mito”, sendo que o único mito é sua imagem de incorruptível, e se mostra mais preocupado com “mitadas” no Twitter do que com resultados concretos de seu governo. O populista se cerca de bajuladores puxa-sacos, e aponta para cargos importantes gente claramente desqualificada só porque faz parte desse grupinho.

Enfim, como fica claro, Bolsonaro tem características de um populista sim, ainda que em doses bem menores do que Lula. O que, convenhamos, não é nenhum grande mérito. A agenda reformista liberal do seu governo não tem nada de populista. Mas os métodos que o bolsonarismo lança mão para mobilizar militância são bem populistas, e ideologicamente falando, Bolsonaro se enquadra naquilo que podemos chamar de nacional-populismo, que tem Steve Bannon como ícone maior.

O principal e pior aspecto desse tipo de populismo é criar um mundo tribal, binário, maniqueísta, onde questões extremamente complexas são tratadas de forma absurdamente simplista, e o debate fica bastante empobrecido, como numa torcida fanática de futebol. Um mundo sem nuanças, sem região cinzenta, pode ser um mundo mais confortável para mentes obtusas, mas não é um mundo realista.

PS: O direitista pode até alegar que pitadas desse populismo são necessárias para atrair multidões e vencer eleições, ou mesmo governar depois com o apoio da “pressão popular”. Há controvérsias, mas é um ponto legítimo. O que ele não pode fazer é negar o aspecto populista do fenômeno. Não é apenas “popular”, como muitos querem crer. É populista mesmo.

Rodrigo Constantino

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