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O que Luciano Coutinho poderia aprender com Israel
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Por mais que vá contra minha defesa do liberalismo clássico e do estado mínimo, preciso reconhecer, em nome da honestidade intelectual, que o papel do governo foi importante para fomentar o desenvolvimento do setor de tecnologia em Israel. É o que sustentam, com bons argumentos e fatos, os autores do excelente Start-Up Nation, livro que procura explicar o fenômeno israelense no setor.

Não falo apenas nos elevados gastos militares, absolutamente justificáveis no caso de Israel, rodeado por inimigos que almejam sua destruição completa, e que acabaram produzindo efeitos positivos nas inovações tecnológicas do país, produzindo engenheiros altamente qualificados. Outros países investem muito em tecnologia militar e nem por isso desenvolveram um dinâmico e inovador setor de tecnologia como Israel.

O ponto dos autores é que um programa de governo voltado para o fomento de inovações tecnológicas acabou sendo crucial para o deslanchar das firmas de venture capital que injetaram centenas de milhões de dólares em start-ups que atuaram como locomotiva do progresso israelense. Mas tudo foi feito de uma maneira bastante peculiar e até estranha para os costumes brasileiros.

O papel do venture capitalist não é apenas prover fundos para os investimentos, mas também agir como mentor, introduzir uma rede de contatos com outros investidores, apresentar clientes e compradores em potencial, tudo aquilo que acaba tornando a indústria atraente para novos negócios. Ou seja, um VC irá ajudar os empreendedores a construir seus negócios.

Mas como atrair tais investidores para Israel, um país pequeno em meio a inimigos árabes no Oriente Médio e mais conhecido por seu passado histórico e religioso do que qualquer coisa? Esse era o grande desafio, e o governo de Israel decidiu colaborar. O primeiro grande projeto foi uma parceria com o governo americano, criando o Binational Industrial Research and Development Foundation (BIRD), com recrusos iniciais de US$ 110 milhões.

Até o presente, o BIRD já investiu mais de US$ 250 milhões em 780 projetos, que resultaram, segundo os autores, em receitas diretas e indiretas de US$ 8 bilhões. Além desse impacto visível, o BIRD serviu para ensinar aos empreendedores israelenses como fazer negócio com os Estados Unidos. Uma avenida foi aberta e deu mais visibilidade ao mercado de investidores americanos, assim como, do outro lado, expôs o incrível capital humano existente em Israel, especialmente na engenharia.

Tendo que lidar com um fluxo migratório enorme de judeus russos, expulsos da União Soviética, o governo israelense criou, ainda, um total de 24 incubadoras de tecnologia, que forneciam recursos para os cientistas russos investirem em pesquisa e desenvolvimento. O governo financiou centenas de empresas por meio de pagamentos de até US$ 300 mil.

Mas o mais importante programa foi o Yozma, que em hebraico quer dizer “iniciativa”. O governo manteria 40% de participação acionária no novo fundo criado para inovações, e ofereceria aos demais acionistas o direito de comprar a um preço baixo essa participação, mais juros, se o fundo fosse bem-sucedido. Ou seja, o governo compartilhava o risco, mas os investidores ficavam com a recompensa, caso desse certo. Um negócio e tanto pela perspectiva dos investidores!

Aqui começa a singularidade desse programa: o governo queria ajudar a fomentar uma nova indústria de investimento em inovação, mas definiu na largada que essa ajuda seria temporária até atingir seu propósito inicial, em vez de criar um programa que continuaria indefinidamente.

Além disso, o governo seria acionista minoritário e não iria interferir na gestão ou em nada mais, provendo apenas os recursos. Nada parecido com um programa de “seleção de campões nacionais”, como faz Luciano Coutinho hoje com o BNDES, e como fez o mesmo na década de 1980, como ministro e ferrenho defensor da Lei de Informática.

Os dez fundos criados pelo programa Yozma entre 1992 e 1997 levantaram mais de US$ 200 milhões com a ajuda do governo. Em cinco anos, esses fundos foram comprados na íntegra pelos investidores, e hoje administram quase US$ 3 bilhões e ajudam centenas de empresas israelenses.

A indústria de venture capital foi o fósforo que acendeu o fogo, colocando Israel na liderança do desenvolvimento tecnológico mundial. Mais de 200 fundos de VC atuaram no país entre 1992 e 2009, e ainda existem atualmente mais de 40 deles, contribuindo com as start-ups que não param de trazer inovações ao mercado.

O programa Yozma ofereceu o componente que faltava à época, permitindo que Israel se juntasse ao boom de tecnologia dos anos 1990. Mas foi um empurrão inicial, basicamente com recursos, e de forma meritocrática, permitindo em seguida o funcionamento do livre mercado.

Ao mesmo tempo, o governo prejudicava outros setores com excesso de regulação ou intervenção, proibindo, por exemplo, a taxa de performance dos gestores, o que atrasou bastante os demais segmentos da indústria financeira no país. O resultado foi surpreendente: uma nação judaica sem um setor financeiro forte.

As mudanças revolucionárias viriam no governo de Ariel Sharon, mais precisamente pelo então ministro da Fazenda Benjamin “Bibi” Netanyahu, o atual primeiro-ministro. Ele não só cortou impostos, salários de funcionários públicos e empregos, como privatizou empresas que eram símbolos da remanescente influência estatal na economia. E, claro, permitiu as taxas de performance, o que viabilizou o nascimento das gestoras de recursos no país.

Netanyahu disse aos autores que precisou explicar às pessoas que o setor privado era como um homem magro carregando um gordo nas costas – o governo. As reformas despertaram a fúria de muitos e levaram a greves dos sindicatos, mas o resultado final foi excelente. Israel poderia dar prosseguimento ao seu sucesso econômico, agora com mais liberdade de mercado ainda.

A moral da história é que, no caso específico de Israel, e por várias razões peculiares à sua história, o governo acabou exercendo grande influência no despertar do setor de tecnologia. Mas fez isso de forma transparente e cedendo cada vez mais autonomia aos próprios investidores, em vez de adotar uma visão arrogante de que os políticos e tecnocratas saberiam melhor onde investir os recursos.

Investimentos em inovação tecnológica são fundamentais para o avanço de qualquer país no século 21, na era da informação. Claro que não basta jogar recursos públicos. Israel congrega inúmeras características que ajudam a explicar o fenômeno no setor, como a cultura do povo judeu, sua informalidade e rejeição à hierarquia, forma direta de se expressar, tolerância ao risco e ao fracasso (caso dele seja extraída alguma lição), o conhecimento adquirido nos anos de serviço militar obrigatório, entre outras coisas.

Mas sou obrigado a reconhecer que, somado a tudo isso, o governo teve um papel relevante, graças a alguns líderes políticos que tiveram a visão de longo prazo e colocaram os interesses nacionais realmente à frente. Eis outra grande vantagem de Israel, impossível de ser replicada: há no país um forte senso de propósito, um desejo de superação, que acaba unindo muitos em torno de objetivos comuns.

Rodrigo Constantino

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