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O sucesso é hereditário?
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Uma entrevista publicada hoje no site da Veja com o economista escocês Gregory Clark, da Universidade da Califórnia, levanta pontos interessantes para nossa reflexão. Com base em informações genealógicas e estatísticas coletadas em nove países sobre milhares de famílias, ele afirma que a ascensão social duradoura – aquela que beneficia não apenas um indivíduo, mas também seus descendentes – é um fenômeno raro e pouco influenciado pela adoção de políticas sociais. Abaixo, alguns trechos da entrevista:

Eu não afirmo que não haja recompensa para o esforço individual. O que eu constatei é que as habilidades que levam uma pessoa a ter sucesso acadêmico ou financeiro parecem ser herdadas e passadas de geração em geração. E é muito difícil para qualquer sociedade quebrar essa dinâmica.

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Veja o caso da Suécia, uma sociedade em que as pessoas têm um sistema de educação aberto e acessível por meio do Estado. Ainda assim, numa perspectiva de longo prazo – que é aquela que eu adoto, como é importante enfatizar – o nível de mobilidade social não cresce. Peguemos o Chile como contraponto e o fenômeno se repete. Os sobrenomes das famílias chilenas que eram proeminentes no período colonial continuam sendo até a mais recente geração. O governo socialista de Salvador Allende não melhorou a mobilidade social, assim como o ditador Augusto Pinochet não a reduziu. E assim foi também nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha ou em outros países da minha pesquisa.  

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Eu não estou dizendo que um país não terá sucesso transferindo renda e dando serviços à população. O que digo é que é inútil usar esse argumento para tentar acelerar o processo de mobilidade, ainda mais se interpretarmos esse processo de mobilidade como algo que vai além do dinheiro. Então é preciso ter uma noção dos limites desse tipo de política. Pode levar mais de 10 gerações para que um indivíduo de classe mais baixa atinja o topo e permaneça ali juntamente com sua descendência.

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Minha pesquisa sugere que não se pode descartar de antemão a hereditariedade como determinante do sucesso de um indivíduo na sociedade. Não temos evidência para excluir a genética desse processo. Pelo contrário: parece difícil exclui-la. Há uma conexão surpreendentemente forte entre passado, presente e futuro. Com base em registros de sobrenomes, podemos olhar uma família e estimar se 200 ou 300 anos à frente ela ainda vai estar bem ou não.

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É uma ilusão pensar que tudo é possível. Porque, no fim, muita coisa parece estar programada. Na Grã-Bretanha, por exemplo, quando se faz um levantamento sobre a riqueza das pessoas, é possível prever, por meio da riqueza do tataravô de um indivíduo, se ele estará numa boa posição hoje e nos anos que virão. E isso não significa que o tataravô tenha que, necessariamente, deixar uma herança. 

O que penso disso tudo? Bem, ainda não li o livro, mas, para começo de conversa, penso que o debate civilizado é sempre bem-vindo, e que devemos focar nos dados e na lógica dos argumentos, mesmo que isso possa incomodar algumas crenças pré-estabelecidas.

Hoje em dia só o fato de citar a genética como um fator a ser levado em conta já é algo que desperta a fúria de muita gente, pois remete automaticamente às políticas nazistas. Mas não é porque Hitler e companhia foram monstros e desvirtuaram completamente a biologia para fins espúrios que ela deixa de ser relevante para a ciência.

Por falar em nazismo, pensemos no caso dos judeus. Segundo Niall Ferguson em Civilização, Israel registrou 7.652 patentes entre 1980 e 2000, comparadas a somente 367 de todos os países árabes combinados. Não custa lembrar que tudo isso foi conquistado sob constante ameaça terrorista dos vizinhos, o que forçaria um pesado gasto militar do governo. Ainda assim, o país despontou no campo científico e tecnológico, oferecendo enormes avanços para a humanidade.

Contando com cerca de 0,2% da população mundial e 2% da população americana, os judeus ganharam 22% de todos os Prêmios Nobel, 20% de todas as Medalhas Fields de matemática e 67% das medalhas John Clarke Bates para melhores economistas abaixo de quarenta anos. Os judeus ganharam ainda 38% de todos os Oscar de melhor diretor, 20% dos Prêmios Pulitizer de não-ficção e 13% dos Grammy Lifetime Achievement Awards. Algum fator cultural deve explicar tanto sucesso. Ou teria algum elo com a genética?

Particularmente, acredito na mobilidade social, não com base em puro “achismo”, mas sim com base em experiência própria, observação e estatísticas. Basta olharmos os setores mais dinâmicos, principalmente o de tecnologia, para verificar como o mérito individual, com boas pitadas de sorte, faz toda diferença. Ricaços bilionários de hoje eram completos pé-rapados ontem, com um punhado de dólares em uma garagem e um sonho na cabeça.

O capitalismo de livre mercado sem dúvida permite maior mobilidade, especialmente se o compararmos com as alternativas: feudalismo, socialismo, social-democracia com estado-babá e capitalismo de estado, com muitos privilégios distribuídos pelo estado aos “amigos do rei”. Em ambiente de livre concorrência, os herdeiros vão à bancarrota se não colocarem a herança para trabalhar de forma adequada a satisfazer a demanda dos consumidores.

Dito isso, claro que a própria cultura familiar faz diferença. Ser criado em um ambiente que estimula os valores do empreendedorismo já é largar de um ponto de partida desigual, algo que os utópicos que falam em igualdade de oportunidades nunca levam em conta. Fora isso, há a rede de contatos, muito valiosa, as viagens, as experiências, tudo que a riqueza pode comprar.

Por fim, há, quem sabe, o fator genético, a hereditariedade. Não sabemos ao certo até que ponto ela exerce influência, mas seria absurdo crer que é nula. Nesse sentido considero a provocação do economista interessante, mesmo que incomode minha visão liberal com grande peso depositado na meritocracia individual, independentemente da origem.

Assim como deve incomodar a esquerda paternalista, já que seus programas de transferência de riqueza não surtiriam os efeitos desejados. De onde viemos faz, então, tanta diferença assim? Fica a questão…

Rodrigo Constantino

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