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A Odebrecht comprou o controle acionário de um banco em Antígua, no Caribe, mantido em nome de terceiros, para abastecer contas no exterior, grande parte delas usadas para fazer pagamentos determinados pelo setor de Operações Estruturadas, departamento criado pelo grupo exclusivamente para distribuir propinas. O Meinl Bank Antígua foi adquirido em 2010 por executivos ligados ao grupo e movimentou cerca de US$ 1,6 bilhão em mais de 40 contas. As informações são de Vinícius Borin, um dos três integrantes da administração do banco, que assinou acordo de delação premiada na Lava-Jato e prestou depoimento no último dia 17. Além de Borin, assinaram delação os também operadores Luiz Augusto França e Marco Pereira de Souza Bilinski.

Segundo Borin, a compra de 51% do Meinl Bank Antígua foi fechada por US$ 3,984 milhões e o restante permaneceu com o Meinl Bank Viena. Mais tarde, o grupo exerceu opções de compra e chegou a deter 67% das ações da instituição.

Segundo Borin, as contas que operavam para a Odebrecht foram abertas em nome de terceiros, como o Fernando Migliaccio, que foi funcionário do grupo, e Olívio Rodrigues Junior, que foi sócio da Graco Corretora. Para justificar o repasse de dinheiro a terceiros eram firmados falsos contratos de prestação de serviços, confeccionados por uma advogada que acabou passando a receber um valor mensal de US$ 6 mil apenas para fazer os documentos.

Um banco comprado só para propinas? Até onde vão os tentáculos do grupo baiano? Mario Sabino, escrevendo pelo Antagonista, afirma que a empresa deveria ser extinta, pois não passa de uma organização criminosa disfarçada:

A esta altura, não há dúvida razoável: a Odebrecht é uma organização criminosa disfarçada de empresa. Como tal, tem de ser totalmente desmantelada. A Odebrecht precisa ser extinta.

Está errado dizer que ela mantinha um departamento de propina. O correto é afirmar que era composta por um núcleo de corrupção cercado de departamentos que lhe serviam de fachada para roubar dinheiro público. Tanto é que a transferência para esse núcleo significava uma promoção para os funcionários.

Deixemos o purismo para os idealistas românticos e sejamos práticos e sinceros: operar num país como o Brasil, a partir de certo tamanho, significa invariavelmente ter de pagar subornos. É que o custo da legalidade é proibitivo, e o governo, que controla 40% da economia, só opera dessa forma: criando dificuldades legais para vender facilidade ilegal depois. Todos conhecem inúmeras histórias de achaque, de suborno de fiscal, de propina para poder continuar operando.

Se o negócio envolve obras para o setor público, então, é quase impossível não rolar nada por fora, pois sem isso os políticos farão de tudo para inviabilizar qualquer negócio. Licitação? Até parece que o mais eficiente levará sempre mesmo. Quem foca no empresário em vez de atentar para o sistema e o mecanismo de incentivos age por preconceito ideológico, querendo atacar o capitalismo em vez da centralização de poder no estado.

Dito isso, há que se fazer distinções importantes aqui. Uma coisa é o empresário ter de dançar conforme a música para sobreviver, preservar seus empregos, lucrar. Nisso entra na conta pagar de vez em quando uma “gratificação” ao fiscal corrupto, que encontra em inúmeras regras absurdas constante munição para impedir o funcionamento de qualquer negócio grande; ou então oferecer financiamento de campanha para partidos, de modo a poder participar de contratos com o governo e estatais (que deveriam ser privatizadas). Outra, bem diferente, é montar um esquema ativo de corrupção para apodrecer ainda mais o sistema podre e conquistar o país todo em simbiose com a máfia política.

Foi isso que fez a Odebrecht. A empresa não foi levada a pagar subornos para sobreviver no sistema carcomido; ela montou enormes esquemas ativos para corromper ainda mais o sistema. Marcelo Odebrecht se mostrou ganancioso ao extremo, viu na chegada da quadrilha petista ao poder uma oportunidade de ouro para se unir de vez ao governo numa estratégia de pilhar os cofres públicos até os últimos centavos.

O perigo que vejo em se misturar tudo – quem já teve de pagar algum suborno para não fechar as portas e quem comprou até banco no exterior para irrigar contas de políticos – é atenuar o ato infinitamente mais pernicioso e imoral do segundo. É como misturar quem atirou para se defender do bandido e quem atirou para matar um inocente. Sim, ambos “atiraram”, mas um o fez por legítima-defesa, o outro por ser marginal.

É fácil julgar de fora todos os empresários que eventualmente já tiveram de pagar por fora para não fechar as portas. Claro que o ideal seria ele não fazê-lo e ainda denunciar o corrupto. Mas exigir isso é querer mártires nos negócios, não empresários, ainda mais num país como o nosso. Quem julga dessa forma intransigente, normalmente pessoas mais idealistas ou com viés anticapitalista, primeiro deveria responder se já contratou alguma empregada sem carteira, se já recebeu alguma consulta sem emitir recibo ou algum serviço sem nota fiscal.

É errado, eu sei, e sou o primeiro a cobrar uma postura mais ética de todos, no dia a dia. “Restauremos a moralidade, ou nos locupletemos todos”, disse Stanislaw Ponte Preta, a frase que escolhi para a epígrafe do meu novo livro Brasileiro é Otário? – O alto custo da nossa malandragem, justamente sobre essa corrupção geral da nação, o jeitinho. Mas nem por isso vou fingir que é tudo igual: o que aceitou o achaque para sobreviver e o que montou uma organização criminosa para corromper tudo ainda mais.

Portanto, sem purismo, sem idealismo, concordo com Sabino: a Odebrecht passou de qualquer limite aceitável, e deveria ser extinta. Não há multa suficiente para permitir a manutenção da empresa. Não há penitência monetária capaz de conceder o perdão aqui. Os laços com o governo se tornaram umbilicais, e já não é mais possível distinguir onde começa a máfia política e a empresarial.

A Odebrecht deveria desaparecer, assim como o PT. Ambos acharam que o Brasil inteiro era “propriedade privada”, e transformaram a “coisa pública” em cosa nostra. A punição deve ser exemplar, para transmitir um recado claro a todos os outros potenciais mafiosos.

Rodrigo Constantino

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