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Os palpiteiros de plantão: fenômeno amplificado pelas redes sociais
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Os leitores podem procurar, mas não vão encontrar neste blog artigos sobre física quântica ou nanotecnologia, por exemplo. O motivo é bastante simples: entendo patavinas desses assuntos complexos. Teoria das cordas? Fractais? Buraco negro? Prefiro passar, para evitar o constrangimento. Economia e filosofia política? Nesses assuntos eu já ouso meter meu bedelho, sempre procurando dar embasamento às minhas opiniões, que não são meras opiniões (chutes), e sim conclusões após boa dose de estudo e reflexões.

Não posso evitar o espanto, portanto, com a enorme quantidade de “economistas” que proliferam por aí, de onde menos se espera. O sujeito é ator a vida toda, não concluiu curso superior algum nem leu nada de economia, mas ele vem cheio de opiniões fortes (dogmáticas?) sobre a austeridade ou a crise grega. O outro é humorista, ganha a vida escrevendo textos sobre a comédia da vida privada, e de repente se sente à vontade para falar de taxa de juros. A outra é psicanalista, conhece no máximo os enfadonhos seminários lacanianos, mas eis que fala de tudo, sempre com uma propriedade incrível, a julgar pelo tom das colocações.

São os palpiteiros de plantão, fenômeno que certamente não é novo, mas que foi bastante amplificado pelas redes sociais. Falta, a essa gente, o mínimo de humildade para reconhecer que temas complexos demandam uma abordagem cautelosa, e que exigem um mínimo de conhecimento sobre o assunto. Nada disso: essa turma pulou essas etapas chatas e trabalhosas e chegou logo na parte divertida, que é ter opinião formada sobre tudo, de forma extremamente arrogante. E ainda apelam às autoridades, pois sempre será possível encontrar embusteiros renomados, que usam suas credenciais acadêmicas para vender sensacionalismo barato ou fazer militância ideológica.

Pensar dá trabalho. Estudar, mais ainda. Cobrar coerência dos diferentes pontos de vista, idem. Como é doce a vida dos palpiteiros! Não precisam de nada disso. Basta repetir slogans prontos na internet, criticar os “gananciosos”, atacar a “austeridade”, demandar “menor taxa de juros”, defender os adolescentes marginais “vítimas da sociedade”, e vida que segue, no conforto de quem não precisa lidar com a realidade. Em Esquerda Caviar, incluí a preguiça mental como uma das possíveis origens do fenômeno:

A preguiça também atrai muitos à esquerda festiva. Não é preciso estudar a fundo, pesquisar, refletir e pensar sobre como resolver de verdade os problemas. Basta aderir a um grupo, repetir meia dúzia de slogans bonitos e usar palavras mágicas como “justiça social”, “tolerância”, “diversidade”, “sustentabilidade” e “paz” que você automaticamente ganha o respeito de muitos bobalhões e posa como alguém cheio de opiniões sobre os mais variados assuntos.

O ex-comunista Arnaldo Jabor assumiu, sobre sua luta de juventude: “Era uma vingança contra traumas familiares, humilhações, pequenos fracassos. Era também uma mão-na-roda para justificar a nossa ignorância – não, pois não precisávamos estudar nada profundamente, por sermos a ‘favor’ do bem e da justiça”.

A esquerda caviar está repleta de filósofos de botequim, que fazem aquelas leituras rápidas de como aprender sobre um pensador profundo em trinta minutos. São também devoradores de orelhas de livros. Depois, com o típico ar professoral da turma, ligam a metralhadora giratória de verborragia, de citações vazias, mas embaladas em mantos de sabedoria, e pronto: assunto encerrado; podem bancar os superiores na roda do grupo.

O filme Para Roma com amor, de Woody Allen, satirizou esse tipo na personagem de Ellen Page, uma jovem sedutora meio maluquinha e rebelde, que adora repetir algumas frases de poetas e escritores para impressionar os outros. Profundidade que é bom, nada! Se essas frases forem citadas em francês então, é a garantia da boa imagem de intelectual culto e humanista. “Reparem como o sujeito que fala em francês e pensa em francês toma ares de gênio e de infalibilidade”, alfinetou o sempre atento Nelson Rodrigues.

O que você acha sobre o impacto dos gastos públicos na taxa de juros de longo prazo? “Sou pela justiça social, meu amigo”. E o que você faria em relação ao problema da imigração e do subemprego dos imigrantes em uma sociedade de bem-estar social com impostos cada vez maiores? “Sou pela diversidade, meu chapa”. Como você acha que a ameaça terrorista deveria ser enfrentada? “Paz e amor, brother”.

Não existe maneira mais rápida e fácil de comprar um pacote pronto e completo de “soluções” para todos os males do mundo do que ingressar na esquerda caviar. Os artistas serão seus aliados, os intelectuais vão defender bandeiras iguais, e a grande imprensa vai acompanhar seus gritos nobres por justiça e paz. Qualquer um pode repetir esses chavões, até mesmo o mais idiota dos idiotas.

Umberto Eco, em entrevista recente às páginas amarelas da Veja, falou do mesmo assunto:

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Ignorância é não saber de algo; estupidez é não admitir a própria ignorância. Qual o problema em ser ignorante em áreas que não são sua especialidade? É a coisa mais normal do mundo. Ignoro um monte de coisas sobre inúmeras disciplinas e áreas do conhecimento humano. Não vejo mal nisso, até porque não nos foi dada a capacidade da onisciência. Fico embasbacado com a nanotecnologia, por exemplo, que foge à minha compreensão. Mas não reconhecer essa limitação, isso é estupidez, imbecilidade.

Dom Lourenço de Almeida Prado, que foi reitor do prestigiado Colégio São Bento, também tinha palavras nada lisonjeiras para se referir a essa gente:

O palpiteiro é o que fala do que não sabe, intrometendo-se em assunto que desconhece. Há palpiteiro “inocente”, que nem chega a perceber que está falando com voz de quem ignora. Há o palpiteiro alegre, contente consigo mesmo e, por isso mesmo, o mais ridículo. Este é o comum entre os locutores de rádio e televisão. Esquecem-se de que o assunto deles é futebol e passam a sentenciar sobre política e religião.

Em Por Trás da Máscara, livro que disseca o fenômeno dos black blocs e das manifestações de junho de 2013, Flavio Morgenstern também versa bastante sobre os palpiteiros, usando estudiosos sobre a psicologia das massas, como Ortega y Gasset, para explicar os tipos. Diz o autor:

Todavia, Slavoj Žižek não foi o único a dar seus pitacos. Não demoraria muito para que a mídia esquerdista americana (o que é praticamente toda a grande mídia americana, à exceção da Fox News e de alguns nomes isolados, sobrando espaço para a direita apenas em sites) chamasse os seus “especialistas” para falar, da mesma forma com que os “sociólogos” são chamados a analisar tudo no Brasil, de assassinato de focas a preços de jogos da série B, pela chave da “desigualdade social” e do “preconceito”. Logo, os maiores palpiteiros do show business americano dariam as caras. Sean Penn, Michael Moore, Bill Maher, Noam Chomsky, Van Jones, Nancy Pelosi, Sherrod Brown, Harry Reid, Keith Olbermann e todo o restante do desfile de beautiful people que compõe a totalidade dos palpiteiros da esquerda caviar de sempre tomariam a voz dos manifestantes para falar por eles o que eles não conseguiam falar sozinhos.

[…]

Quando um pensador (ou falante, ou palpiteiro, ou orador diante de um auditório ou multidão) fala em nome de um coletivo, seja qual for, dá uma autoridade imortal, ou ao menos de duração indistinta, ao que profere (sem falar na duração de ações e responsabilidades). A autoridade que outorga a si mesma é plenipotente, amorfa, se estende por gerações. Claro, num engodo absurdo: por isso, acredita‑se tanto em mentiras criadas nas universidades e academias de ciência por séculos, mesmo séculos depois de serem desmentidas. A “autoridade” da coisa permanece. É a “academia” quem diz (muitas vezes, não são nem coletivos, e a própria atividade parece falar como um sujeito: “é a ciência quem diz”).

Sim, muitas vezes o palpiteiro vem com um diploma por trás também, mas não deixa de ser palpiteiro, pois se recusa a efetivamente pensar por conta própria, e apresentar suas “opiniões” sempre respaldadas por bons argumentos. Nesse aspecto, podem ter até doutorado, mas não deixam de ser como o “homem-massa” de Ortega y Gasset, aquele que se recusa a assumir o fardo do raciocínio próprio, preferindo seguir a maré como uma bóia à deriva. Diz o filósofo espanhol sobre esse tipo de pessoa:

É intelectualmente massa aquele que ante um problema qualquer se contenta com pensar o que boamente encontra em sua cabeça. É, pelo contrário, egrégio aquele que desestima o que acha sem prévio esforço em sua mente, e só aceita como digno dele aquilo que está acima dele e exige um novo estirão para alcançá‑lo. (…) Sob as espécies de sindicalismo e fascismo aparece pela primeira vez na Europa um tipo de homem que não quer dar razões nem quer ter razão, mas que, simplesmente, se mostra resolvido a impor suas opiniões. Eis aqui o novo: o direito a não ter razão, a razão da sem‑razão.

[…]

Hoje, pelo contrário, o homem médio tem as “ideias” mais taxativas sobre quanto acontece e deve acontecer no universo. Por isso perdeu o uso da audição. Para que ouvir, se já tem dentro de si o que necessita? Já não é época de ouvir, mas, pelo contrário, de julgar, de sentenciar, de decidir. Não há questão de vida pública em que não intervenha, cego e surdo como é, impondo suas “opiniões”.

Cada macaco no seu galho. O mundo seria um lugar melhor se as pessoas tivessem mais humildade para reconhecer suas limitações em áreas que não dominam bem, em que nunca se debruçaram com empenho para delas extrair verdadeiro conhecimento. Mas essa postura é, infelizmente, cada vez mais rara no mundo moderno. Qualquer um acha que pode sair dando pitaco em todo tipo de assunto, com incrível arrogância.

Sim, defendo a liberdade de expressão até mesmo dos néscios. Mas não deixa de ser um espetáculo grosseiro ver tanta imbecilidade proferida como se fosse a maior verdade do mundo, recém-descoberta por algum gênio qualquer. Um pouco mais de “simancol” não faria mal algum a essa gente…

Rodrigo Constantino

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