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Participação de pessoa física desaba na Bolsa e é a menor em 16 anos
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Há alguns anos, quando ainda atuava no mercado financeiro, fui a um evento organizado por um banco de investimento e o então presidente da BM&FBovespa mostrava suas agressivas metas de conquistar até cinco milhões de investidores pessoa física cadastrados para operar no nosso mercado de ações, um salto superior a dez vezes a quantia da época. Desde então, o número de investidores pessoa física só caiu…

Uma reportagem da Folha de hoje mostra que é a menor participação de pessoa física na Bolsa em 16 anos. A alta volatilidade é apresentada como uma das principais razões:

O sobe e desce da Bolsa neste ano levou à maior fuga de pessoas físicas do mercado de ações dos últimos 16 anos. Até 25 de novembro, a parcela dos pequenos investidores na BM&FBovespa era de 13,9% –se terminar 2014 dessa forma, será o menor nível anual desde 1998, quando foi de 12,3%.

Mesmo no auge da crise global, em 2008, a proporção de pessoas físicas na Bolsa era o dobro da atual: 26,7%. Foi a 30,5% em 2009, mas, desde então, tem caído a cada ano. Em 2013, chegou a 15,2%.

A alta volatilidade é o que mais afugenta esse investidor, segundo analistas. Neste ano, isso foi intensificado pelo pessimismo econômico e pelo aumento dos juros.

Fonte: Folha Fonte: Folha

Além do pessimismo (realismo?) econômico, da alta volatilidade e do desconhecimento desses investidores menores em geral, que muitas vezes chegam no fim de festa para apagar a luz, o que mais poderia afugentá-los do mercado de ações brasileiro? Não é pouca coisa, claro, mas não é “apenas” isso. Abaixo, tentarei acrescentar outros fatores importantes e muitas vezes negligenciados.

Em primeiro lugar, o fator cultural. Ao contrário dos americanos, por exemplo, os brasileiros encaram a Bolsa como um cassino, não como um local para investir suas economias com foco no longo prazo. Apesar do esforço de iniciativas como as da XP Investimentos, a corretora que começou como XP Educação dando vários cursos para leigos, divulgando e educando seus futuros clientes, o fato é que a maioria ainda enxerga a Bolsa como pura “jogatina”, o que afasta muita gente do mercado de ações. Preferem a loteria ou o jogo do bicho…

Outro ponto que não pode ser deixado de lado é a segurança institucional dos acionistas minoritários. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o “xerife” dos mercados, tem tentado melhorar e fazer sua parte, mas sempre faltam recursos e gente para investigar tantos casos. No mais, quando abusos evidentes vêm à tona, os investidores não sentem que o “xerife” pune os controladores como deveria. Os casos mais evidentes são os do grupo X, de Eike Batista, e da própria Petrobras.

Por fim, e esse é o principal motivo do afastamento dos investidores pessoa física em minha opinião, está algo que não podemos jamais subestimar: os retornos das ações brasileiras tendem a ser ruins mesmo, quando comparados aos da renda fixa. A alternativa é confiar – e pagar caro por isso – na capacidade de seleção dos analistas e gestores, para filtrar as melhores ações, pois os índices em geral não oferecem retornos interessantes ao longo do tempo. Só que “bater” o índice nunca é tarefa fácil.

O mau desempenho dos índices de ações tem ligação direta com o próprio crescimento econômico medíocre, claro, já que o Brasil é campeão mundial de “voos de galinha”, barulhentos, espalhafatosos, mas com baixa altitude e pequeno alcance. Uma economia incapaz de crescer de forma sustentável não pode ter várias empresas crescendo tanto seus lucros para justificar uma alta consistente da Bolsa.

E, para piorar a situação, a renda fixa, que concorre com as ações na disputa por alocação de capital, costuma oferecer bons retornos por aqui. É o tal “rentismo”, que a esquerda critica com razão, mas sem compreender o diagnóstico, e propondo mais do veneno que causa o problema: intervenção estatal e governo gastador.

Nossa taxa de juros é alta justamente porque o governo tem fome voraz por recursos, subtraindo da poupança doméstica quantia expressiva que poderia aumentar a oferta de capital nos mercados. A demanda insaciável do governo por nossos recursos pressiona a taxa de juros para cima, fornecendo aos seus credores bons retornos. Emprestar dinheiro para nosso governo perdulário e ir para a praia pode render melhores retornos do que investir em nossas empresas e correr o risco da Bolsa. É o que mostra a história desde 2000:

Base 100 = 2000. Fonte: Bloomberg Base 100 = 2000. Fonte: Bloomberg

Ou seja, aquele que colocou R$ 100 no CDI (renda fixa) e sumiu pelos últimos 14 anos, viu seu capital se multiplicar por sete em termos nominais, sem descontar a elevada inflação. Mas quem investiu em ações teve retorno menor, e ainda precisou perder várias noites de sono com a incrível volatilidade. Em 2008, teve que beijar o diabo lá no inferno. Valeu a pena tanta dor de cabeça?

O índice Bovespa é pior ainda: entregou metade do retorno do CDI no período. É preciso levar em conta os dividendos pagos pelas empresas, o que ameniza parte da absurda perda relativa. Ainda assim é um desempenho terrível, puxado basicamente pelas estatais destruídas durante o governo Dilma. Quem foge da Bolsa em um país como o Brasil é medroso, ignorante ou sábio?

A julgar pelo passado recente, a última opção. De pouco adianta o homérico trabalho dos agentes da XP Educação se o governo não faz sua parte. Minoritários inseguros com os abusos dos controladores, principalmente o próprio governo, uma economia capenga que não cresce, e um governo gastador que precisa pagar elevados juros para se financiar compõem um quadro desfavorável para os investidores de bolsa no Brasil. Mesmo no longo prazo.

Reverter isso será tarefa para uma geração, no mínimo. Será preciso intensificar o trabalho de esclarecimento que tem sido feito, para mostrar que Bolsa não é cassino, e sim um poderoso instrumento para financiar as empresas brasileiras. A CVM terá que proteger mais os minoritários. O governo terá que reduzir seus gastos, o crédito público, e permitir que o mercado de capitais floresça com mais liberdade. As estatais precisam de melhor governança, no mínimo, e de preferência serem privatizadas. Nossa economia precisa voltar a crescer, e de forma sustentável.

Em suma, o Brasil precisa de um choque de capitalismo, com amplas reformas liberais. Caso contrário, continuaremos culpando o inexistente “livre mercado” pelos males que assolam nosso país, enxergando a Bolsa como um cassino e condenando os “rentistas” que vivem à custa do governo gastador, enquanto nossas empresas lutam para sobreviver em um ambiente cada vez mais hostil e com ar extremamente rarefeito.

Rodrigo Constantino

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