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Pedaladas hermenêuticas na tentativa de defender a indefensável Dilma
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Por Bernardo Santoro, publicado no Instituto Liberal

Hoje li um artigo do prof. Ricardo Lodi, intitulado “Pedaladas hermenêuticas no pedido de impeachment de Dilma Rousseff”.

Segundo o artigo, os autores do pedido de impeachment recebido pelo Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, distorcem a interpretação de conceitos jurídicos para promoção da subsunção dos fatos praticados pela Presidente Dilma ao crime de responsabilidade.

Lodi traz basicamente quatro argumentos em seu artigo: (i) que o atraso nos repasses dos recursos do Tesouro Nacional para os bancos públicos que promovem o pagamento de determinadas despesas públicas (as conhecidas pedaladas fiscais) não pode ser considerado operação de crédito de bancos públicos ao Tesouro; (ii) que mesmo que fosse operação de crédito, estaria desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal, e não a LOA, portanto não é desrespeito ao orçamento que leve a crime de responsabilidade; (iii) que interpretar que qualquer violação à lei orçamentária enseja crime de responsabilidade desrespeita o princípio da supremacia da democracia na destinação de recursos públicos; e (iv) como a Lei Orçamentária só autorizou a abertura de créditos suplementares se atingida a meta fiscal, e essa meta só foi atingida com as pedaladas supostamente ilegais, então a abertura de créditos suplementares promovida seria eivada da mesma ilegalidade, mas para Lodi, como não há ilegalidade na pedalada, logo, não há ilegalidade na abertura de créditos suplementares.

Quanto ao primeiro argumento, vamos trazer o problema para uma perspectiva mais simples. O Governo contratou com alguns bancos públicos que esses bancos deveriam receber recursos do caixa do Governo e repassá-los aos beneficiários. Como o Governo atrasa constantemente esses repasses, incidindo juros contratuais por esse atraso, repisa-se, rotineiramente, ficou claro para o TCU que, na verdade, o Governo estava usando dinheiro de bancos públicos para se financiar, o que é vedado pelo ordenamento jurídico. Segundo Lodi, esse argumento é fruto de uma interpretação absurda, pois o inadimplemento contratual com juros não traz equiparação lógica com a operação de crédito, que tem regramento próprio.

Bem, essa interpretação supostamente absurda, criticada por Lodi, é feita pelo próprio Governo. Segundo o site da Fazenda Nacional, “operação de crédito corresponde ao compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros. Equipara-se à operação de crédito a assunção, o reconhecimento ou a confissão de dívidas.

Ainda que o Governo não reconhecesse que essa pedalada é uma operação de crédito (o que ele faz), o douto professor sabe que lacunas legislativas são preenchidas justamente através do exercício da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito. Parece leve mau-caratismo ignorar premissas conhecidas até por leigos jurídicos. E, numa analogia até simples, fica claro que o Governo instrumentalizou os bancos públicos para esse fim.

Lodi ainda argumenta que se essa interpretação perdurasse, então o Governo só poderia contratar com bancos privados, o que seria absurdo. O que parece escapar ao professor é que essas operações de crédito disfarçadas, com o Governo sempre atrasando os repasses, só são possíveis porque o Governo controla o banco público e usou seu poder político para coagir pessoas a realizarem repasses sem fundo. Se fosse um banco privado, ele jamais teria feito o repasse sem fundo, salvo se, pelas regras de compliance, houvesse prévio… contrato de operação de crédito!

Quando a lei fala em proibir operação de crédito entre Governo e bancos públicos, é exatamente o que ocorreu que a lei quis evitar, que é o uso da influência política para uso de dinheiro dos bancos com o fim de financiamento governamental.

Absurda, portanto, essa argumentação de Lodi.

O segundo argumento é que, se tivesse havido operação de crédito, haveria desrespeito à LRF, e não à LOA, e como a LRF não seria lei orçamentária, não haveria crime de responsabilidade, pois o art. 85 da Constituição falaria em desrespeito à lei orçamentária (inciso VI).

O art. 10 da Lei 1.079/1950 (com modificações pela Lei 10.028/00) foi recepcionado pela Constituição e regulamenta o art. 85, VI da CRFB. Ele dispõe claramente que “são crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal”.

O que temos aqui, na verdade, é um desrespeito tanto à LRF quanto à LOA, nos termos da legislação citada.

E mesmo que essa legislação não fosse tão clara do ponto de vista literal, o esforço do autor em querer separar a LRF da LOA, como se os termos da LRF que dão limites à LOA não fizessem parte de um sistema complexo e unitário de defesa do orçamento público, é de uma visão absolutamente ultrapassada, como se ainda estivéssemos na era da jurisprudência dos conceitos, e não na era da jurisprudência dos valores, que a Faculdade de Direito da UERJ e o próprio professor Lodi defendem com tanta paixão, dentro do chamado neoconstitucionalismo.

O terceiro argumento é, de longe, o pior de todos. Segundo o autor, a lei orçamentária pode ser estuprada constantemente por uma presidente sem limites, se essa ação tivesse como finalidade a promoção de finalidades sociais.

Ora, a quebra das leis orçamentárias gera déficits públicos gigantescos. Estamos falando, para o ano de 2015, em um déficit primário de 119 bilhões de reais para um déficit nominal final de quase meio trilhão de reais. Sucessivos déficits levam à quebra da confiança dos investidores em comprar títulos do Governo, que passam a ter juros mais altos para fins de captação, iniciando um círculo destrutivo das contas públicas. Quando não houver mais quem financie a farra, como vamos promover as tais finalidades sociais? Com o salário de professor de Ricardo Lodi?

Esse argumento é realmente incrível. Segundo Lodi, ninguém pode prever a deterioração da economia, e o Governo, por isso, deve se adaptar rapidamente à nova circunstância econômica com a abertura de créditos sem autorização legal. Mas, que ironia, foi o próprio Governo, com a deterioração das contas públicas, entre outras ações ainda menos nobres, que destruiu a economia brasileira. Então o Governo destrói a economia e, segundo o professor Lodi, isso cria para o Governo a possibilidade de destruir o Estado de Direito também?

Porque, eu não preciso ensinar isso ao prof. Lodi, quando um Governo pode passar por cima do princípio da legalidade, que dispõe ser o Estado obrigado a seguir, de maneira restrita, as leis da nação, então ele está destruindo um pilar fundamental do Estado de Direito. Parece que Lodi está defendendo um estado de barbárie.

Nesse diapasão, o professor ainda argumenta que a posterior reforma das leis orçamentárias convalidaria a quebra do princípio da legalidade. Como escrevi aqui em outra oportunidade, quando uma meta fiscal pode ser substituída a bel prazer do Governo, então não existe, na verdade, meta fiscal. O desrespeito a uma lei não pode ser consertada por nova lei, até porque poderia vir depois uma nova lei mudando tudo, o que acabaria com qualquer segurança jurídica e com a lógica que leis prévias devem pautar a ação estatal. De fato, quando as leis orçamentárias foram mudadas para, supostamente, convalidarem os atos do Governo, isso apenas reforçou a ideia de que aqueles atos originais eram ilegais, pois se não fossem, não haveria necessidade da mudança. Nesse momento do artigo, Lodi admitiu, para todos os seus leitores, que as pedaladas são ilegais.

Com isso, cai também o quarto e último argumento de Lodi. Ele argumentou que a legalidade das pedaladas garante a realização da meta fiscal e, por conseguinte, a legalidade das aberturas de crédito. Ao admitir a ilegalidade da pedalada, admitiu também o desrespeito ao artigo 4º da Lei 12.952/14.

No final e ao longo de todo o texto, o professor ainda solta o “mimimi” esquerdista tradicional de que impeachment é golpe, e outras baboseiras. Impeachment não é golpe na democracia. Golpe na democracia é desrespeito às leis que regem essa democracia, especialmente se essas leis estão dentro dos princípios que regem um Estado democrático moderno. É o que Dilma fez, e é o que o professor tenta justificar.

Enquanto Dilma promove pedaladas fiscais, seus asseclas fazem pedaladas jurídicas e morais. E de pedalada em pedalada, vamos rumando ao abismo econômico. Mas sempre haverá quem impeça essas pessoas de promoverem pedaladas mentais com a população. Esse é um compromisso meu.

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