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Por um maior pragmatismo nas relações externas. Ou: Melhor no “cantinho” que ao lado de ditadores
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escrevi aqui em apoio a José Serra no Itamaraty, tentando reverter o estrago causado pelo PT também nessa área, com sua visão ideológica comunista. Volto ao tema hoje, tendo como base a coluna do diplomata Marcos Troyjo na Folha, em que rebate o ponto de vista de Celso Amorim. Este, na mesma Folha, escreveu um texto condenando a postura de Serra ao falar mais grosso com os bolivarianos, e insinuou que “o Brasil voltará ao cantinho pequeno de onde nunca deveria ter saído”, o que estaria ao agrado das “elites”. Seguem alguns trechos da resposta de Troyjo:

A imagem revela uma falha no sentido de proporção e também de movimento. Ela supõe, em sua trajetória de 2003 a 2016, que graças ao “projeto popular” e sua vertente de política externa, um gigante pegou carona no Cristo da “The Economist” que decolava do Corcovado rumo ao núcleo central das relações internacionais. E de lá, agora, corre risco de ser extraído.

Não é nada assim. O período Lula-Dilma, seja em termos econômicos ou estritamente de política externa, não lega ao Brasil um acervo de excedentes de poder, prosperidade e prestígio. Representamos hoje os mesmo 2,7% do PIB global que nos cabia em 2002. Não quebramos a inércia do 1% que infelizmente é a pequena fatia que há décadas ocupamos no comércio global.

[…]

A diplomacia de Lula-Dilma não projetou, a bem da verdade, o país ao centro do palco. Nossos tradicionais ativos e potencialidades, de território, população, peso relativo do mercado interno e patrimônio ambiental, somaram-se a um conjunto de fatores positivos. A estabilidade macroeconômica herdada (e dilapidada) pelo lulopetismo, o bônus demográfico, o superciclo das commodities e a promessa de uma superpotência energética permitiram-nos acesso ao “camarote VIP” frequentado por potências emergentes.

De lá, equipado por uma boa estratégia de inserção global, o Brasil poderia ter continuado a ascender, mas desperdiçou boas oportunidades que lhe passaram à frente. No camarote VIP, o Brasil pouco fez por reformar-se internamente ou adaptar-se à globalização. Com a possível exceção da agenda global do meio ambiente e dos marcos para o desenvolvimento sustentável, o país pouco liderou. Os Brics, seja como sinônimo de classe de ativos ou plataforma de inserção global, não representam uma formulação “Made in Brazil”. Tampouco o G20.

Dizer que de agora em diante o Brasil vai abandonar a “liderança” da integração latino-americana é uma bobagem. Empatias ideológicas e a multiplicação de fóruns regionais para a crítica aos males do mundo não são sinônimos de integração. Enquanto comprar uma garrafa de um bom vinho argentino for mais barato em Nova York do que em São Paulo, a integração não é para valer.

Amorim deixa a sua própria visão ideológica de esquerda falar mais alto quando critica o maior pragmatismo e lamenta a perda de qualquer coisa que seja da era lulopetista. O PT não trouxe nada de bom para o país, e o mesmo vale para o setor externo. Ao contrário: ficamos presos na camisa de força do Mercosul ideologizado, aproximamo-nos de ditaduras sanguinárias só para atacar os Estados Unidos ou por corrupção, tornamo-nos rabo de sardinha, aceitando abusos de países como Bolívia e Equador.

O passado petista precisa ser apagado na economia, no social, na política e também no Itamaraty. Serra está longe de ser um liberal. É ele também de esquerda. Mas, ao contrário de Amorim, demonstra mais bom senso e visão histórica. O Brasil não precisa ficar num “cantinho”. Ele tampouco deve confundir falar grosso ao lado de bandidos, focando apenas na retórica antiamericana, com efetivamente ter poder de influência perante o resto do mundo. Poder é algo que se segue da capacidade, não só da vontade. Troyjo conclui:

O que afasta o Brasil de uma maior centralidade no mundo contemporâneo seguramente não é a promessa de uma política externa mais pragmática e amparada no interesse nacional. Nossas potencialidades estão intactas. O que empurra o país para fora dos principais palcos são os equívocos de diagnóstico e atuação internacional e a corrosão de sua economia.

Enquanto esteve no camarote VIP, o Brasil, a um só tempo, teve os olhos do mundo sobre si e um excelente ponto de observação para antecipar tendências. Ao optar pelo acessório e o perdulário, comportou-se como o “rei do camarote” das relações internacionais.

Rodrigo Constantino

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