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Poupança é a menor em 13 anos. Ou: O Brasil precisa poupar mais e aumentar o valor do amanhã
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Deu no GLOBO: Poupança é a menor em 13 anos:

A forte queda dos investimentos e a pior taxa de poupança em 13 anos marcaram a economia brasileira no terceiro trimestre. O avanço do consumo das famílias e o menor esforço fiscal do governo acabaram por levar a taxa de poupança da economia brasileira para 15%, a menor para o período desde o terceiro trimestre de 2000, de 14,4%. Desde o terceiro trimestre de 2010, quando foi de 19,6%, a taxa vem caindo. Com as famílias gastando mais, sobram menos recursos para a poupança.

Do lado do governo, o aumento de transferências para a Previdência e o seguro-desemprego e um esforço fiscal menor também se refletiram na redução da taxa de poupança, na visão de analistas. — Essa taxa de poupança é fruto do consumo das famílias, que continua crescendo, e do consumo do governo. Como o governo está diminuindo o superávit primário, a poupança do setor público cai — explica o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

O coordenador de Contas Nacionais do IBGE, Roberto Olinto, do IBGE, lembra que há um estímulo ao consumo: — A renúncia fiscal para bens de consumo está impulsionando o consumo. O consumo vem subindo há 40 trimestres consecutivos. Isso reduz a taxa depoupança, que é o dinheiro disponível para investimento — afirma.

O economista Aurélio Bicalho, do Itaú Unibanco, alerta para o risco que a baixa taxa de poupança pode trazer para investimentos a longo prazo. — Se a poupança é baixa, precisamos de poupança externa e se não houver poupança externa, isso pode comprometer os investimentos a médio e longo prazos — afirma.

Não existe almoço grátis. Não é possível ter e comer o bolo ao mesmo tempo. Para investir, antes é preciso poupar, ou seja, deixar de consumir parte da produção. São máximas óbvias. Ao menos para os economistas liberais. Abaixo da linha do Equador, particularmente, muitos pensam que tais leis econômicas não se aplicam, que é possível aumentar consumo e investimento ao mesmo tempo.

O consumo e o investimento representam sempre usos alternativos dos recursos disponíveis. A conhecida Fronteira de Possibilidades de Produção (FPP) costuma ser usada para reforçar o conceito de escassez de recursos, ilustrando o trade-off existente entre consumo e investimento.

Para Robinson Crusoé investir em uma rede de pescaria, esperando um aumento de produtividade posterior, ele precisa dedicar tempo e esforço extras para poupar recursos necessários antes. Em outras palavras, ele precisa abdicar de consumo presente para garantir recursos suficientes para seus investimentos. O que vale para um indivíduo numa ilha, também vale para a sociedade como um todo.

O modelo keynesiano gera muita confusão quando trata consumo e investimento como variáveis macroeconômicas suplementares dos gastos do setor privado. Na verdade, parece bastante óbvio que para investir, antes é preciso poupar. O investimento positivo líquido, ou seja, aquele mais que suficiente para repor o estoque de capital, permite o crescimento sustentável da economia.

Em termos gráficos, ele expande a FPP, permitindo patamares maiores de consumo no futuro, através do investimento produtivo no presente. Quanto mais “capitalista” for uma sociedade, mais ela irá focar no longo prazo, aumentando a poupança atual e estendendo os estágios de produção intermediários, permitindo assim um maior crescimento sustentável da economia. Esse aumento da poupança só é possível em detrimento do consumo atual.

O ótimo livro de Eduardo Giannetti da Fonseca, O Valor do Amanhã, explica em linguagem bem simples esse conceito. Recomendo sua leitura. Abaixo, uma resenha que escrevi à época:

O Valor do Amanhã

Em seu livro O Valor do Amanhã, Eduardo Giannetti discorre sobre o tema das escolhas intertemporais de forma bastante objetiva e didática. O autor deixa claro que o fenômeno dos juros é inerente a toda e qualquer forma de troca em diferentes períodos no tempo, representando o prêmio da espera para o lado credor, ou o preço da impaciência na ponta devedora. Ou seja, os ganhos decorrentes da transferência de valores do presente para o futuro, ou os custos de antecipar valores do futuro para o presente. Nesse cenário, os juros monetários são apenas uma pequena fatia do conceito geral de juros.

O economista trata também da questão da miopia temporal, quando o indivíduo dá demasiada importância ao que está mais próximo no tempo, e seu espelho, a hipermetropia temporal, quando é atribuído um valor excessivo ao amanhã, em prejuízo das demandas correntes. De um lado, o sujeito que vive literalmente o carpe diem, de forma hedonista ou mesmo irresponsável, e do outro lado, o que adia tanto seu viver que o hoje vira um enorme vazio.

Se o míope com freqüência é vítima do remorso, porque o futuro chega e cobra seu preço pelo passado despreocupado, o hipermétrope normalmente sofre com o arrependimento pelo desperdício de oportunidades perdidas com o excesso de zelo pelo amanhã. Como disse Schopenhauer, “muitos vivem em demasia no presente: são os levianos; outros vivem em demasia no futuro: são os medrosos e os preocupados”. É raro alguém manter com exatidão a justa medida.

Giannetti inicia sua explanação sobre os juros pelo fator biológico, lembrando que a senescência é o valor pago pelo rigor da juventude. “A plenitude do corpo jovem se constrói às custas da tibieza do corpo velho”, como coloca o próprio autor. Há um claro trade-off implícito em cada escolha intertemporal que fazemos, entre “viver agora e pagar depois”, ou “plantar agora e colher depois”. Não podemos ter e comer o bolo ao mesmo tempo.

Animais e crianças costumam viver mais intensamente o momento, reagindo basicamente por instinto. Os desejos exigem pronto atendimento, e a busca de rápida satisfação fala mais alto que tudo. Ainda não aprenderam o valor da espera, e não possuem ferramentas racionais para avaliar se esta compensa ou não. A impaciência infantil é fruto da combinação da dificuldade de figurar mentalmente o amanhã e uma baixa capacidade de autocontrole, de resistir ao apelo de impulsos. Como resultante, há uma forte propensão a desfrutar o momento e descontar o amanhã. Infelizmente, são muitos os adultos que não conseguem também dominar tal impulsividade através da razão.

Retardar o consumo atual para poder investir na produtividade rende frutos no futuro. Os recursos não caem do céu, e faz-se mister uma escolha intertemporal entre menos agora, mais depois. Hoje mais que nunca, a preocupação com o amanhã deve ser enorme. Os nômades caçadores viviam o aqui-e-agora, ignorando a necessidade da previdência.

Entretanto, quem nasce atualmente vive aproximadamente o dobro do que era comum antes da Revolução Industrial. O progresso da técnica tem aumentado de forma bastante acelerada a expectativa média de vida. O mundo necessita mais da racionalidade da formiga que da impulsividade da cigarra. A poupança de hoje é que permite o consumo maior de amanhã. Tal obviedade parece ignorada quando observamos a situação caótica dos sistemas de previdência social modernos. Talvez as pessoas não saibam que o governo não cria riqueza, e portanto não pode garantir a renda da aposentadoria futura sem a contrapartida da poupança atual. O conforto de amanhã exige um sacrifício hoje.

Um dos problemas do curto horizonte temporal no Brasil, com baixa taxa de poupança, é o coletivismo. Trata-se de um ambiente social em que o futuro pessoal de cada indivíduo pouco depende dele mesmo, ou seja, depende apenas em pequena medida das escolhas que ele faz. É o moral hazard do nosso modelo previdenciário, sem contas individuais e independente da contribuição de cada um para a determinação do benefício futuro.

Além disso, nosso grau de impaciência como nação é absurdamente elevado, devido às necessidades urgentes impostas pela miséria. Por fim, as oportunidades de investimento, prejudicadas pelo péssimo ambiente institucional, oferecem baixo valor para o uso de recursos que deixam de ser consumidos no presente, podendo assim ser deslocados para render frutos à frente. A confiabilidade da ordem jurídica aumenta a confiança no amanhã.

O somatório dessas características faz com que a sociedade brasileira tome emprestado do futuro, de forma irresponsável até. Desta forma, a dívida pública através do Estado beira um trilhão e meio de reais, e a taxa de poupança é absurdamente baixa, menor que 20% do PIB. O Brasil vive demasiadamente no presente, com seu governo inchado e assistencialista, sem a necessária poupança que se reverte em investimentos produtivos. Como uma criança, age por impulso, para atender os desejos do momento. Quer o bônus da prosperidade sem o ônus da poupança. Quer o crescimento sem o custo da espera, e quando o resultado não é inflação ou crise na balança de pagamentos, é juros altos.

O valor do amanhã continua baixo por aqui, como nos tempos indígenas. E quem tudo quer, nada tem. No afã de querer tanto o consumo maior no presente quanto o conforto da farta poupança no futuro, o país corre o risco de terminar sem nada: a cigarra triste e a formiga pobre.  

Para concluir, gostaria apenas de reforçar que o principal vilão dessa baixa taxa de poupança é o gasto público elevado. O governo arrecada 36% do PIB, e vai quase tudo para gasto corrente, custeio da máquina, transferências assistencialistas. O aumento da taxa de poupança brasileira, fundamental para expandir nossa capacidade produtiva e aumentar a renda futura, passa necessariamente pela redução do tamanho do estado.   

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