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Profissão: delator. Ou: A absurda recompensa pelo crime
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Qual a lógica por trás da delação premiada? Não sou da área jurídica, mas arrisco uma explicação: as autoridades usam um peixe pequeno para capturar um tubarão. Convencem um “boi de piranha” que pagaria um alto preço por seu papel menor na máfia ou na quadrilha a entregar seus comparsas mais graúdos, os chefões, o capo, e em troca aliviam parcialmente sua punição.

Por aceitar colaborar na investigação com importantes dicas, evidências ou denúncias comprovadas que levem os mais poderosos da quadrilha ao xilindró, o delator é beneficiado com a redução ou mesmo a extinção da pena. Esse benefício é previsto em diversas leis brasileiras, mas não deixa de suscitar polêmica.

Alguns criticam o poder arbitrário nas mãos do juiz, que decide se o réu prestou ou não informações úteis. Outros acham que se trata de uma “extorsão premiada”, pois se arranca do delator uma contribuição demasiadamente grande pelo uso da coação (que as autoridades chamariam de persuasão, já que é uma escolha voluntária do réu).

Mas no caso do mais famoso delator do momento, o doleiro Alberto Youssef, o esquema merece outro tipo de crítica. Youssef está cooperando com o Ministério Público nas investigações da Operação Lava-Jato, e estaria, ao que tudo indica, apresentando fartas evidências e provas do que denuncia.

Como se trata de um bilionário esquema de corrupção montado por uma quadrilha na maior empresa brasileira, e uma estatal ainda por cima, parece justo que o delator tenha a pena bastante reduzida ou até abolida se ajudar na prisão de políticos importantes.

Acho que o criminoso estaria contribuindo com o avanço institucional de nossa República, combatendo a impunidade, e mereceria tal benefício. Mas daí a ficar podre de rico, legalmente, com tais denúncias? Isso já é um escárnio. Dois leitores do GLOBO resumiram bem a situação absurda:

Youssef

Que o doleiro fique livre da cadeia por entregar vários companheiros de crime do andar de cima e ajudar na recuperação de parte dos bilionários recursos desviados pela quadrilha, tudo bem; creio que a imensa maioria diria que é algo justo, um benefício legítimo. Agora, embolsar milhões de recompensa após ter ajudado a desviar bilhões da Petrobras, isso já é uma piada de mau gosto!

Que tipo de mensagem isso transmite aos brasileiros? Que se você colaborar com um mega esquema de corrupção, e depois entregar seus comparsas às autoridades, você pode sair milionário? Ou seja, que entrar para o mundo do crime, desde que esteja disposto a assumir o risco de virar um “dedo-duro” depois, pode ser um excelente investimento pessoal?

Youssef deveria ter sua pena reduzida se suas informações se mostrarem realmente valiosas para a captura de políticos importantes. No limite, poderia até ter sua liberdade em troca dessa colaboração. Mas sair com um só centavo da fortuna que ajudou a roubar é um soco no estômago de todos os brasileiros decentes, aqueles que não suportam mais essa inversão de valores que campeia em nosso país.

PS: O Ministério Público Federal no Paraná divulgou nota neste domingo (25) na qual afirma que o acordo de delação premiada firmado com Alberto Youssef no âmbito da Operação Lava Jato não prevê “recompensa” para o doleiro pelo recessarcimento à União de valores desviados pelo doleiro. Menos mal. Mas só o fato de haver a dúvida mostra como no Brasil o absurdo pode ser tratado como normal.

Rodrigo Constantino

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