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Quando a ideologia e os interesses prejudicam a ciência: o espantoso caso do TDAH
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Vamos abrir essa sexta-feira ensolarada (ao menos aqui no Rio) com um texto longo daqueles, para quem tem fôlego. Mas é um tema de extrema importância, pois a qualidade de vida de muita gente depende dele. Vou usar um caso específico para mostrar como o preconceito ideológico ou a luta por interesses obscuros podem prejudicar o funcionamento da ciência e, com isso, milhões de pessoas.

O que poderia unir do mesmo lado o PT, a Anvisa, a Unicamp, os conselhos de psicologia, o deputado Jean Wyllys e companhia? Coisa boa é que não é! E, de fato, não é mesmo. Essa turma tem combatido os médicos e cientistas que tentam aumentar o grau de esclarecimento acerca de uma doença que atrapalha o desenvolvimento de milhões de crianças: o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade.

Antes de continuar, um caveat: não sou médico. Logo, claro que falo como um leigo, emitindo minha opinião. Mas escutei médicos, fiz minhas pesquisas, li bastante material sobre o assunto. E ainda tenho caso na família, o que me permite uma visão pessoal sobre o assunto também. Estou convencido: apenas a ideologia ou interesses justificam o ataque que os psiquiatras têm recebido por conta do TDAH.

Vamos às acusações que os críticos costumam fazer. O TDAH seria “uma doença inventada pelos laboratórios farmacêuticos” ou uma “medicalização” de comportamentos de indivíduos que são simplesmente “diferentes” dos demais. Essas são as duas principais bandeiras daqueles que se opõem ao avanço de projetos legais que poderiam levar mais informações científicas aos professores para, por sua vez, ajudar no diagnóstico ou eventual tratamento dos alunos que sofrem com o TDAH.

O que hoje chamamos de TDAH já era descrito pelos médicos desde o século XVIII, muito antes da existência de qualquer remédio como a Ritalina. No começo do século XX, George Still escreveu um artigo científico para a respeitada revista The Lancet apontando os sintomas, e sua descrição é quase idêntica a dos modernos manuais de diagnóstico. Doença “inventada” pelos laboratórios?

Seria algo “cultural” então? Diferentes culturas observam o surgimento dos mesmos sintomas. Brasil, Estados Unidos, África do Sul, Índia, China, Canadá, Israel, Inglaterra, Irã… Será que em todos esses lugares temos um exército de médicos criando falsas doenças só para vender um remédio que nem é tão caro assim (20 comprimidos custam menos de R$ 18)?

Agora vamos falar do mantra da modernidade: todos são “apenas diferentes”. E com essa postura covarde e politicamente correta, ninguém mais pode ter um problema de fato, de cunho biológico. Se as crianças com TDAH fossem apenas diferentes, então elas não teriam taxas bem maiores de abandono escolar, reprovação, e no futuro desemprego, divórcio e acidentes de carro, teriam? Há, ainda, maior incidência de depressão, ansiedade e consumo de drogas.

Vejam bem: eu também tenho receio do abuso de diagnósticos na era moderna. Como ironizou o sempre ácido Karl Kraus, contemporâneo de Freud: “Uma das doenças mais disseminadas é a diagnose”. Até que ponto uma criança apenas bagunceira, sem educação e limites, pode ser confundida com outra com TDAH? Até que ponto o excesso de estímulos atualmente não produz distração e dificuldade de foco nas crianças?

São questões legítimas. Mas há uma máxima jurídica que diz: Abusus non tollit usum. Ou seja, o abuso não deve tolher o uso. Não é porque alguns podem abusar do álcool que ele deve ser condenado. Não é porque alguns podem abusar dos carros, dirigindo em alta velocidade e de forma irresponsável, que eles devem ser vetados.

Profissionais ruins, sem ética ou incompetentes existem em qualquer ofício. Claro que na psiquiatria não seria diferente. Mas os bons psiquiatras garantem que não é tão difícil assim identificar casos concretos de TDAH. Há testes para detectar a doença, nos quais dificilmente alguém simulando passaria.

No mais, os estudos científicos atestam a eficácia da Ritalina. É, na verdade, um dos casos raros da psiquiatria em que um remédio surte tanto efeito direto. Algo como um míope que, de repente, descobre a existência do óculos. E para melhorar a situação, se alguém que não possui TDAH de fato consumir o remédio, não há efeito algum. Não dá “onda”, não vicia, a pessoa não fica mais “ligada”, como seria o caso com a anfetamina ou a cocaína.

Mas ele pode salvar a vida de muita gente. Quem conhece pessoas diagnosticadas com TDAH sabe do que estou falando. Sua impossibilidade de prestar atenção nas coisas, sua impaciência, seu agito fora do comum, são comportamentos que lhe impedem de levar uma vida normal, de avançar na escola. Os pais se sentem culpados, responsáveis, e sofrem muito com isso. “O que eu fiz de errado?”, perguntam. A ignorância científica, alimentada pelo preconceito ideológico, cobra um alto preço.

A ciência deve funcionar livre de contaminação política ou ideológica. O rigor científico envolve vários testes, pesquisas com critérios sérios para testar hipóteses. Não tem nada a ver com “achismo”, ou com visões românticas de mundo, do tipo “essas crianças são só um pouco mais impacientes”. Se um cientista publica resultados fraudulentos, a ciência clama por refutação, e ele provavelmente será desmascarado, pois outro pesquisador alcançará renome ao fazer isso. O método científico não é aquele de políticos em busca de votos ou de românticos em busca de uma confortável visão de mundo. Ele busca os fatos!

Ao ir contra a ciência, essa gente acaba prejudicando os mais pobres, como costuma ocorrer em tudo que a esquerda prega. Os mais ricos podem se tratar com psiquiatras caros em consultórios particulares. Os mais pobres dependem do SUS. Os pais mais ricos tendem a ser também mais informados, e não terão preconceito com o TDAH. O mesmo não acontece nas famílias mais carentes. Sem auxílio adequado, com “formadores de opinião” disseminando a noção de que a doença não passa de um mito, essas pessoas dificilmente irão buscar tratamento, e serão muito prejudicadas por isso.

Diante de tudo isso, é bem chocante ver a reação de algumas pessoas. Há, por exemplo, o tal Manifesto do Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade que transpira preconceito ideológico do começo ao fim. Para seus signatários (nenhuma instituição acadêmica), tudo não passa de uma grande conspiração capitalista para vender mais remédios ou classificar de “doentes” pessoas normais, para mantê-las “alienadas” pois não se “adaptam ao sistema”.

Uma delas soltou esta pérola: “Precisamos de menos Ritalina e mais Rita Lee”. Então é assim que vamos lidar com o problema sério que aflige milhões de pessoas? Fazendo piada e apologia indireta às drogas ilícitas? Fora Ritalina e viva a maconha?

São normalmente as mesmas pessoas que abraçam a luta antimanicomial com fervor religioso, inspiradas no “profeta” Foucault, como se não existisse esse lance de “maluco”, criado pelas “elites” para trancafiar os “diferentes” que incomodam. Quem diz uma besteira dessas nunca viu alguém “abrindo surto” diante dos próprios olhos! Será que o cineasta Eduardo Coutinho, assassinado pelo próprio filho em surto de esquizofrenia, abraçaria essa causa romântica? Ferreira Gullar, outro com filhos esquizofrênicos, sabe melhor do que isso…

Havia abusos no passado? Sem dúvida! O diagnóstico de loucura foi usado como desculpa para afastar gente diferente e que incomodava? Fora de questão. Uma vez mais, porém: o abuso não deve tolher o uso. O pêndulo exagerou para o outro lado, e hoje nem o esquizofrênico mais grave pode ser visto como doente de verdade, pois não pega bem para o politicamente correto. Vai voluntariamente no CAPS receber um “tratamento” qualquer e fica por isso mesmo. Puro preconceito ideológico.

A Anvisa, por sua vez, tem merecido o rótulo de instituição mais fascista do Brasil recentemente. Por viés paternalista e arrogância ímpar, inúmeros remédios têm sido proibidos no país, sendo que a FDA nos Estados Unidos os aprova. Será que nossos técnicos da Anvisa são melhores e mais preparados? Será que sabem mais do que os próprios médicos?

Quando a Anvisa proibiu os inibidores de apetite para tratar da obesidade, por exemplo, houve forte reação dos profissionais da medicina, cientes do risco que isso representava para milhares de pacientes. “Está cada vez mais difícil ser médico no Brasil”, confessou um colega psiquiatra. Pois é: sabemos que os médicos são os novos “judeus do PT”…

É o que acontece quando tudo acaba politizado e ideologizado. Estão assassinando a ciência verdadeira neste país. E quem paga o pato são os mais pobres, como sempre. Até quando vamos tolerar isso? Até quando vamos deixar essa turma “romântica” ditar as regras, bancando o deus que menospreza o conhecimento científico mundial? Vidas estão em perigo por conta disso. É hora de dar um basta!

Rodrigo Constantino

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