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Que tal começar pelo entorno antes de "salvar o mundo"?
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Luiz Felipe Pondé, em sua coluna de hoje, faz uma provocação instigante e necessária: traz o leitor para a dura realidade de uma vida comunitária dentro de um simples condomínio. São tantos problemas prosaicos, comezinhos, que tiram qualquer um do sério e afastam muitos das maçantes reuniões de condomínio. Mas há importantes lições filosóficas a se aprender ali.

Salvar o mundo é algo que tem um forte apelo emocional, especialmente nos tempos narcísicos modernos. Há um quê de megalomania nessa empreitada heróica, um regozijo pessoal de fazer parte de um time de “ungidos”, de “escolhidos” que deixarão uma marca indelével em sua passagem efêmera pela vida: nada menos do que mudar “tudo” e “salvar o planeta”.

Quantas calorias se gastam para declarar num bar perante os amigos que é uma dessas almas abnegadas? Quanto esforço é necessário para curtir páginas do Face e abraçar causas nobres, como o salvamento das baleias ameaçadas de extinção ou a ajuda humanitária às crianças pobres africanas? Mais complicado é, sem dúvida, ir para a África ajudar in loco, e no anonimato.

Mas andar de “bike” quando se mora perto do trabalho e colocar luzes brancas em casa é moleza, e rende bons dividendos na aparência de engajado no combate para salvar o mundo. Como Pondé cutuca, essa garotada que quer “salvar o mundo” poderia começar arrumando o próprio quarto. Ou seja, fazer algo concreto e efetivo, ainda que em uma magnitude mais comedida.

A geração “mimimi” não quer saber disso. Criada à base de muito Toddyinho, com a capa de Che Guevara para seu iPhone comprada pela mamãe, essa turma não tem tempo a perder com coisas pequenas: vai pular etapas e endossar causas messiânicas logo de uma vez, pois não está aqui para brincadeira.

Obrigar esses jovens a frequentar as reuniões de condomínio poderia ser mais eficaz do que anos de estudos filosóficos na USP – que costumam produzir o efeito contrário e, Deus me livre!, parir um Guilherme Boulos da vida, líder do MTST, o braço urbano do MST.

Participei ativamente da implementação de meu condomínio, pois era um grande e novo empreendimento, com dezenas de unidades. Foi uma aula de política e filosofia. Cheguei a ser membro por um ano de um Conselho Deliberativo que criamos para gerir as “pendengas”, e não sei onde encontrei tempo para tanto.

Administrar os egos, as diferenças de mentalidade e visão de mundo, os “sem-noção”, tudo isso era muito desgastante e cansativo. Mas não eram coisas que cairiam do céu ou se ajeitariam automaticamente. “Alguém” tinha que fazer. E felizmente um grupo de moradores estava disposto a encarar o desafio, aprendendo a engolir sapo, aturar desaforos e fazer concessões.

Política nacional é reunião de condomínio piorada, pois o grau de complexidade é bem maior. No mais, seu voto conta muito mais no condomínio, com poucos vizinhos, e seu interesse é total: estamos falando, afinal, do seu entorno, que afeta diretamente sua vida, não da distante realidade de Brasília.

Mesmo assim, poucos têm saco para participar. E muitos adoram repetir que vão “salvar o mundo”, fazendo campanha para salvadores da Pátria com tom messiânico, como se fosse possível e desejável abrir mão das etapas políticas inglórias, das barganhas e concessões, das negociações com quem pensa diferente.

Tudo isso é muito “pequeno”, pensam os “ungidos”. Eles querem algo muito maior. Querem estalar os dedos e consertar tudo num passe de mágica. Pondé tem um recado para eles, que endosso: “Enfim, imagino que a turma do ‘vamos fazer um mundo melhor’ devia se concentrar em resolver os dramas dos condomínios antes de ‘fait la morale’ (em francês é mais chique) pra cima de nós, que pagamos a conta”.

Rodrigo Constantino

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