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Sangue nas veias: Tom Wolfe ataca novamente
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Finalmente terminei o novo livro de Tom Wolfe, Sangue nas veias, uma história envolvente que se passa em Miami, em meio ao caldeirão étnico e cultural repleto de latino-americanos e com poucos americanos “legítimos” (i.e., WASP). Wolfe é mestre em capturar o zeitgeist e também entrar na mente das pessoas, por meio de seus personagens complexos, e esmiuçar seus motivadores psicológicos, sempre movidos ou mexidos pela vaidade.

Uma mistura de romance policial com debate racial, contando com ataques irônicos ao mundo das artes contemporâneas, as mais de 600 páginas prendem o leitor do começo ao fim. A ditadura velada do politicamente correto simplesmente não tem vez com Wolfe, que demonstra possuir a maior qualidade que pode ter um escritor: coragem.

Qualidade esta que poucos de seus personagens demonstram ter, como infelizmente ocorre na vida real. Um prefeito cubano que só se importa com o que pensam dele, um editor de jornal que almeja apenas preservar seu emprego confortável, poucos ali parecem dispostos a deixar certos receios de lado para simplesmente “fazer a coisa certa”.

Nem por isso, porém, os heróis do livro, como o patrulheiro cubano Nestor Camacho, são figuras maniqueístas, puras e, portanto, desumanas. Sofrem também, como os demais, com a tentação da vaidade ou medos comezinhos – como o pavor do esporro da esposa caso perca o emprego por querer bancar o herói -, mas na “hora da verdade” agem com base em um conceito superior de moralidade. E não é isso que conta?

Em meio a uma história interessante, que daria um ótimo filme, Tom Wolfe não seria quem é se não destilasse todo o seu veneno em cima dos arrogantes e fúteis, aqueles que fazem cara de superioridade afetada pois “entendem das coisas”, apreciam as artes vanguardistas (muitas vezes puro lixo tratado com reverência religiosa), e por incrível carência afetiva precisam estar onde as coisas acontecem.

Sentem-se importantes apenas no burburinho da última moda, e por Deus!, como necessitam do reconhecimento alheio. Esses são os alvos preferidos de Tom Wolfe desde Radical Chic ou Fogueira das Vaidades. Como uma horda de hunos, essa gente parte em busca do mais novo símbolo de status “intelectual”, para provar como pairam acima da “esqualidez” da vida comum, com seu “refinamento” artístico.

Saiam da frente! Lá vêm elas! Hordas de pessoas cultas e abastadas saltitando e urrando com nostalgie de la boue, “saudade da lama”… ávidas para inalar as emanações da Arte e de outras Coisas Mais Elevadas em meio à esqualidez geral do lugar.

Tom Wolfe é cruel na medida certa com nossas elites vaidosas e abobalhadas. Mesmo com todas as suas qualidades, de “América Latina que deu certo”, convenhamos: Miami, com uma das maiores quantidades de “breguice” por metro quadrado, é um prato cheio para o autor tripudiar dessa classe de nouveau riche, não é mesmo?

Rodrigo Constantino

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