A operação da Polícia Federal na manhã de quinta-feira(19) pôs em xeque o principal articulador do governo Jair Bolsonaro no Senado, irritou aliados e deixou o Palácio do Planalto preocupado com o andamento da agenda que conduz no Congresso.
O alvo da PF, que acumula atritos com Bolsonaro nos últimos meses, foi o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo na Casa e que deixou seu cargo à disposição do presidente.
As buscas e apreensões em endereços ligados a Bezerra e ao deputado Fernando Filho (DEM-PE), filho dele, em Brasília e Pernambuco, foram autorizadas pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal).
“Há um entendimento no Supremo Tribunal Federal que a operação realizada precisa ter conexão com o mandato. A determinação de um ministro do STF de entrar no gabinete da liderança do governo no Senado… A liderança é um espaço do governo federal. Só que em 2012 e 2014, período a que a operação se refere, Fernando Bezerra não era senador, muito menos líder do governo”, disse Alcolumbre.
Alcolumbre está protegendo o Senado como instituição, dentro do espírito de corpo, ou o senador suspeito de corrupção? O argumento parece forçado, já que seria absurdo imaginar que um senador criminoso não pudesse ser até mesmo preso no próprio Senado, se fosse o caso. Barroso alega ter tomado decisão técnica e republicana, e que envolve questões do atual mandato.
O momento é suspeito mesmo. Pode ser retaliação da Polícia Federal por conta da ingerência crescente do presidente na instituição, e dos constantes rumores de demissão de Valeixo? Há, de fato, alguma novidade que justifique a operação, após a PGR Raquel Dodge ter rejeitado o pedido? São questões complexas.
Independentemente dos bastidores disso tudo, das reais intenções, do jogo de xadrez pelo poder, o fato é que a tensão entre os poderes não precisa ser sempre encarada como “crise”, pois é fundamental para o mecanismo de pesos e contrapesos numa democracia. Arriscado é quando os poderes fazem pactos na surdina.
O STF tem que ser independente, como o Congresso também, e o Executivo idem. Cada um fiscaliza o outro dentro das prerrogativas constitucionais. Se os senadores ficaram muito incomodados com a decisão do STF (Barroso), eis aí uma ótima oportunidade para finalmente analisar o impeachment de alguns ministros, principalmente de Dias Toffoli. Já há pedidos embasados, mas Alcolumbre senta em cima.
A Lava Toga é outra possível “retaliação” do Congresso. Reportagem da IstoÉ mostra o pânico que essa CPI desperta nos ministros do STF. Por que será? A família Bolsonaro tem feito de tudo também para impedir a CPI, o que torna tudo mais suspeito. Os senadores e deputados serão julgados pelos ministros do STF em eventuais acusações de corrupção, e eis o problema: como muitos têm rabo preso, não querem se indispor com o STF. Mais um motivo pelo qual a tensão é saudável. Diz a reportagem:
Um dos maiores argumentos contrários à Lava Toga é o de que a investigação não faria bem ao Brasil no momento em que se tenta soerguer a economia. Há quem diga também que trata-se de uma tentativa de emparedar o Supremo de modo a constranger ou impedir o exercício pleno do seu papel “contramajoritário” que lhe foi conferido pela Constituição Federal. Mas a pergunta que deve ser feita é: é justificável existir um Poder intocado na nossa República? Os integrantes do Judiciário não deveriam constituir uma casta de cidadãos imune a críticas ou ao sistema de freios e contrapesos. Quando cometem equívocos, deslizes ou desvios precisam sim ser submetidos aos mesmos procedimentos adotados a todos os brasileiros. Assim, romper a última fronteira do setor público que resiste ao escrutínio público, ao qual as investigações sobre malfeitos, como a corrupção, jamais e em tempo algum alcançaram, é sim mais do que necessário. Blindar a toga significa obnubilar os destinos do País.
O ex-juiz Nicolau dos Santos Neto é um exemplo vivo do que uma investigação pode fazer para a limpeza na Justiça. Conhecido como Lalau, ele foi alvo da CPI do Judiciário de 1998, quando os senadores descobriram que ele desviou R$ 169,5 milhões da construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. Acabou condenado a 26 anos de cadeia e hoje cumpre prisão domiciliar.
Portanto, não fiquemos nervosos com as tensões entre os poderes. Quando senadores e deputados discutem, isso mostra a independência de cada casa, já que Senado não deve ser apenas carimbador de projetos da Câmara. Quando senadores e deputados discutem com o governo, isso mostra que Legislativo e Executivo possuem funções distintas e um não pode se submeter ao outro. E quando todos “brigam” com o Judiciário, isso é sinal de que não há conchavo presente.
Fernando Bezerra pode ser um exímio articulador, mas o governo já sabia quem ele era quando o escolheu como líder do governo no Senado. Era um risco e tanto. Há um dilema no ar, um trade-off: entregar mais resultados e fechar os olhos para questões éticas, ou ser mais “purista” e apontar um neófito inexperiente incapaz de entregar as reformas? Ninguém disse que seria fácil governar o Brasil.
Agora Bolsonaro tem uma escolha difícil nas mãos: bancar o custo político e manter Bezerra como líder, ou perder um articulador importante. Mas nada disso é culpa do STF. Não adianta o presidente do Senado chiar. Cada poder deve ser independente, e a impunidade em prol da governabilidade não é uma opção aceitável.
Crise entre poderes é uma coisa; tensão é outra, bem diferente. Um acordão é que seria terrível para o país. Se o senador suspeito de corrupção fosse blindado pelo Senado e pelo STF, pois é útil para o governo, aí teríamos algo péssimo para o país.
Rodrigo Constantino
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