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Um ping-pong com uma antropóloga alucinada
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Alguns esquerdistas que frequentam diariamente meu blog indicaram um texto de uma cientista social e antropóloga (tinha que ser!) como se fosse uma pá de cal me enterrando de vez, com argumentos supostamente irrefutáveis contra a tese da esquerda caviar.

Essa gente precisa desesperadamente de algum apoio, pois não aprendeu a pensar por conta própria e tampouco deseja um debate sincero sobre ideias. “Ela te humilhou!”, eles bradam, como fazem em relação ao debate que travei, anos atrás, com Ciro Gomes (truculência e monopólio da palavra viraram sinônimo de vitória em debate por aqui, e dane-se o argumento).

O nome dela é Rosana Pinheiro-Machado (foto). Seu blog já mostra o sensacionalismo na largada, com a foto de uma mulher pobre tentando vender comida no semáforo, com cara triste. Logo abaixo, sua própria foto, sorrindo, jogando a cabeça para trás, maquiada e com cabelos bem cuidados. Legítima esquerda caviar.

Pois bem, uma vez que a moça é professora em Oxford e bate em alguns pontos bastante repetidos por aí, creio que vale o ping-pong. Ela em vermelho, eu em azul, como de praxe:

“Esquerda-caviar” (*) é nova expressão inventada por gurus da direita conservadora e reacionária. E como muitas expressões levianas, elas se espalham por meio de um bando de seguidores, os quais, sem saber exatamente o que isso significa, reproduzem uma ideia falaciosa: a de que a esquerda tem que ser paupérrima. Mas só para começar a nossa discussão, é bom lembrar que a pobreza é uma invenção do capitalismo.

Aqui confesso quase ter desistido. O tempo é valioso. Como é que é? A pobreza é uma invenção do capitalismo? Quer dizer que todos eram ricos antes do advento capitalista e da revolução industrial? A senhora não sabe que Adam Smith escreveu seu clássico sobre a riqueza das nações justamente porque a perplexidade era como algumas poucas nações conseguiam enriquecer, enquanto todos viviam na maior miséria?

O estado natural da humanidade é a pobreza. Lutar contra a natureza não é fácil. A população ficou estagnada durante séculos, e de repente deu um baita salto. Graças ao capitalismo! Foi ele que tirou milhões da miséria. Os países que ainda estão longe do capitalismo são os mais miseráveis. A afirmação da antropóloga é tão absurda que deveria chocar. Só não o faz porque é uma estupidez bastante repetida pelos nossos professores marxistas, que pensam que riqueza brota do solo ou cai do céu, e que basta distribuir melhor. Roberto Campos nela:

“Os socialistas, e em especial os marxistas, sempre pensaram que existia um estado natural de abundância. Nada mais simples, portanto, que a economia de Robin Hood: tirar dos ricos para dar aos pobres.”

Nesses livros escritos por uma corja de gente que não toma banho, eu nunca aprendi que eu não poderia consumir. Eu apenas aprendi que havia algo errado no mundo: alguns têm muito e outros – a grande maioria – têm muito pouco. Os que têm pouco não possuem instrumentos para reverter esse quadro porque historicamente foram roubados por quem tem muito. Assim, eu, uma pessoa de classe média, tornei-me socialista. Ou quiçá, uma integrante da esquerda caviar.

Uma vez mais, a velha falácia de economia como jogo de soma zero. Pedro é rico porque João é pobre. O que seria da esquerda sem esse engodo? Quer dizer que Steve Jobs ficou bilionário porque roubou dos africanos? Conta outra! A riqueza no mundo como um todo é crescente, graças aos ganhos de produtividade do capitalismo. Mas se ainda existem muitos pobres, isso se deve normalmente aos obstáculos criados pelo intervencionismo estatal, defendido pela esquerda.

Vários milionários americanos ficaram ricos abrindo empresas em garagens com capital extremamente limitado. Exploraram quem? O povo pobre do Piauí? Os miseráveis do Maranhão? E eu poderia jurar que as oligarquias locais e o coronelismo nordestino, aliados do PT de esquerda, tinham responsabilidade por isso, e não o capitalismo liberal. Acorda!

Só mais uma coisa: claro que ela era de classe média, provavelmente de classe média alta! Proletário nunca quis fazer revolução comunista, e trabalhador quer melhorar de vida, em vez de estudar antropologia e culpar os ricos pela pobreza alheia. É a classe média alta, com estabilidade de emprego, que adora uma revolução socialista, como expliquei no livro (que ela não leu).

Na primeira versão deste texto que aqui apresento, este exato paragrafo iniciava-se com uma série de mea-culpa sobre meu background familiar e até meus atos de consumo do dia-a-dia. Também pensei em explicar porque um conhecido meu comunista tem uma caminhonete. Ele tem sido acusado nas redes sociais de esquerda-caviar por ter um adesivo de Che em um carro dos sonhos da direita. Quanta contradição! Comunistas deveriam andar a cavalo! Ainda eu poderia responder a Rodrigo Constantino, que teve a infelicidade de dizer que a deputada Manuela Dávila, uma vez dita comunista, não poderia optar por ser feliz em sua vida conjugal, já que isso significava uma vida liberal burguesa. 

Acho que a antropóloga precisa retornar aos livros de seus gurus. Leu mesmo Marx? Leu Che? Comunismo não era aquele que defendia o fim da propriedade privada? Então não é incoerente um comunista com um carrão importado? Então não é contraditório uma comunista que coloca a própria felicidade, sua e de sua família, acima dos interesses do Partido e da causa revolucionária, preferindo posar para revista de patricinhas? 

Será que a antropóloga, que dá aulas em Oxford, realmente não sabe que os comunistas sempre ridicularizaram a busca individual pela felicidade, como coisa de pequeno-burguês, ainda mais com interesses tão mesquinhos como a vaidade de ficar bonita na foto em uma revista feita sob medida para burgueses?

Apesar de escrever coisas que configuram uma ignorância tremenda – como no caso da deputada – o guru da Veja, Rodrigo Constantino, não é nada ignorante. Ele certamente sabe que a esquerda pode se casar e ser feliz. Ele é apenas da extrema direita e tem um papel messiânico de espalhar medo e desinformação sobre a esquerda.  (Permita-me, por favor, abrir um parêntese: como é interessante usar a expressão ‘messiânico’ para se referir a alguém da direita – esta palavra tão usada para classificar a nós, da esquerda radical e que-deveria-ser-fedorenta). Ainda pior que esse sujeito que intencionalmente joga claro sua posição politica, são aqueles que, sem qualquer conhecimento do que é o socialismo, saem reproduzindo essa falácia nas redes sociais. 

Obrigado por não me achar ignorante. Gostaria de poder dizer o mesmo a seu respeito. Mas quando vejo a acusação de que sou de “extrema direita”, não consigo. O que é isso? Não vai dizer que é o nacional-socialismo de Hitler, que odiava o capitalismo liberal e disputava almas com os comunistas?! Hayek era de “extrema direita”? Defender o livre mercado é de “extrema direita”? O nível é mesmo muito fraco desses professores esquerdistas.

Já sobre messianismo eu prefiro deixar com a esquerda. Culto da personalidade, pai dos pobres, salvador da Pátria, ídolo Che Guevara, El Comandante Fidel Castro, enfim, quem adora um messias é a esquerda revolucionária. Os liberais clássicos e os conservadores preferem a sabedoria da tradição, sem esse peso todo em heróis que vão concentrar o poder para fazer a “justiça social”.

Como justificar que o capitalismo é melhor se um socialista também tem pequenos prazeres materiais e simbólicos? Se essa pessoa foi educada que, no socialismo, as pessoas compartilham escovas de dente, como aceitar e justificar que um sujeito da ideologia perigosa tem um carro melhor que o meu? Se o cara tem um carrão, porque ele não fica feliz de ele ser o 1% da população mundial? Para que complicar as coisas e ainda querer mais igualdade? Isso realmente fica fora da cartilha da extrema direita. O mais fácil mesmo é desqualificar os socialistas, como sujeitos contraditórios.

Pequenos prazeres materiais e simbólicos? Pausa para rir. Para rir muito! Se a antropóloga tivesse lido meu livro, saberia que esses “pequenos prazeres” da esquerda caviar envolvem jatos particulares, mansões, luxos que fariam um rei corar de inveja, coberturas milionárias, apartamentos para as férias em Paris, etc. São esses os “pequenos prazeres materiais” da esquerda caviar?

Querer “igualdade” dirigindo uma Ferrari é mole! Basta falar que gostaria que todos tivessem uma igual, e continuar circulando com a sua, bem diferente, bem desigual. Tem otário que cai nessa! Tem até professora em Oxford que vai nessa!

Sinto muito. A esquerda consome e também goza de pequenos prazeres das coisas materiais. Mas existe uma grande diferença entre isso e o acúmulo de propriedade privada. Essa diferença é ética: a não ostentação, o não excesso e a consciência da origem dos produtos e das questões injustas de propriedade intelectual. Difícil definir o limite dessa ética? Sim, muito difícil, ainda que a própria acepção filosófica da palavra ética já resolva essa dificuldade.

E ela repete os pequenos prazeres! Mas atentai: a diferença é ética! É que essa gente não ostenta, sabe? Por isso não vemos excessos na vida das celebridades que adoram Che Guevara. Quem ostenta mesmo são os liberais, claro. Hayek ou Mises, por exemplo. Roberto Campos, aqui no Brasil. Que ostentador! Compare isso ao estilo de vida de Sean Penn ou Barbra Streisand, dois ícones da esquerda caviar retratados no meu livro (que ela não leu). Piada!

A injustiça da propriedade intelectual é mesmo um problema e tanto para essa turma. Vide a reação sobre as biografias não-autorizadas. O maior problema para eles, reunidos na ONG Procure Saber, liderada por Paula Lavigne, era o artista ficar sem ganhos extras com livros sobre suas trajetórias. 

Tempos atrás eu vi algo no Facebook que dizia “socialismo não é ser contra i-phone, mas a favor de que todos tenham um i-phone”. Eu discordo. Um produto de uma empresa que explora o trabalho escravo, entre outros problemas, não é o melhor exemplo do que significa socialismo. Mas a ideia que está por trás dessa frase está correta. Socialismo é uma sociedade democrática e mais igualitária em que todos possam ter as mesmas condições de partida. E nessa sociedade as pessoas compram o que quiserem – até mesmo um i-phone, se for o caso. Socialismo é a luta pela participação política de todos os sujeitos na sociedade e contra o monopólio das grandes corporações.

A Apple explora trabalho escravo? Eu poderia jurar que todos os seus funcionários escolheramvoluntariamente, trabalhar lá. E quem quiser sair, tenho bastante convicção de que não será ameaçado com o uso de coerção física pelo CEO. 

Todos comprarem o que quiserem. Que coisa linda! Eu quero uma Ferrari. Vou virar socialista então. Quero uma Ferrari! Onde já se viu o monopólio da corporação Fiat, a única que fabrica as Ferraris? Nada disso! Só os artistas ricos da esquerda caviar podem comprar um carrão desses enquanto pregam o socialismo? Quero a minha Ferrari! 

A ideia socialista de igualdade e liberdade é ameaçadora porque fere a distinção social brasileira, fonte de grande prazer de poucos. Mas os tempos estão mudando. E todos nós agora queremos caviar. E mais: entendemos que a ausência de caviar é apenas uma questão política e não de mérito.

Todo socialista deveria bater na boca ao pronunciar a palavra liberdade. Quando foi que o socialismo preservou a liberdade? Aguardo uma resposta da estudada antropóloga. Há liberdade em Cuba? Na Coreia do Norte? Havia na União Soviética? Na China de Mao? No Camboja de Pol-Pot? 

A ausência de “caviar” é apenas uma questão política. Ou seja, basta o governo resolver distribuir para todos! Mérito? Isso é coisa de liberal da “extrema direita”. Onde já se viu falar que alguns trabalham mais que outros, são mais competentes, mais criativos, mais aptos, mais habilidosos e mais capazes de satisfazer a demanda alheia? Claro que não! Abaixo a meritocracia! Vamos dividir igualmente as notas dos alunos daqui para frente, independentemente de quanto cada um tirar na prova…

Nesse contexto ameaçador, é preciso requentar a mitologia anti-comunista, reproduzida sem qualquer conexão com a realidade. Comer criancinha não cola mais. Colava durante a ditadura militar, quando jovens “fanáticos” davam a sua vida pela liberdade.

Se a antropóloga tivesse lido meu livro ou estudado história, saberia que até isso aconteceu de fato, ou seja, comunistas comeram crianças! Na China fizeram pior: obrigaram os familiares a comerem partes das vítimas, mortas diante de seus olhos. Mas estudar dá trabalho. É muito mais fácil repetir mentiras por aí e ironizar uma suposta “paranoia” de quem conhece melhor os fatos.

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