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450 anos da minha “cidade maravilhosa”: adeus, Rio!
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Hoje o Rio de Janeiro completa 450 anos de idade, e meus sentimentos em relação à “cidade maravilhosa” são ambíguos e contraditórios. Gosto do Rio, em vários aspectos. Mas odeio tantos outros. Como naquele comercial em que os brasileiros estão metendo o pau no país, até um argentino resolver fazer o mesmo, sou do tipo que mais critica do que elogia, mas não gosto quando a turma de fora vem fazer coro às minhas críticas. É meu último resquício de bairrismo, já quase inexistente. Deixem que falo mal do Rio eu mesmo, paulistas!

A alma do carioca é bem representada por aquele conhecido estilo descolado, simples, desapegado. No limite, somos o ícone perfeito do malandro, incorporando como nenhum outro estado brasileiro o “jeitinho” nacional. Há o lado positivo, não nego. Torna a vida mais leve, a sensação, especialmente para quem visita, é de que o carioca é mais tranquilo, sabe viver melhor, vive para comer, em vez de comer para viver, e trabalha para curtir, em vez de curtir o trabalho. Se tivesse que escolher uma dupla para representar tal estilo de vida, seria Evandro Mesquita e Fernanda Abreu: cariocas da gema.

Mas os problemas começam quando o pêndulo exagera para o outro lado, quando o toque de malandragem descamba para o excesso de oportunismo, quando o “jogo de cintura” vira sinônimo de “malandragem” excessiva. No Rio há malandro de mais para otário de menos. Somos malandros no varejo, otários no atacado. O “jeitinho” personalista tomou conta de tudo, destruindo qualquer chance de império das leis isonômicas e impessoais. Aqui tudo é no “afeto”, na “emoção”, e falamos com os outros sempre apelando para nossa situação, tentando extrair a camaradagem para obter vantagens e privilégios em vez de seguir as regras.

Deu nisso. O Rio foi se tornando um dos locais mais violentos do mundo, com sujeira para todo lado, terra de ninguém, onde as leis não existem para serem obedecidas. Sei que isso vale para o Brasil todo, mas aqui é um caso especial, por vários motivos. Fomos capital do país, abrigamos grande parcela do funcionalismo público, nos tornamos o centro “cultural” do Brasil, o que significa dizer que a esquerda caviar dominou a cena carioca. Enquanto víamos os paulistas como uns bobos que só trabalhavam e não sabiam curtir a vida, íamos perdendo mais e mais indústrias para eles. Sobrou o petróleo, pois não tem jeito mesmo, mas até isso foi pro espaço com a incompetência e roubalheira na Petrobras.

O Rio passou a enaltecer seus defeitos como se fossem qualidades. O estado foi tomado por favelas, blindadas por Brizola da polícia, tornando-se verdadeiras fortalezas do crime? Então vamos passar a elogiar as favelas, chamá-las pelo eufemismo de “comunidades”, e mostrar no programa “Esquenta!” de Regina Casé como são lugares maravilhosos, que deveriam servir de inspiração para os “burgueses” do asfalto. Em vez de encarar o problema de forma realista, fingimos que ele não existe, ou que é uma qualidade nossa. A cara do Rio!

Ah, mas a natureza… De fato, o Rio é a cidade maravilhosa, abençoada por Deus. Mas o que fizemos dessa paisagem incrível? Alguém consegue pedalar pelas Paineiras com um mínimo de tranquilidade? Alguém circula pela Vista Chinesa em paz? Alguém chega ao Corcovado ou ao Pão de Açúcar sem transtorno no trânsito caótico e ensandecido, ou sem risco constante de assalto? Alguém frequenta as belas praias sem medo de arrastão, sem contato com uma porcalhada infindável ou com algum conforto em meio a uma multidão sem educação? De que adianta a bela natureza se não soubemos aproveitá-la?

Agora o Rio está em obras. As Olimpíadas vêm aí, e são bilhões de investimentos. O transtorno chegou a patamares absurdos, fazendo o trânsito de São Paulo parecer bom. Fosse um transtorno temporário, vá lá: poderíamos suportar de forma estóica. Mas sabemos que são medidas paliativas, “puxadinhos”, soluções precárias como o BRT, que não vão resolver nada. Também sabemos que os bilhões investidos não deixarão um legado decente, e que corremos o risco de viver o que os gregos viveram após os jogos em Atenas. O estado já está quase quebrado. Acertamos nas prioridades?

Confesso ao leitor: estou cansado disso tudo. Estou cansado de ver tantos defeitos jogados para baixo do tapete por uma gente bairrista que confunde amar a cidade com tapar o sol com a peneira. Análogo a um pai que faz vista grossa ao problema do filho com drogas pois não suporta a dura realidade. O amor verdadeiro está em encarar o problema com realismo. O Rio é uma cidade que poderia ser maravilhosa, que tinha tudo para ser fantástica, mas não é. E isso precisa ser dito. O carioca conseguiu avacalhar com o Rio.

“Preciso estar outra vez entre seres humanos. Pois nesse verão, em meio às abelhas e aos dentes-de-leão, minha misantropia degenerou gravemente”, escreveu o sempre ácido Karl Kraus. Quando estamos perto demais, vemos melhor os defeitos. Quando nos afastamos, podemos lembrar melhor das qualidades. É como o namorado que só valoriza o que tinha quando já perdeu a namorada. Talvez eu precise ficar um tempo longe do Rio mesmo, para aprender a enxergar melhor seu lado bom. E é exatamente isso que farei. Uma longa temporada na Flórida talvez faça com que eu sinta saudade do Rio, apesar de seus tantos defeitos. Ou não…

Rodrigo Constantino

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