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A estrutura de capital e o fracasso do desenvolvimentismo
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O governo brasileiro é intervencionista ao extremo na economia. Tenta estimular a demanda por um lado, e controlar a oferta do outro. Não funciona. Acaba produzindo um crescimento artificial e insustentável, calcado na expansão da demanda com base no crédito sem lastro.

Quanto fica claro que há demanda demais para pouca oferta, batendo na inflação, os desenvolvimentistas pensam que cabe ao governo resolver o problema, normalmente por meio de medidas protecionistas, subsídios do BNDES e coisas do tipo. Novamente, não funciona.

Basta ler os artigos de Benjamin Steinburch, Bresser-Pereira e Marcelo Miterhof na Folha para ter noção da “receita” proposta por eles. Mais intervenção estatal, controle de preços, redução artificial da taxa de juros, câmbio desvalorizado etc. Nunca aprendem.

Miterhof, que é economista do BNDES, defendeu justamente isso em sua coluna de hoje:

As empresas nacionais precisam produzir coisas novas. Para tanto, é fundamental a participação do Estado, via participações acionárias, compras públicas ou por investimentos em firmas iniciantes de base tecnológica. Há riscos. Porém, sem corrê-los, ficaremos presos a uma armadilha, que não é a da renda média, mas a de ser apenas fornecedor global de recursos naturais.

Tudo errado! Não é nada fundamental a participação do estado. Justamente o contrário: precisamos de menos estado, de menos intervenção. Um dos principais erros dos desenvolvimentistas é tratar o capital como algo homogêneo, uma variável constante de suas planilhas econométricas. Tal abordagem impede uma visão mais realista de como funciona a economia de fato.

Para ajudar no debate, segue um artigo um pouco mais técnico, mas que esclarece a importância de se lidar com o capital de forma mais realista. Tal compreensão é apenas mais um motivo pelo qual o livre mercado com regras claras e pouca presença estatal é o melhor caminho para o progresso.

A estrutura de capital

“Qualquer tentativa de combater a crise com a expansão de crédito, portanto, será não apenas o simples tratamento dos sintomas como causas, mas poderá também prolongar a depressão atrasando os ajustes reais inevitáveis.” (Hayek)

Em um ambiente acadêmico com foco coletivista na economia, a figura de Ludwig Lachmann merece destaque, principalmente por sua contribuição na teoria do capital com base no subjetivismo “austríaco”. Lachmann recebeu seu doutorado pela Universidade de Berlim, e foi durante seu período na London School of Economics que ele formou melhor suas idéias sobre a economia “austríaca”, sob forte influência de Hayek.

Em vez de aceitar a premissa totalmente irrealista de uma estrutura de capital homogêneo, Lachmann propôs o conceito de uma estrutura de capital composta de uma grande variedade de elementos produtivos complementares. A obsessão de muitos economistas com modelos de equilíbrio e dados agregados acaba gerando conclusões econômicas falaciosas.

Nesse contexto, o livro Capital & Its Structure, originalmente publicado em 1956, ainda parece bastante atual e merece maior atenção num mundo dominado pelo keynesianismo. A teoria do capital deve ser uma teoria dinâmica, basicamente porque as mudanças no uso de bens duráveis refletem a aquisição e transmissão de conhecimento. Os modelos estáticos de equilíbrio, que tratam o capital como se fosse homogêneo, pecam por não permitir essa ênfase no processo de mudança nos mercados.

O que define o capital, em primeiro lugar, não são suas propriedades físicas, mas suas funções econômicas. E estas dependem do consenso dos empresários, da capacidade de se extrair lucro de seu uso. Uma instalação fabril, um barril de bebida, um alto-forno, esses bens representam capital à medida que os empresários conseguem utilizá-los para obter ganhos no mercado. E o principal agente de todos os processos econômicos é justamente essa interação de mentes, a transmissão de conhecimento no mercado, que permite ajustes constantes na estrutura desse capital heterogêneo.

A complexidade começa justamente porque esse capital, ao contrário do trabalho, carece de uma unidade “natural” de medida. Enquanto podemos somar a quantidade de trabalhadores, não podemos somar barris de cerveja com caminhões e fios de cobre. Cada bem de capital pode ser usado apenas para um número limitado de propósitos, e em cada momento ele será destinado para aquilo que as circunstâncias sugerem como seu melhor uso ao seu dono, ou seja, seu uso mais rentável.

Mudanças inesperadas, i.e., não planejadas pelos empresários, irão demandar mudanças no uso dos bens de capital. As combinações anteriores serão desfeitas. Por esta razão, não é possível medir o capital de forma acurada. Seu valor será afetado por cada mudança inesperada. Muita confusão surge quando economistas ignoram este fato e adotam a mentalidade do contador, encarando o capital como uma classe homogênea com base em sua expressão monetária.

Uma teoria do investimento, calcada na premissa de um estoque de capital homogêneo e quantificável, está fadada a ignorar importantes aspectos da realidade. Não consegue lidar com mudanças na composição desse estoque de capital. No entanto, parece evidente que tais mudanças representam algo de fundamental importância na economia.

Diferentes bens de capital são não só heterogêneos, como complementares, e a estrutura de capital – as várias formas que esses bens serão usados – produz importantes impactos nas decisões de investimento. Em outras palavras, as decisões de investimento dependem em cada momento da composição do estoque existente de capital. Qualquer teoria que ignora este aspecto irá apresentar resultados no mínimo extremamente incompletos.

Uma importante conclusão desses pontos levantados por Lachmann diz respeito à quantidade de oportunidades de investimento que surgem graças ao fracasso de combinações passadas no estoque de capital. Ou seja, mudanças inesperadas fizeram com que planos antigos se mostrassem inadequados, e o capital destinado a estes projetos está agora mal alocado.

Justamente por vivermos num mundo de constantes mudanças inesperadas, que ninguém é capaz de antecipar, a função do empresário se torna crucial, para dissolver e rearrumar a estrutura de capital existente, de forma a atender da melhor forma possível seu uso. Para tanto, o mecanismo de transmissão de conhecimento deve funcionar livremente, e este é o mecanismo de preços.

Lachmann destaca a relevância do aspecto subjetivista nessa aquisição de conhecimento. A conduta humana não segue um padrão determinado, e por ser moldado pela experiência individual, existe um claro aspecto subjetivista na interpretação das experiências. Pessoas diferentes reagem de forma diferente em experiências semelhantes.

Assumir uma função dada de comportamento, ou uma equação de “reações empresariais”, significa tratar os empresários como autômatos incapazes de pensar de forma diferente. Portanto, a análise deve ser dinâmica para permitir expectativas variáveis dos diferentes empresários. Modelos matemáticos que ignoram esta subjetividade na interpretação das experiências passadas acabam sendo irrelevantes muitas vezes.

O progresso econômico é um processo que envolve tentativa e erro, e nessa trajetória, novo conhecimento é adquirido gradualmente, com freqüência de forma dolorosa, sempre representando perda para alguém. Bens de capital que foram originalmente destinados para alguma função precisam ser realocados pelos empresários. Os preços de mercado representam o mais eficiente mecanismo de transmissão do conhecimento disperso no mercado.

Em um mundo com mudanças inesperadas, o principal problema da teoria do capital é adaptar o capital “mal investido” a outras funções. Esse é o principal papel dos empreendedores na economia. Impedir a mudança livre nos preços de mercado, portanto, é barrar a transmissão de conhecimento.

Existe, porém, outra forma de distorcer totalmente a estrutura de capital, que é a inflação. O processo inflacionário não “toca todos os sinos” ao mesmo tempo; alguns setores irão acusar a informação antes, sem reconhecer o fator ilusório nessa nova informação. Os empresários deste setor pensarão que seus planos iniciais eram tímidos, e novos projetos parecerão mais rentáveis do que são de fato.

Programas de expansão de capital serão iniciados, que não seriam viáveis antes. Ocorre, portanto, um “mal investimento”, um desperdício de capital em planos guiados por informação enganosa. Quanto mais complexa a estrutura de capital na economia, resultado do progresso de uma sociedade, maior pode ser o estrago causado por esta distorção no mercado. Afinal, há uma grande “divisão de capital”, análoga à divisão de trabalho citada por Adam Smith, e por tabela uma especialização maior. A complementaridade dos inúmeros bens de capital será afetada de forma mais perversa pela distorção.

Em suma, o maior grau de complexidade poderá representar também um risco maior durante uma distorção nos preços, causada por intervenções do governo. O principal preço que pode levar a tais distorções é, sem dúvida, a taxa de juros. Quando esta é manipulada, de forma a permanecer artificialmente baixa, uma fase de grandes investimentos começa, sem que recursos adequados existam para suprir as necessidades futuras de capital.

Para piorar a situação, até os recursos existentes acabam desperdiçados, utilizados de forma ineficiente e contando com bens complementares de capital que não estarão disponíveis. Para os keynesianos, o curso do ciclo econômico significa basicamente flutuações no grau de utilização dos recursos existentes. Mas, como Lachmann deixa claro, o reagrupamento dos recursos, assim como o aumento ou redução em certas direções, são fatores fundamentais do ciclo.

Logo, as soluções propostas pelos keynesianos não resolvem as crises causadas pelo período de forte aceleração dos investimentos. Ao contrário, podem acabar agravando os males criados pelas distorções no mercado, contribuindo para uma visão ainda mais nebulosa dos empresários. Políticas destinadas a restaurar as magnitudes dos valores agregados macroeconômicos, como emprego ou renda, irão fracassar.

As conseqüências dos erros nos planos de investimentos na fase da bonança são inevitáveis. Alguém terá que pagar por eles. Um esforço do governo para simplesmente manter a demanda agregada através do estímulo ao consumo irá prejudicar o processo necessário de ajuste. Impedindo o reajustamento da estrutura de capital, o governo cria novamente a ilusão de que projetos fracassados são bem-sucedidos, e acaba estimulando a alocação de mais capital para projetos que deveriam ser abandonados.

Enfim, sem a pressão dolorosa das forças de mudança não há progresso econômico, e são as ações dos empreendedores, na especificação dos usos do capital, que permitem esse progresso econômico.

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