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A paixão da esquerda pelo povo é bem seletiva…
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A pesquisa do Ipea sobre o merecimento ou não do estupro gerou enorme controvérsia. O que pouca gente questiona é que raios um instituto de pesquisa econômica aplicada tem a ver com o assunto, como foi feita a pergunta, o que o entrevistado entende por “merecer”, por que a grande maioria dos entrevistados era mulher, etc. Mas isso não vem ao caso aqui.

Se aceitarmos que a resposta é legítima, trata-se de um resultado absurdo, como comentei aqui. Eu escrevi com todas as letras:

O Brasil precisa evoluir e muito ainda. Ao menos a imensa maioria acha que o homem que bate na mulher deve ser preso. Menos mal. Mas essa mentalidade que culpa a própria vítima pelo estupro é absurda, chocante. É análoga àquela que culpa o rico pelo seqüestro ou assalto, como se a própria desigualdade em si desse o direito de o ladrão roubar.

A esquerda, entretanto, fez o que sabe fazer melhor: tirou uma frase minha do contexto, ignorou todo o restante do artigo, espalhou pelas redes sociais o oposto da minha mensagem central, afirmando que eu culpava a vítima pelo próprio estupro, e ignorou a contradição da própria esquerda, que culpa a vítima quando o crime é assalto.

Quem escreveu um ótimo texto sobre o tema foi Flavio Morgenstern para o site “Implicante”. Recomendo a leitura.  Aqui, mostro apenas a conclusão de forma muito sucinta, com o uso de um gráfico que expõe justamente a hipocrisia da esquerda:

Mas divago. O tema, aqui, é a seletividade da própria esquerda em relação ao que pensa o “povo”, esse ente abstrato que ela diz amar e defender, mas que tantas vezes desperta fúria na mesma esquerda quando diz o que pensa. Foi o assunto da excelente coluna de João Pereira Coutinho na Folha hoje. Diz ele:

A ESQUERDA gosta de romantizar o povo. Exceto quando o povo é pouco romântico e expressa o que realmente pensa sobre o mundo.

Uma enquete do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) horrorizou algumas consciências “finas” com as opiniões do povo sobre a violência contra as mulheres.

[…]

A pesquisa é interessante porque revela um dos problemas centrais da política moderna: como defender um regime democrático das “tiranias da maioria”?

Certo: a democracia pode ser o governo do povo, para o povo e pelo povo. Mas o que fazer quando o povo apoia a pena de morte, deseja perseguir homossexuais ou, no caso da pesquisa, tolera estupros contra mulheres de minissaia?

Eis o desafio que os pais fundadores dos Estados Unidos enfrentaram. E a resposta deles, contida nos “Federalist Papers” (uma coletânea de ensaios em defesa da ratificação da Constituição) continua válida, mais de 200 anos depois: a única forma de impedir o perigo das “facções” (um termo caro a James Madison) passa pela defesa de um sistema de governo representativo.

Que o mesmo é dizer: o povo não decide diretamente os assuntos da comunidade; o povo apenas elege os seus representantes para que sejam eles a filtrar a opinião da maioria, decidindo de acordo com um julgamento mais ponderado e informado.

Os herdeiros de Rousseau, que deploram a “democracia representativa” e têm orgasmos com a “democracia direta”, deveriam escutar mais vezes as aberrações que o povo defende.

Eis o paradoxo da esquerda: prega a “democracia direta”, na esperança de que sua elite será capaz de manipular o povo todo, mas rejeita o que o povo pensa em inúmeros casos. O povo não é ainda tão “esclarecido”, e caberá a ela, a nata da esquerda, mostrar-lhe a luz e o caminho.

Ao mesmo tempo, o instrumento que prega para isso é o plebiscito, um governo “direto” que despreza a representatividade. O resultado é a “tirania da maioria”, manipulada por uma minoria que detém o poder e escolhe quais perguntas e como serão feitas nesses plebiscitos.

Em resumo, o “povo” só serve para a esquerda quando é uma massa manipulável. Quando suas ideias vão contra a visão de mundo esquerdista, aí o povo não presta, é preconceituoso, não vale nada…

Rodrigo Constantino

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