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Chega de ajuda! O assistencialismo ocidental fomenta a miséria africana
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“O melhor lugar para achar uma mão auxiliadora é no final de seu braço.” (Provérbio Sueco)

Durante décadas, os países emergentes conviveram com bilhões em empréstimos e doações por parte de instituições como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Infelizmente, tal ajuda se mostrou completamente ineficaz. As violentas crises não foram evitadas, muito pelo contrário. A causa do insucesso está no fato de que faltavam os incentivos adequados para as necessárias reformas estruturais desses países.

O caso da Zâmbia é típico do padrão ocorrido. As ajudas internacionais chegaram a representar um quarto do PIB do país, enquanto a inflação era de 40% ao ano. Países com três dígitos de inflação recebiam a mesma ajuda que países com um dígito. Não era o critério de sucesso das reformas que condicionava a ajuda. O resultado foi um contundente fracasso. Algo como metade dos programas do FMI trouxeram a inflação para baixo. Uma taxa de sucesso não diferente do lance de uma moeda!

Os casos se repetem. O Banco Mundial e o FMI deram para Côte d’Ivoire, ou Costa do Marfim, 18 empréstimos entre 1980 e 1994. Ainda assim, o país incorreu em déficit fiscal de 14% do PIB entre 1989 e 1993. Fazer o dever de casa não parecia uma condição necessária para ser ajudado. Não se trata de um caso isolado. O Paquistão recebeu 22 empréstimos entre 1970 e 1997. O déficit permaneceu estável em 7% do PIB durante este período, contrariando o acordo estabelecido. O mais espantoso de tudo talvez seja o fato de que não havia distinção entre países corruptos ou não. Não há como gerar um bom resultado emprestando dinheiro para um governo sabidamente corrupto, e no entanto foram vários os casos, incluindo Libéria, Haiti, Indonésia, Paraguai e Congo.

A ajuda, aparentemente, é determinada pelos interesses estratégicos dos doadores, não pelas escolhas políticas dos receptores. Isso explica o governo dos Estados Unidos ajudar tanto o Egito, como retribuição pelo acordo de paz assinado em Camp David, ou a França ajudar suas ex-colônias.

Os governos irresponsáveis que recebiam as doações e empréstimos sempre encontravam uma maneira de burlar os acordos travados. Para entregar alguns índices acordados, bastava modificar a forma de tomar emprestado do futuro, jogando a fatura para a frente. Assim, governos cortaram investimentos em infra-estrutura, condenando o potencial futuro, para mostrar melhores números no presente. Ou então garantiam empréstimos subsidiados para estatais deficitárias, adiando a conta a ser paga. Ou ainda, emitiam moeda para cobrir gastos correntes, gerando inflação. O ponto é que não existiam os corretos incentivos para as necessárias reformas de longo prazo.

Por isso o ciclo ajuda das agências internacionais, crise aguda, e nova ajuda, parecia se perpetuar. Doze países receberam 15 ou mais empréstimos do Banco Mundial e FMI durante o período de 1980 a 1994. A mediana do crescimento per capita nesses 12 países nesse período foi zero. As políticas que realmente garantem o crescimento sustentável, como maior abertura econômica e redução significativa dos gastos públicos, simplesmente não estavam presentes. Faltavam os incentivos para tanto.

Os incentivos para os burocratas e economistas que decidem o destino da ajuda são muitas vezes perversos e contrários aos reais interesses da população, tanto do país que empresta como da que recebe. Em primeiro lugar, os departamentos das instituições de ajuda costumam ser divididos por países ou regiões, e o orçamento do grupo é determinado pela magnitude dos recursos doados. Maiores orçamentos estão associados a maior prestígio, e garantem a renovação do alto orçamento no ano seguinte. Em segundo lugar, muitas vezes o país receptor já é reincidente, com dificuldades para honrar a dívida assumida anteriormente, e deixar o cliente declarar calote seria uma mancha no currículo, um atestado de fracasso. Logo, as instituições acabam renovando os empréstimos apenas para que os antigos sejam pagos. Do lado receptor, mais miséria significa mais ajuda. Os pobres tornam-se reféns da lógica dos acordos. Enfim, é burocrata de um lado, burocrata do outro, e no meio ficam os explorados, tanto os pagadores de impostos que sustentam as agências de ajuda como o povo das nações pobres, vítimas do abuso estatal. São os pobres dos países ricos, ajudando os ricos dos países pobres. *

Como o economista queniano James Shikwati chegou a declarar, “a África necessita é de uma chance para ser capaz de administrar e comercializar as próprias riquezas”. O economista pede o fim das ajudas internacionais. Na década de 80, a África Subsaariana recebeu 83 bilhões de dólares em auxílio. No mesmo período, o padrão de vida na região caiu 1,2% ao ano. Shikwati conclui: “A doação só tornou os países africanos mais dependentes de ajuda”. E como solução, o economista diz que “o caminho para o desenvolvimento é ter acesso livre a outros mercados e conseguir investimentos externos”.

Exatamente. Os países pobres precisam aprender a viver sem as esmolas, e a população terá que pressionar seus governos pelas reformas estruturais. A velha máxima de aprender a pescar em vez de ganhar um peixe. Caso contrário, a condição de babá e bebê irresponsável irá durar ad infinitum. Novas crises virão, fruto da irresponsabilidade dos governos gastadores dos países pobres. E mais ajuda será preciso. Precisa-se de reformas verdadeiras, que reduzam a intervenção e o tamanho do Estado na economia. Chega de esmolas! Chega de ajuda!

* Um autor que tratou de forma muito parecida do tema foi Lord Peter Thomas Bauer, no livro From Subsistence to Exchange and Other Essays. Bauer explica que os problemas já começam no uso do termo “ajuda”, o que confere um monopólio de compaixão aos defensores das doações internacionais contra seus críticos. Uma das conseqüências claras dessa “ajuda” é a promoção da politização da vida nos países receptores. A via política passa a ser mais relevante para o sucesso relativo que a via econômica. O critério é cruel também, já que não contribui em nada para a saída da miséria, uma vez que é justamente a miséria que garante mais ajuda. Bauer segue mostrando que a história é prova de que várias famílias, grupos, comunidades ou países saíram da miséria para a prosperidade sem doações e em curto espaço de tempo. Se a ajuda externa fosse indispensável para o avanço econômico, o mundo estaria na Idade da Pedra ainda, pois do ponto de vista do planeta, não há subsídio externo algum. O foco de Bauer está na conduta humana, já que o desemenho econômico depende de fatores culturais e pessoais, das atitudes e motivações das pessoas, das instituições políticas. A ajuda externa promove a dependência. Ela encoraja a idéia de que a emergência da miséria depende de fatores externos. Infelizmente, segundo Bauer, essa lógica encontra forte resistência nos interesses dos poderosos. As doações internacionais favorecem justamente esses à custa do povo.

 Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.

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