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Esquerda não é sinônimo de preocupação com pobreza
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Um dos temas mais repetidos por mim diz respeito ao monopólio das virtudes por parte da esquerda. Bato tanto nesta tecla por compreender que essa estratégia é a única razão remanescente para tanta gente ainda defender as bandeiras esquerdistas, mesmo após tantos fracassos na prática. Muitos passaram a associar automaticamente que ser de esquerda é sinônimo de se preocupar com os mais pobres, o que é uma grande falácia. É uma forma canalha de evitar um debate sério sobre os melhores meios para efetivamente melhorar a vida dos pobres.

Quando a esquerda chega ao poder, invariavelmente vemos um choque entre discurso e realidade. É a velha hipocrisia, sua marca registrada. Aqueles que falavam tanto em nome dos pobres acabam levando uma vida de nababos, enquanto suas medidas supostamente benéficas aos mais pobres acabam produzindo mais miséria. Mas eles continuam blindados das críticas, pois sua retórica monopoliza a boa intenção para com os desvalidos. Quem os critica só pode fazê-lo por pertencer a uma elite insensível que defende os interesses dos ricos e do capital, de forma até golpista. E tem gente que ainda cai nessa ladainha!

Esse é o discurso oficial de Lula, feito inclusive no mesmo dia em que convocou o “exército do Stédile” para tomar as ruas em ato “em defesa da Petrobras”, a estatal que sua turma pilhou e destruiu. O discurso encontra eco em mentes esvaziadas pela ideologia, deixando de lado a possibilidade suspeita de receberem para tal serviço. Foi o caso de Bresser-Pereira, que disse em entrevista à Folha exatamente a mesma coisa: o ódio ao PT é fruto da revolta da elite com a ascensão (qual?) dos pobres. E hoje foi a vez de Verissimo repetir as palavras de Bresser-Pereira em sua coluna:

Para quem não se lembra, Bresser Pereira foi ministro do Sarney e do Fernando Henrique. A entrevista à “Folha” foi dada por ocasião do lançamento do seu novo livro “A construção politica do Brasil” e suas opiniões, mesmo partindo de um tucano, não chegam a surpreender: ele foi sempre um desenvolvimentista nacionalista neokeynesiano. Mas confesso que até eu, que, como o Antônio Prata, sou meio intelectual, meio de esquerda, me senti, lendo o que ele disse sobre a luta de classes mal abafada que se trava no Brasil e o ódio ao PT que impele o golpismo, um pouco como se visse meu avô dançando seminu no meio do salão — um misto de choque (“Olha o velhinho!”) e de terna admiração. Às vezes, as melhores definições de onde nós estamos e do que está nos acontecendo vem de onde menos se espera.

A fala de Bresser-Pereira não surpreende mesmo, e chamá-lo de tucano, hoje, é ignorar que o homem vem, há anos, trocando a posição moderada de esquerda do PSDB pelo radicalismo chavista. Isso mesmo: se Verissimo estivesse mais atento, saberia que Bresser-Pereira escreveu vários artigos defendendo o modelo argentino de Kirchner e até mesmo a Venezuela. Ou seja, trata-se de um “carbonário” sim, um sujeito que posa de manso enquanto defende o que há de mais radical e violento na política. Como faz, inclusive, o próprio Verissimo.

Alguns podem alegar que ambos estão gagás, mas discordo. Isso é um método, uma estratégia, que a esquerda já usa há décadas. E por trás disso está justamente a tentativa de insistir na associação indevida entre esquerda e altruísmo, como se somente os esquerdistas se preocupassem com os mais pobres. Tudo falso, claro. Mentira das grossas. Mas retire isso de gente como Bresser-Pereira ou Verissimo, e não resta mais nada! São incapazes de argumentar, de sustentar fatos, restando somente esse papelão de tentar monopolizar as virtudes e acusar os demais de “golpistas” que odeiam os pobres.

Verissimo não é meio intelectual, meio de esquerda. Ele é um “intelectual”, e 100% de esquerda. E está defendendo o indefensável: uma quadrilha que pilha o estado há anos, tudo em nome dos mais pobres (que ficam cada vez mais pobres com a elevada inflação produzida pelo governo de esquerda). A esquerda petista representa apenas o velho patrimonialismo que confunde público com privado, como mostra Ricardo Vélez Rodríguez em artigo no Estadão hoje:

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Ou seja, um grupo de políticos montou um butim no estado, drenando recursos públicos para seus cofres e para financiar seu projeto de poder perpétuo, e fez tudo isso com o discurso que monopolizava a preocupação com os mais pobres. O uso das estatais é prova disso, e levou ao petrolão. O que os mais pobres ganham com a destruição da Petrobras? Absolutamente nada. Eles pagam a conta. Mas Lula ainda tem a cara de pau de bancar o defensor da estatal contra a elite que desejaria destruí-la. É um reino do faz de conta, como escreveu Ferreira Gullar em sua coluna hoje:

Diante de tamanha encrenca, nem o espertalhão do Lula sabe o que fazer. Tanto é verdade, que teve a coragem de, mais uma vez, inventar uma manifestação em defesa da Petrobras. Logo ele que nomeou e manteve nos cargos principais da empresa quem a saqueou?

Isso, de certo modo, me faz lembrar o presidente da Venezuela, o farsante Maduro, que diz se comunicar com o falecido Hugo Chávez com a ajuda de um passarinho.

Como Lula, ele sabe que afirmações como essas não podem ser levadas a sério, a não ser por débeis mentais. Lula não chega a esse nível de surrealismo, mas abusa da inteligência alheia quando promove atos públicos em defesa da empresa que ele e sua gente saquearam.

Talvez seja por isso que, vendo que quase ninguém ainda acredita em tais lorotas, outro dia perdeu a cabeça e, para tentar intimidar os adversários, ameaçou pôr nas ruas o “exército de Stédile”. Creio que ninguém sabia que esse já um tanto esquecido líder dos sem-terra possui um exército. Vai ver que é o famoso exército de Brancaleone. 

Parece piada, mas deve ser levado a sério. Afinal, sabemos do que esses saqueadores são capazes, e basta ver o estrago que causaram e ainda causam na Venezuela. Tudo, vale lembrar, sempre em nome dos pobres. O que me remete ao excelente artigo de Mario Vargas Llosa publicado no Estadão hoje, cuja conclusão vai perfeitamente ao encontro do tema desse texto:

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Quando liberais, conservadores ou mesmo os social-democratas da esquerda mais moderada e democrática aceitam entrar no jogo da esquerda bolivariana, colocand0-se na defensiva em relação à acusação de que representam a elite rica, então não teremos chance de reverter o quadro de verdade. É preciso atacar o mal pela raiz, desmascarar os embusteiros, esfregar sua hipocrisia em suas caras de pau.

Por isso escrevi Esquerda Caviar, inclusive. Pois entendo que a principal luta passa pela retirada desse monopólio das virtudes, para que o debate passe a ser voltado para os melhores métodos de redução da pobreza, e não sobre quem deseja ou não defender os pobres. A preocupação com a pobreza não é exclusividade da esquerda.

Ao contrário: do ponto de vista histórico, não só o inferno está cheio de boas intenções, como vários governantes esquerdistas sequer estavam mesmo interessados em ajudar os mais pobres. Era tudo apenas parte de um discurso mentiroso, hipócrita, que usava a pobreza como arma política. Até quando isso vai funcionar?

Rodrigo Constantino

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