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Intimidade na era das redes sociais. Ou: Altares públicos para umbigos privados
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A coluna de João Pereira Coutinho de hoje está, como de praxe, excelente. Toca em questão muito importante: até que ponto estamos, voluntariamente, abrindo mão de uma das maiores conquistas ocidentais, que é o direito à privacidade?

No afã de ter nosso “momento Caras”, e colecionar mais algumas curtidas de amigos e “amigos” (ninguém tem 500 amigos, gente!), acabamos dando de mão-beijada para todos o roteiro de nossas vidas, o que gostamos, onde vamos, qual comida comemos, e por aí vai.

As mudanças tecnológicas costumam melhorar nossas vidas, mas têm quase sempre um outro lado também. Os de espírito mais conservador, como é o caso de Coutinho, costumam focar nesse lado negativo. Pode ser que exagerem no pessimismo com suas distopias e alertas.

Ainda assim, considero os alertas totalmente válidos. Se não pensarmos nos riscos das mudanças, seremos pegos de surpresa quando ocorrer o pior. Trazer à tona o debate, inclusive abordando possíveis problemas futuros que essa super-exposição pode gerar, é dever de todo defensor das liberdades. Segue, portanto, trecho do ótimo artigo:

O recente escândalo com a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos é um caso exemplar. Sim, mil vezes sim: não cabe ao governo americano violar grosseiramente a privacidade de cidadãos e estrangeiros, espiolhando e-mails e contas de Facebook.

Mas, oh Deus, é tão fácil e tão tentador! Antigamente, espionagem era coisa difícil. Perigosa. Demorada. Era preciso vigiar o suspeito –dias, semanas, meses. Conhecer as suas rotinas com precisão de mulher despeitada. Depois, era preciso entrar lá em casa, instalar grampos, sair sem deixar rastro.

E depois vinham novos dias, semanas ou meses em que era preciso escutar com paciência de santo todas as conversas, todos os suspiros, todos os roncos do sujeito.

Hoje, uma distopia como o “1984” de George Orwell seria incompreensível. Não é preciso nenhum aparato totalitário para saber quem somos, o que somos, o que fazemos, onde estamos, do que gostamos, do que não gostamos, com quem vivemos, onde nascemos, onde estudamos, o que estudamos, o que fazemos.

Nós próprios fornecemos essa longa lista de privacidades que fariam as delícias das antigas polícias secretas dos regimes totalitários. Alegremente. Publicamente. Voluntariamente. E cedemos por quê?

O filme é fraco, mas a frase é primorosa: “Vaidade: definitivamente, o meu pecado favorito”. Assim falava “O Advogado do Diabo”, pela boca diabólica de Al Pacino.

Que o mesmo é dizer: mergulhados na nossa irreprimível condição narcísica, usamos a tecnologia e as redes sociais para montar pequenos altares públicos aos nossos umbigos privados.

E, claro, nessa adoração onanista acabamos por destruir a mais importante conquista da civilização ocidental: esse espaço íntimo onde os olhos de terceiros não entram.

Nada disso desculpa os abusos do poder político? Fato. Mas quem não quer ser tratado como carne para canhão não deve exibir-se nas vitrines holandesas dos bairros vermelhos da internet.

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