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Luta de classes
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“A burocracia é um gigantesco mecanismo operado por pigmeus.” (Honoré de Balzac)

Karl Marx diagnosticou uma luta de classes vigente em sua época. Existiria, segundo ele, uma disputa entre capitalista dono dos meios de produção e trabalhador, sendo que o primeiro levaria vantagem se apropriando da “mais valia”, o suposto excedente produzido pelo proletário e não pago pelo dono dos meios de produção. Marx ignorava coisas básicas em economia, como a lei de oferta e demanda e o fato de o valor ser subjetivo. Mas foi com esta visão distorcida da realidade que ele incitou uma revolução do proletariado, que deveria se unir e tomar o poder à força e sangue. As conseqüências, nos países que tentaram colocar em prática seus “ensinamentos”, foram justamente muito sangue, assim como a destruição do capital, e por tabela a do trabalhador também. A miséria de todos, menos os donos do poder, foi o que restou.

Infelizmente Marx não viveu para ver os ganhos do trabalhador justo no país que mais valorizou o capital e a liberdade. Os Estados Unidos iriam experimentar um crescimento fantástico em sua economia, melhorando bastante a qualidade de vida da sua população. Os trabalhadores conquistaram, não através de revolução sangrenta, mas pela própria lógica do livre mercado, inúmeros direitos e regalias. O capital e o trabalho não são necessariamente separados, e atualmente os executivos, assim como diversos funcionários, são os verdadeiros donos das empresas americanas. Onde está a luta de classes?

Ela existe, mas paradoxalmente, Marx ajudou muito a aumentá-la. A verdadeira luta de classes ocorre entre os criadores de riqueza e os parasitas que tentam se apropriar dela. A riqueza de uma nação não é estática, nem garantida por recursos naturais pertencentes ao solo. Riqueza é algo construído, através de muito esforço e suor, pela união entre trabalho e capital. Alguma mente inovadora e empreendedora decide se arriscar num novo negócio. Se esta pessoa dispuser de capital próprio, ela contrata outros e juntos lutam para competir no mercado. Caso contrário, algum capitalista pode financiar o projeto, apostando no seu sucesso. Todos estão do mesmo lado, dependendo do sucesso da nova empresa para ganhar. O capitalista assume o risco com sua poupança, o trabalhador executa suas funções, todos visando ao mesmo objetivo: o lucro, logo, o sucesso da empresa. Reparem que não há coerção nesse empreendimento, mas sim consentimento de todas as partes envolvidas, seja o capitalista, o idealista ou o trabalhador.

Não existe exploração alguma, e o sucesso da empresa é o sucesso de todos envolvidos no processo, que de alguma forma se arriscaram e se esforçaram. Bem, na verdade nem todos! O único que não assumiu riscos, não entrou com o trabalho, não teve participação alguma na criação e idealização do projeto, mas ainda assim é o maior acionista, o que mais ganha com o sucesso da empresa, é o governo. Este se apropria, via impostos coercitivos, de um montante cada vez maior das empresas e funcionários, utilizando para isso o argumento falacioso de “justiça social”, ou fazendo-nos crer que tamanha extorsão é necessária para o funcionamento da máquina burocrática estatal. O verdadeiro inimigo de capitalistas, empresários, trabalhadores da classe média, profissionais liberais, é o Estado inchado. A luta de classes real se dá entre trabalhadores, incluindo aí os donos do capital que assumem riscos, e as parasitas sanguessugas, os donos do poder.

No livro A Solução Liberal, o francês Guy Sorman trata do tema em um capítulo, lembrando que o Estado não é uma abstração, mas sim constituído por “homens e mulheres bem vivos que o administram e formam entre si uma verdadeira classe social”. A ambição desses homens, como a de quaisquer outros, é aumentar a remuneração e a autoridade. Seria tolice esperar um comportamento diferente dessas pessoas normais, assim como é ingênuo os liberais acharam que a própria classe vai se organizar com boa vontade para seu próprio enfraquecimento. Guy Sorman explica: “Longe de ser apolítica, a Nova Classe tornou-se a expressão moderna do social-estatismo, um socialismo técnico desembaraçado de ser resíduo ideológico de origem”.

Sorman compreende então que nossa história é a da luta de classes, mas não das classes de que falava Marx. De um lado temos “todos os que vivem da economia privada, submetidos às leis da concorrência e condenados a sempre dar provas de iniciativa e de imaginação, capazes de mudanças, incertos de seu futuro”. São os produtores, os inventores. Do outro lado, a Nova Classe, que produz sobretudo palavras e discursos. Vive da “usurpação dos recursos de terceiros e justifica sua ação em nome do interesse geral”. Ela oferece a seus membros o poder e a segurança de emprego.

Os políticos de hoje ainda compram votos, como ocorria antigamente, mas o fazem com o dinheiro dos próprios eleitores. Eles buscam individualizar vantagens, disseminando os custos. O Estado passa a ser uma abstração, o outro. Esse efeito de assimetria explica o que Milton Friedman chamou de “tirania do status quo”, que seria uma aliança objetiva entre os grupos de pressão privados, os burocratas do Estado e os homens políticos. Sorman explica, então, que a “resistência da Nova Classe resulta, assim, do fato de que cada um crê que pode beneficiar-se mais do sistema burocrático que seu vizinho”.

Enquanto a lógica de livre mercado dita as ações das empresas, com todos lutando em um mercado competitivo para agradar ao máximo os consumidores, os políticos vivem por uma lógica diferente, de maximização de votos. Para isso, milhares de privilégios são distribuídos, leis populistas são assinadas e cargos são leiloados. O Estado possui uma lógica natural de crescer de tamanho, os governantes lutam para se perpetuar no poder, e a máquina estatal vai se transformando num verdadeiro Leviatã. A carga tributária aumenta, assim como o endividamento do governo, ou emissão de moeda, para poder bancar esta gastança descontrolada. As conseqüências são desemprego, miséria, recessão, inflação, tudo causado pelos governantes. Com um povo ignorante, sem conhecimento destes fatos, a situação se agrava, entrando num círculo vicioso onde o desespero leva ao desejo de um salvador da pátria, dando mais poder ainda para o causador da miséria.

Os parasitas seqüestram os bens atuais dos trabalhadores, e ainda comprometem os ganhos futuros dos jovens que entram no mercado de trabalho, deixando como herança uma enorme conta a pagar. Um jovem de classe média que entra na disputa por uma vaga no mercado já carrega todo o peso de uma dívida pública avassaladora, uma carga tributária proibitiva, um rombo previdenciário gigante etc. Ele enfrenta uma dúvida cruel, entre lutar do lado dos abandonados, dos trabalhadores que geram riqueza e são explorados pelo governo, ou aderir à máquina, se transformar num funcionário público privilegiado, ficar do lado dos exploradores. Como as vantagens oferecidas na segunda opção são cada vez maiores, como culpar alguém por esta decisão racional? E assim o governo cresce sem parar.

O problema é que o número de parasitas aumenta exponencialmente em relação ao número de trabalhadores que geram riqueza. A conta fica cada vez mais cara para sustentar as classes privilegiadas, e cada vez menos gente contribui no pagamento. Projetando a manutenção desta tendência de crescimento da classe parasitária privilegiada em relação aos que geram a riqueza, não precisa ser economista para ficar preocupado. Essa luta de classes pode não acabar bem. A sorte dos governantes é que a paciência do povo muitas vezes parece infinita, assim como a ignorância sobre o assunto. A classe média caminha rumo à sua extinção, mas aplaude o aumento do Estado, justamente aquele que prepara seu aniquilamento. São como moscas diante daquela luz hipnotizante que as atrai, apenas para fritá-las em seguida.

Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.

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