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Mecanismo de incentivos: a recompensa importa. Até para os primatas!
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Uma das principais teses do Privatize Já e do liberalismo em geral é que o mecanismo de incentivos importa. Faz profunda diferença quando há meritocracia, quando há recompensa para o valor gerado. O ser humano espera ser tratado da mesma forma se produzir o mesmo resultado. Quando isso não ocorre, quando há privilégios em demasia, quando é a “amizade com o rei” que define os resultados, o sentimento de revolta e injustiça toma conta de todos.

Esse curto vídeo de um experimento realizado por Frans de Waal com dois macacos-prego demonstra claramente que o mesmo vale até para os primatas. Vejam:

httpv://youtu.be/NQIzuwAeARg

Moral da história: quando pagamos tantos impostos e esperamos serviços básicos e um império de leis isonômicas, mas vemos apenas corrupção, desvio de recursos e privilégios em troca, ficamos revoltados! Como o pobre macaquinho do experimento (para a revolta dos defensores dos bichos). O brasileiro só recebe pepino do governo. Até quando?

Segue, abaixo, uma resenha que escrevi do livro Eu, Primata, de Waal.

Entre bonobos e chimpanzés

“Eis a beleza da reciprocidade: a generosidade compensa.” (Frans de Waal) 

“Podemos tirar o primata da selva, mas não a selva do primata”. Eis como Frans de Waal começa seu livro Eu, Primata, onde argumenta que costumamos culpar a natureza pelo que não gostamos em nós, mas esquecemos de dar-lhe crédito pelo que gostamos.

O biólogo holandês foca bastante no comportamento do nosso outro parente primata, muitas vezes ignorado, que são os bonobos. Ao contrário dos chimpanzés, eles apresentam comportamento bem mais pacífico, resolvem disputas através do sexo e são comunidades matriarcais. Para ressaltar nossa natureza violenta, muitos citam os chimpanzés, e deixam de lado os bonobos, nosso outro parente próximo que desmente a idéia de que nossa linhagem é puramente sanguinária.

Para Waal, “o chimpanzé, brutal e sedento de poder, contrasta com o pacato e erótico bonobo; são como dr. Jeckyll e mr. Hyde”. Para ele, “nossa natureza é um casamento incômodo dos dois”. Isto estaria por trás dos sentimentos opostos onde ora nos vemos como a “jóia da criação” e ora como os grandes vilões do mundo.

Não é possível negar inúmeras características humanas, especialmente no meio político*, que nos remetem ao comportamento dos chimpanzés. A busca desenfreada pelo poder desperta o que há de pior nos seres humanos. Mas, por outro lado, a sensibilidade e a empatia dos mais pacíficos bonobos são igualmente detectáveis em nossa espécie. Habitam em nossa natureza vestígios tanto de um quanto do outro. A diferença fundamental entre nossos dois parentes mais próximos, segundo Waal, é que “um resolve as questões de sexo com poder, e o outro, as questões de poder com sexo”.

Frans de Waal não concorda com a visão pessimista de que os homens são os lobos dos homens, e que somos a única espécie na Terra que pode vencer os instintos básicos, como se estes fossem todos de natureza negativa. Para ele, assim como para Darwin, nossas características humanitárias baseiam-se em instintos sociais que temos em comum com outros animais.

Existem diversos relatos de ações nobres praticadas por animais, como uma gorila que ajudou um menino que caiu no zoológico ou uma chimpanzé que tentou salvar um pássaro machucado. O que consideramos um código moral pode muito bem ter sua origem no próprio processo evolutivo.

As pessoas confundem muitas vezes o processo com o resultado, achando que a seleção natural, por ser um processo cruel e impiedoso de eliminação, tem necessariamente que produzir criaturas cruéis e impiedosas. Waal chama essa confusão entre processo e produto de “erro de Beethoven”, lembrando que o mestre criou suas sofisticadas sinfonias num verdadeiro chiqueiro. Coisas maravilhosas podem nascer em circunstâncias atrozes.

O animal homem, com características similares tanto aos chimpanzés como aos bonobos, supera seus parentes próximos tanto do lado positivo da escala, como do negativo. Para ser cruel, o homem é capaz de atrocidades espantosas, como os regimes nazista e comunista demonstraram. Mas, para fazer o bem, o homem também demonstra uma capacidade bastante superior, pelo grau de empatia que é capaz de sentir, pois pode se imaginar no lugar do sofredor como nenhum outro animal.

Temos uma natureza tanto competitiva como solidária. “Para serem bem-sucedidos, os animais sociais têm de ser falcões e pombas”, afirma Waal. Quanto maior a dependência mútua, maiores as chances de harmonia no convívio. Afinal, quando o seu sucesso depende do sucesso alheio, a hostilidade perde muito de seu sentido. Por isso a globalização e a divisão de trabalho acabam funcionando como entraves para guerras, enquanto o isolamento favorece a hostilidade tribal entre grupos.

A reciprocidade é um conceito fundamental para o convívio social. Sua origem pode estar na assistência aos parentes, favorecendo as chances de sobrevivência dos genes. Uma vez surgida a sensibilidade, seu alcance pode ter se expandido. A bondade que as religiões e filosofias recomendam já fazia parte de nossa condição humana. Para Waal, “não estão invertendo o comportamento humano, apenas ressaltando capacidades preexistentes”.

A empatia e a simpatia são sentimentos naturais aos humanos, tanto que uma pessoa que não as demonstra é vista como mentalmente doente e perigosa, um psicopata. Empatia, definida como a capacidade de ser afetado pelo estado de outro indivíduo ou criatura, é algo que outros animais além do homem também são capazes de expressar. Macacos em experimentos deixaram de puxar uma maçaneta que lhes fornecia comida quando companheiros ao lado levavam choque como resultado dessa ação. Um deles ficou doze dias sem comer!

A explicação de Waal para este ato altruísta não está na preocupação com o bem-estar alheio, mas na aflição causada pela aflição dos outros. Essa reação teria enorme valor para a sobrevivência. “Se outros demonstram medo e aflição, pode haver boas razões para que você também se preocupe”, ele explica. Quando um pássaro no chão subitamente sai voando, todos os outros copiam. O que ficar para trás pode ser a presa.

O pânico se alastra depressa provavelmente por este motivo, inclusive entre humanos. O auto-reconhecimento, que somente os grandes primatas apresentam, permite uma forma superior de empatia. Bonobos são capazes de consolar, perdoar e ajudar outros bonobos. A regra de ouro diz que não devemos tratar os outros como não desejamos ser tratados. Os nossos parentes mais próximos podem não conhecê-la de forma consciente, mas a seguem mesmo assim.

Os seres humanos não são insetos gregários, e Waal entende isso quando diz: “Não é o grupo o primeiro interesse de todo indivíduo, e sim ele próprio e sua família imediata”. Mas isso não nos impede de alimentar sentimentos solidários. Afinal, tal postura está no nosso próprio interesse, além de ser totalmente natural. “Dar-se bem com os outros é uma habilidade crucial, pois as chances de sobreviver fora do grupo, em meio a predadores e vizinhos hostis, são desalentadoras”, diz Waal.

Somos seres sociais, sentimos necessidade de pertencer a um grupo. Mas isso não significa coletivismo, a ponto de colocar o grupo acima dos indivíduos, tampouco considerar estes simples meios sacrificáveis para o bem maior. Waal reconhece que “ser egoísta é inevitável e necessário, mas até certo ponto”.

Quem ignora isso desconhece a nossa natureza. “Apesar dos imensos esforços doutrinários dos regimes comunistas, as pessoas se recusam a submergir em nome do bem comum”, lembra o autor. Ele conclui sobre isso: “Somos sensíveis a interesses coletivos, mas não a ponto de abrir mão dos nossos interesses individuais. O comunismo ruiu devido a uma estrutura de incentivos econômicos em dessintonia com a natureza humana. Infelizmente isso só ocorreu depois de ter causado mortes e sofrimentos imensos”.

O homem não é um escravo de seus genes. Ele possui o livre-arbítrio, ainda que influenciado por inúmeros fatores fora de seu poder. Além disso, ele também não é um chimpanzé ou um bonobo, mesmo que tenha um ancestral comum e compartilhe de uma estrutura genética bem parecida. Possuímos o instrumento epistemológico mais potente de todos: a razão.

Podemos questionar sobre isso tudo, diferente dos outros primatas. Não obstante, observar nossos parentes próximos pode elucidar diversas coisas sobre certas tendências comportamentais. São influências que chamamos de “instinto”, ainda que o nome possa gerar confusão.

No entanto, o foco tem sido todo voltado para o comportamento dos violentos chimpanzés. Frans de Waal presta um bom serviço ao mostrar melhor outro parente, muito mais empático e amigável que o chimpanzé. Nossos “instintos básicos” não devem ser comparados somente aos desse primata. Em termos de uma “moral natural”, se é que podemos falar nisso, estamos entre os bonobos e os chimpanzés.

* Waal questiona: “Alguém já ouviu um candidato admitir que quer o poder? Obviamente o termo ‘servir’ tem duplo objeto: quem acredita que é apenas pensando no nosso benefício que eles mergulham no mar de ofensas pessoais da democracia moderna? Será que os próprios candidatos acreditam nisso? Que sacrifício absolutamente incomum seria! Trabalhar com chimpanzés é um alívio: eles são os políticos sinceros pelos quais todos ansiamos”. O curioso é tanta gente entender isso e, ainda assim, encarar o governo, formado por esses políticos em busca de poder próprio, como uma espécie de Deus. O governo, formado por “chimpanzés egoístas”, será o ente altruísta e clarividente. Talvez seja a maior e mais comum contradição do mundo!

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