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O governo protege a concorrência?
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Em artigo publicado hoje na Folha, um professor da USP sustenta a tese de que cabe ao governo intervir para proteger a livre concorrência dos mercados, usando o CADE para tal finalidade. Sem essa intervenção estatal, alega, haveria uma dominação de grandes grupos monopolistas, e os mercados não mais seriam saudáveis.

Vários pensadores liberais, porém, atestam que é justamente esse aparato estatal que costuma ser capturado pelos grandes grupos para impedir a livre concorrência. Há farta evidência empírica desse risco, que não pode ser ignorado. Abaixo, uma resenha que escrevi há anos de um livro sobre o tema. Antes, porém, uma piada que mostra o enorme perigo de conceder um poder tão arbitrário para o governo:

Três empresários de um setor foram presos porque o governo decidiu que suas práticas adotadas estavam prejudicando o livre mercado. Um deles reclamou na prisão que estava preso porque fora acusado de “práticas predatórias”, por ter colocado o preço abaixo da concorrência. O outro rebateu que tinha sido preso porque o governo o acusara de adotar “preços abusivos”, típicos de monopólios. O terceiro empresário, estarrecido, disse que tinha sido encarcerado sob a acusação de “formação de cartel”, por praticar preços iguais ao da concorrência. Em português claro, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

O caso contra o antitruste

“As leis antitrustes foram criadas precisamente para serem usadas pelos concorrentes menores para arrasar concorrentes mais eficientes.” (Domenick Armentano)

Muitas pessoas assumem que o livre mercado leva naturalmente à concentração de poder em cartéis ou monopólios, e que cabe ao governo proteger os consumidores desse risco. Mas, na verdade, as medidas antitrustes do governo costumam prejudicar justamente os consumidores, dificultando a vida das empresas mais eficientes. É o que mostra Dominick Armentano em Antitrust: The Case for Repeal, do Mises Institute. Logo no prefácio do livro, o autor deixa claro que sua posição sobre o tema nunca foi ambígua: todas as leis antitrustes devem ser rejeitadas, e todo o aparato antitruste não pode ser reformado, devendo ser simplesmente abolido.

Armentano apresenta tanto argumentos lógicos como estudos de caso para sustentar seu ponto de vista. Um caso mais recente citado pelo autor é a acusação de monopólio envolvendo a Microsoft. O governo acusou a empresa de abusar de seu quase-monopólio no sistema operacional de computadores, para integrar seu browser numa “venda casada”. No entanto, a situação dominante da Microsoft era fruto de sua maior competitividade, sendo, portanto, legítima. Não existiam barreiras artificiais à entrada de novos concorrentes, e outras empresas ofereciam sistemas operacionais substitutos. Mas a Microsoft foi ganhando mercado, pois um sistema operacional mais padronizado era mais barato de ser produzido e distribuído, além de mais fácil de ser usado, o que favorecia os consumidores. As fabricantes de computador como Dell, Compaq e tantas outras eram livres para escolher o browser da Netscape. Mas, claramente, um sistema operacional com um navegador grátis já incluído era uma opção mais benéfica para os consumidores do que pagar um custo adicional para ter outro browser.

Quando as autoridades reclamaram da integração e do preço “predatório” da Microsoft, elas estavam condenando o processo competitivo de mercado, não qualquer monopolização. Robert Murphy, em Os Pecados do Capital, comenta sobre o caso da Microsoft, condenando a arbitrariedade da lei antitruste: “um juiz deve decidir se uma empresa pode ‘integrar’ dois produtos ou se deve vendê-los separadamente”. Murphy faz uma analogia com a Ford, mostrando como seria absurdo alguém questionar se a empresa deveria ter o poder de “integrar” o motor e os pneus de seus veículos ao vendê-los aos consumidores. Ele conclui: “Seria ridículo para uma concorrente reclamar que a Ford estava ‘vinculando’ de forma desleal seus pneus ao sucesso de seu motor, reduzindo, dessa forma, a concorrência no negócio de pneus”.  

A competição é um processo dinâmico de descoberta e ajuste, sob condições de incerteza. Ela pode incluir tanto rivalidade entre empresas como cooperação. Dentro deste processo competitivo, a fatia de mercado de uma empresa é o resultado de sua eficiência. Um produtor pode “controlar” seu mercado somente se oferecer um produto melhor a um preço mais baixo, algo claramente vantajoso para os consumidores. O monopólio verdadeiro ocorre quando barreiras legais são criadas impedindo o acesso de novos concorrentes. Ou seja, o monopólio é um privilégio do governo, e não uma conseqüência do livre mercado. No capitalismo puro, uma empresa pode deter enorme fatia de um determinado mercado, mas apenas enquanto for a mais eficiente em atender a demanda. Historicamente, a regulação antitruste foi usada para atacar essas empresas mais eficientes, beneficiando empresas com custos mais elevados. Como isso pode favorecer os consumidores permanece um mistério!

A idéia por trás do modelo de “competição perfeita” dos livros-textos de economia ajuda a manter a crença na necessidade de políticas antitrustes para combater o tamanho excessivo de algumas empresas. Neste modelo, existem infinitas empresas oferecendo produtos homogêneos, e há informação perfeita também. Nada poderia estar mais longe da realidade. No mundo real, o problema econômico reside justamente em descobrir a demanda num processo dinâmico e incerto, com informação assimétrica. Algumas empresas podem ser mais bem sucedidas nesse processo, ganhando expressivas fatias de mercado. Uma empresa pode inclusive dominar quase todo o seu mercado específico, mas somente através de uma maior eficiência. O risco de rivais potenciais será constante, pois não existem barreiras legais à entrada de novos concorrentes. A empresa continuará “monopolista” somente enquanto for eficiente.

O caso da Alcoa é um bom exemplo disso. A empresa mantinha um grande domínio no mercado de seu principal produto, o lingote de alumínio. No entanto, essa posição era fruto de sua maior eficiência. A empresa foi acusada de “monopolização”, mas o preço do lingote havia caído de US$ 5 por libra em 1887, quando a Alcoa foi fundada, para US$ 0,22 por libra em 1937, ano em que foi processada. Que prática predatória de monopólio é esta que reduz em mais de 95% o preço final para o consumidor? Será que o consumidor precisa de regulação antitruste para ser “protegido” disso? O caso da Alcoa está longe de ser o único. A Standard Oil dominou 90% do mercado de refino de petróleo americano depois de 20 anos competindo no setor. Ela conseguiu esse domínio reduzindo o preço do querosene de 14 centavos para 2 centavos o litro. Pobres consumidores!

Um grave problema com as leis antitruste está na sua total arbitrariedade. São os preços mais baixos sempre predatórios? Quais custos são relevantes para determinar isso? Os custos médios? Os custos marginais? Os custos históricos? Os burocratas simplesmente não têm como saber se um preço é “predatório” ou não. A definição do preço é uma decisão estratégica para as empresas, e depende de muitos fatores diferentes. Permitir que o burocrata decida quando um preço é predatório significa delegar um poder arbitrário enorme a ele, ameaçando o livre mercado. Ora, uma empresa pode oferecer preços menores justamente por ser mais eficiente, ter ganhos de escala e atender melhor a demanda. Mas seu próprio sucesso será alvo de ataques. O governo irá condenar suas virtudes, não seus vícios. O consumidor sai perdendo.

O problema essencial da regulação antitruste está na pretensão de conhecimento dos burocratas do governo. O futuro é desconhecido, e as empresas tomam decisões com base nessa incerteza. Fusões e aquisições ocorrem com base em expectativas que podem não se concretizar. Mas o julgamento das autoridades do governo assume uma possibilidade de conhecimento que é inexistente. Além disso, como definir o que é o mercado relevante para medir o grau de concentração? Quais são os substitutos do produto? Qual o mercado relevante, por exemplo, para refrigerantes? Apenas refrigerantes, ou deve incluir cervejas, sucos, água e leite? Apenas produtos nacionais, ou deve incluir os importados? Como tais questões podem ser respondidas de forma objetiva?

Os burocratas não são clarividentes, e não desfrutam de nenhum mecanismo especial para avaliar tais pontos. Eles simplesmente não podem calcular o “custo social” e o “benefício social” de fusões e aquisições, pois esses custos e benefícios dependem das preferências subjetivas dos consumidores, e estas são desconhecidas. O processo dinâmico de mercado existe justamente para conhecê-las, por tentativa e erro, lembrando que elas mudam o tempo todo. Por isso mesmo o mercado deve permanecer livre, sem as intervenções governamentais.

Last but not least, há um importante argumento contra as leis antitruste, de cunho moral. Por sua própria natureza, tais leis interferem nos direitos de propriedade privada. Elas tentam regular trocas voluntárias privadas, e representam, portanto, uma violação do direito de propriedade. Adam Smith reconheceu que pessoas do mesmo setor raramente se encontram sem que a conversa acabe numa conspiração para aumentar preços. Mas mesmo diante de tal receio, ele entendeu que era impossível evitar tais encontros sem agredir a liberdade e a justiça. E concluiu que um sistema natural de livre competição ainda era o mecanismo mais eficiente para combater esses riscos.

Tanto do ponto de vista da eficiência, como do prisma moral, as leis antitruste merecem severas críticas. Não é fácil combatê-las, pois a mentalidade de que o mercado, se deixado em paz, leva ao monopólio está enraizada nas pessoas. Além disso, os benefícios com o fim dessas leis são difusos, enquanto as perdas são concentradas: os próprios burocratas têm total interesse em manter este aparato antitruste. Mas nada disso muda o fato essencial nessa questão: a regulação antitruste tem servido para impedir que o livre mercado possa premiar os mais eficientes. Essa intervenção, invariavelmente, produz um resultado pior para os próprios consumidores que deveriam ser protegidos.

Rodrigo Constantino

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