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Vazio existencial: quando a fuga do tédio é mortal
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“O trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a pobreza.” (Voltaire)

Suportar a angústia do desamparo existencial não é moleza. Para muitos, a religião é o que dá sentido à vida. Para outros, as artes e a filosofia. No meio do caminho, diversos tipos de fugas tornam a vida mais suportável. Esportes, trabalho, hobbies, todo tipo de estímulo para que o ócio não venha cobrar reflexões mais profundas. Poucos encaram com coragem o tédio. Especialmente nas gerações atuais…

Acostumados a estímulos ininterruptos desde muito cedo, à conexão virtual incessante, os jovens de hoje não aguentam nem cinco minutos sem nada fazer. É um desespero para a grande maioria. Ser obrigado a pensar na própria vida, mergulhar nos próprios pensamentos e angústias, torná-las fogo criativo para alguma coisa? Nem pensar! Um jogo imediatamente, um bate-papo nas redes sociais, um filme bobo, qualquer coisa! Um livro já é uma fuga mais rara, pois exige uma paciência cada vez mais escassa.

Em casos extremos, o vazio existencial é preenchido por estímulos mais perigosos, como as drogas. Se as religiões, os esportes e o trabalho historicamente afastaram jovens desse caminho, hoje os limites e os freios aos apetites destrutivos se encontram enfraquecidos em uma mentalidade que diz que o importante é dar vazão aos desejos, viver como se não houvesse amanhã, seguir os impulsos. Carpe Diem!

Falo tudo isso para chegar ao lamentável caso do aluno que morreu após beber 30 doses de vodca numa festa universitária. Ironia das ironias, ele tinha registrado em sua página do Facebook que é melhor morrer de vodca do que de tédio. Dito e feito, para a tristeza de seus amigos e familiares. Que tipo de angústia leva alguém a uma fuga tão desesperada? Francisco Razzo, professor de filosofia, fez uma boa reflexão em sua página de Facebook, com base em Pascal:

“Melhor morrer de vodca do que de tédio”, palavras encontradas no perfil do estudante da Unesp morto por ingerir uma quantidade absurda de vodca na festa da faculdade. A inevitabilidade de uma vida oca. A expressão “melhor morrer de vodca do que de tédio” assinala a vidinha pra lá de entediada dessa adolescência ontologicamente miserável. E nada melhor do que Pascal para definir essa doença de morte: “Tédio (Ennui): Nada é mais insuportável ao homem do que um repouso total, sem paixões, sem negócios, sem distrações, sem atividade. Sente então seu nada, seu abandono, sua insuficiência, sua dependência, sua impotência, seu vazio. Incontinenti subirá do fundo de sua alma o tédio, o negrume, a tristeza, a pena, o despeito, o desespero. (Pascal, Pensamento 131). Para alguns, eis a sedução da vodca.

Muitos acham que algum tipo de entorpecente será inevitável para tornar a vida suportável. Outros alegam que a própria religião é um ópio, ou que também as artes servem ao propósito de entorpecer. Talvez. Mas convenhamos: há fugas e fugas. Quem vai comparar a “fuga” por meio da literatura clássica com um simples porre à base de vodca? Quem vai comparar a “fuga” por meio de uma sinfonia de Beethoven, ainda que regada com o néctar de Baco, ao consumo desenfreado de drogas sintéticas? Quem vai comparar uma “fuga” com base numa vida produtiva no trabalho com um baseado de maconha?

Um comentário final que gostaria de fazer sobre o lamentável episódio diz respeito à responsabilização pelo ocorrido. Automaticamente surge a demanda por bodes expiatórios. Querem culpados, mas não olham para aquele que tomou as decisões erradas, que fez as escolhas equivocadas. Hélio Schwartsman falou disso em sua coluna de hoje, usando como analogia o discurso da presidente Dilma culpando FHC pelo petrolão:

“A culpa é do FHC.” A escusa favorita de Dilma Rousseff, receio, está fazendo escola. Não que todos estejam incriminando o tucano por tudo de errado que acontece no país, mas parece cada vez mais prevalente a tendência de não assumir as próprias responsabilidades, preferindo imputar sempre a um terceiro os resultados indesejados de suas decisões ou atitudes.

[…]

Num exemplo concreto, o jovem estudante ingere voluntariamente 30 doses de vodca numa festa universitária, entra em coma e acaba morrendo. De quem é a culpa? Para o delegado que investiga o caso, o rapaz foi assassinado pelos organizadores da festa, que foram presos sob a acusação de homicídio com dolo eventual.

Não estou aqui afirmando que os organizadores não violaram nenhuma lei ou norma de segurança nem que não tenham de alguma forma contribuído para o trágico desfecho, mas não me parece que faça muito sentido equiparar sua atitude à de alguém que tira intencionalmente a vida de outra pessoa (homicídio doloso) ou mesmo à do sujeito que dá um tiro no rival mirando sua perna, com o objetivo de assustá-lo, mas acerta o coração e acaba por matá-lo (um caso mais clássico de dolo eventual, em que perigos concretos são conscientemente desprezados pelo agente).

As pessoas precisam assumir a responsabilidade por seus atos. A geração narcisista e mimada de hoje não só não suporta o tédio nem por cinco minutos, pulando de fuga em fuga desesperadamente, como ainda culpa os outros por todos os seus problemas. Melhor seria se tentassem encontrar um verdadeiro sentido mais elevado para suas vidas.

Rodrigo Constantino

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